O relato de uma brasileira moradora de Barcelona sobre a propagação do Coronavírus na Espanha. A experiência deles e da Itália nos serve de lição.
Confinamento: dia 1
Começa às 20h em ponto. Primeiro, algumas palmas isoladas e, em segundos, escutamos aplausos e assobios. É o “aplauso sanitário”, um agradecimento aos profissionais de saúde, que estão comendo o pão que o diabo amassou com a pandemia do coronavírus na Espanha.
Termina o meu primeiro dia de “tele-trabalho”. Rendi pouco. Estamos todos um pouco abobalhados ainda, hipnotizados pelo caudal de notícias apocalípticas. A cabeça doi e sofro de uma saturação de memes que nem sei se fazem mais graça ou se já passaram pra categoria “top creepy”. É como se estivesse de ressaca acumulada depois de uma noite mal dormida. A noite, no caso, durou a semana passada inteira, quando o número de contagiados aumentou de forma assustadora.
No domingo 8 de março estávamos felizes com nossos amigos em um almoço de risadas e crianças. Já eram mais de 600 contagiados e menos de 20 mortos. Domingo seguinte, ontem, estávamos com mais de 200 mortos e quase oito mil contagiados.
A ficha caiu ao terminar a semana passada, com o oráculo vaticinando: a Espanha será a Itália em uma semana. Sábado acordamos com a fantástica cifra de cinco mil contagiados. CINCO MIL. A essa altura já estávamos resignados e até aliviados porque as autoridades acordaram e fizeram o que na Ásia fez-se há várias semanas — cortar na carne.
Muitos amigos do Brasil perguntam como vai por aqui, alheios ao significado da palavra “pandemia”. Falo, repito e desenho: isolem-se. Se há eventos sociais com gente que acaba de chegar de uma viagem internacional, não vá. Se você tiver uma doença que deprime o sistema imunológico, comece a tomar medidas coreanas — isolamento máximo e higiene total. Se tiver familiares na terceira idade, redobre os cuidados — eles são o grupo de maior risco, sim.
Mas depois de passar meia hora de cantilena no Whatsapp com os amigos do outro lado do Atlântico, eis que alguém fala de ir à praia, à academia, a uma festa… Deve ser algo cultural mesmo ou a fé cega do brasileiro de que é imune a vírus importados. Vai entender.
É verdade que o relativo isolamento do Brasil atrasa a chegada dos bichos, mas se eles chegarem e encontrarem essa incredulidade, vai ser um massacre. Simples assim. Não há SUS que aguente.
Uma amiga que mora na França tem um casal de amigos de 80 anos — ambos doentes. A mulher está em casa, em quarentena. Entre dores e febres, está bem. O marido de toda a vida está entubado em Lyon. Ele não vai sobreviver, já avisaram os médicos. “Quando ele se for, ela não poderá nem velá-lo. O corpo será selado e imediatamente cremado. Ela não pôde nem se despedir”, diz a minha amiga, com a tristeza do mundo nos ombros.
Essa história cortou meu coração. A morte em si, acredito, não é o fim, com o adicional de que é natural e inevitável. Mas a passagem de um plano a outro, desta vida ao desconhecido absoluto, feita entre o medo e a solidão, é de uma crueldade atroz. E aí é quando a falta de conscientização doi ainda mais, causa raiva e impaciência. A crença de que nada de mal pode acontecer, quando, claro está, somos mais frágeis que um dente de leão na tempestade, não traz conforto nesse momento.
Mas se paro e penso, no que nos confortaria agora, entre as alternativas possíveis… O que seria?
Francamente? Não sei. Outrolado_
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Patu Antunes
Patu Antunes é brasileira residente em Barcelona, responsável de desenvolvimento de negócio para startups no Sul da Europa. No tempo livre, viaja e escreve para Trip Trip Now (https://triptripnow.com).
2 respostas
Prezada Patu,
Brilhante o seu texto. Lamento muito pelo aperto que você está passando, que espero não ser apocalíptico!
É verdade, multidões foram à praia aqui no Rio, por ignorância e/ou teimosia. As autoridades, em contrapartida, fizeram de tudo para disparar um pânico, a meu ver, desnecessário, porque não é assim que se enfrenta um espalhamento de vírus nesse nível.
Eu já comentei em outras colunas aqui do site, e não me custa repetir:
O Brasil tratou mal as suas universidades e a comunidade médica como um todo. Vários médicos que viviam ao meu redor e os amigos, viram os seus consultórios vilipendiados com os abusos dos planos de saúde, cuja ganância prejudicou os honorários médicos e inflacionaram as contas de quem precisava de assistência médica de boa qualidade. A última notícia de fechamento de consultório por inadimplência veio dias atrás, de uma amiga de