Durante a Copa do Mundo de 1990, a Inglaterra formalizou o início das transmissões com som digital NICAM. Em Caracala, Carreras, Domingo, e Pavarotti realizaram um concerto de enorme sucesso, transmitido para toda a Europa.
No meio do ano de 1990 minha família e eu já estávamos morando em Cardiff, onde fui a estudos. Neste ano, a Copa do Mundo tomou conta do noticiário, o que era de se esperar. Nesta Copa do Mundo o Brasil não foi bem, e quando anos depois o time brasileiro foi jogar um amistoso em Cardiff contra o time da casa perdeu o jogo. Um amigo do departamento insistiu que eu fosse com ele ver este jogo, no belo estádio que eles têm na cidade. Eu não queria ir, mas fui e vi novamente o time ir muito mal.
Mais tarde, no “Pub”, o pessoal comenta que o time brasileiro deixou a desejar, o que era verdade, mas eu afirmei a eles que tudo iria mudar na próxima Copa, e não deu outra. Visionário, eu? Quem me dera! É fácil fazer predições diante da dinâmica do futebol neste país, um dia o time está muito mal, no outro faz miséria! Simples assim.
Mas, a nossa vida em Cardiff nos trouxe outras surpresas. Alugamos uma TV de 29 polegadas, que era dotada de um receptor para o recém lançado formato de som digital, desenvolvido pela BBC, com o nome de NICAM.
Este sistema era transmitido em uma subportadora, e quando a TV o detectava um LED vermelho acendia no painel frontal, muito parecido com a sinalização do FM estéreo que tivemos décadas atrás. O som do NICAM é o PCM de 14 bits com 32 kHz de amostragem, alcançando na transmissão um bitrate de 728 kbits/seg, daí ter sido chamado de NICAM-728.
A ideia de transmitir som digital em mídia analógica foi a mesma usada no desenvolvimento do Dolby Digital para o Laserdisc. No NICAM, foi preservada a compatibilidade com o som normal de transmissão de sinal de TV, e o sistema foi adotado em quase todos os países da Europa.
Durante a Copa de 1990, José Carreras, Placido Domingo e Luciano Pavarotti se reuniram ao maestro Zubin Mehta, e montaram um concerto com peças clássicas e populares. Eu soube recentemente, que a escolha do repertório tinha sido feita com a ajuda do também compositor e maestro Lalo Schifrin. Muito da música tradicional e lírica italiana foi escolhida, tendo tudo a ver com o local da Copa e do evento.
Este concerto foi transmitido de Caracala ao vivo para toda a Europa, e inaugurou a transmissão do som NICAM do Channel 4 onde nós morávamos, a primeira emissora a transmitir neste formato. Na época, a BBC há havia feito testes na área de Londres, se não me engano, mas as duas BBC1 e BBC2 ainda não tinham começado a transmitir o novo sistema, o que aconteceu pouco tempo depois.
E é gozado, mas sempre foi assim: a BBC desenvolveu o som digital PCM que seria usado pela indústria fonográfica, a começar pela Denon, mas foi uma das últimas a usar o novo método de gravação.
Para nós foi simplesmente eletrizante, assistir um evento daqueles ao vivo, com imagem impecável e som estereofônico mais ainda. A Grã-Bretanha usava o sistema PAL, desenvolvido na Alemanha, também chamado de PAL-1 ou PAL-G, com 625 linhas de resolução e 50 Hz de varredura.
Os sinais das emissoras locais eram transmitidos em UHF. No total, na nossa região eram 8 emissoras oferecidas em duplicata, 4 em inglês e 4 em galês, com pequenas variações de programação. Além das BBC1 e 2, existiam o Channel 4 já mencionado e o ITV, ambos canais independentes.
Acho que ninguém poderia imaginar a repercussão de tal concerto. José Carreras havia estado muito doente, vítima da Leucemia, mas chegou lá inteiro. Em uma cena do concerto, Pavarotti passa de brincadeira um lenço na testa de Carreras, para “enxugar” o suor do rosto. Quem não soubesse do câncer do cantor nem desconfiaria do seu estado grave de saúde.
A Decca adquiriu os direitos fonográficos e de vídeo deste evento. E a gente passava próximo das lojas de disco da cidade e ouvia Nessum Dorma, cantada por Pavarotti, sem parar, mais parecia uma espécie de hino da Copa.
A música clássica não é a minha praia, e eu definitivamente sou o último a poder opinar sobre isso, mas me toca, sem trocadilho, a maneira emotiva e fortemente lírica como Luciano Pavarotti canta e assim não me admira que Nessum Dorma tenha ficado tão presente nas paradas de sucesso daquele momento. O CD vendeu horrores, inclusive. Estima-se que o concerto tenha sido visto por cerca de 800 milhões de pessoas.
Para poder reassistir todo o concerto eu tive que recorrer ao DVD Decca norte-americano, com o selo London, sua subsidiária. O disco vem protegido com o infame RCE (Region Coding Enforcement), mas esta foi mais uma das proteções contra cópia desmoralizadas pelos players de mesa no mundo todo.
A imagem convertida sofre um pouco, mas dá para assistir sem muita dor nos olhos. A trilha sonora é gravada em Dolby Digital 5,1, que não dá para comparar com a da NICAM, mas soa bem. Como se trata de um concerto, o som é frontal, com alguma ambiência no surround.
O mais importante é que a captura da orquestra e das vozes está muito bem preservada, e com ambas se pode assistir a dramaticidade natural de Luciano Pavarotti, quando ele interpreta o amplamente divulgado trecho de Nessun Dorma:
Vejam que se trata de um evento ao vivo. O trabalho dos técnicos de som da Decca é esplendoroso, e faz total justiça àquela apresentação pela TV e pela mídia posterior.
O sucesso que se repetiu, mas não foi o mesmo
Com o sucesso de Caracala e aquela multidão testemunhando as interpretações de três cantores líricos de peso, os produtores resolveram repetir a façanha na Copa de 1994, na qual, como eu havia “previsto”, o time brasileiro se deu bem.
Desta vez, Lalo Schifrin assumiu a maior parte do concerto, e não apenas os arranjos do último segmento do concerto anterior. O efeito, na minha opinião, não foi o mesmo, talvez porque “americanizaram” demais o repertório.
Na Itália, muito da música tradicional popular mais antiga se presta naturalmente ao canto lírico. Quem não conhece e nunca ouviu este gênero de música, basta prestar atenção à execução de O’ Sole Mio, música com notório sentimento patriota.
Na fase M-G-M dos musicais de Hollywood se ouviu de tudo, incluindo operetas, a maioria de grande apelo popular, e alguns filmes de outros estúdios, cuja partitura era preferivelmente cantada por cantores líricos ou de grande extensão vocal, como, por exemplo, West Side Story (United Artists). Este foi inclusive o principal motivo pelo qual os atores haviam sido dublados quando o filme foi feito.
O mega concerto americano se despiu do principal atrativo conseguido em Caracalla: originalidade! Além disso, o repertório de trechos de ópera esteve muito mais próximo dos cantores, do que quando eles interpretaram música de filmes ou peças.
Os 3 tenores viajaram e fizeram concertos em outras praças. Para mim, o original foi o que ficou, por causa principalmente do momento da minha família, vivendo pela primeira vez diante de uma cultura ainda a ser experimentada, e na qual convivemos durante quatro longos anos.
A participação brasileira na Copa de 1990 foi pífia, e na de 1994 apenas razoável, eficiente, mas sem brilho. Só não foi pior, porque Carlos Alberto Parreira tinha ciência das limitações do elenco, e agiu de acordo. Infelizmente, o nosso futebol, que explora gente humilde, virou um mercado de commodities. O nosso antigo futebol de natureza passional sumiu, e só emerge de vez em quando, por motivos nem sempre muito dignos. Outrolado_
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
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Olá Paulo…
Após a partida do grande mestre do tenor lírico (Luciano Pavarotti), eu pausei minhas audições nesse tipo de música. Na sua partida ele deixou uma lacuna que não consegui encontrar um eco em quem pudesse substituí-lo. Ao meu ver sua maior representação de grande versatilidade músical, foi ao lado de Bono Vox no hit Miss Saravejo. Um verdadeira mescla de concerto dentro da música pop.
Oi, Rogério,
É uma dessas lacunas que dificilmente será preenchida.
Olá Paulo…
Após a partida do grande mestre do tenor lírico (Luciano Pavarotti), eu pausei minhas audições nesse tipo de música. Na sua partida ele deixou uma lacuna que não consegui encontrar um eco em quem pudesse substituí-lo. Ao meu ver sua maior representação de grande versatilidade músical, foi ao lado de Bono Vox no hit Miss Saravejo. Um verdadeira mescla de concerto dentro da música pop.
Oi, Rogério,
É uma dessas lacunas que dificilmente será preenchida.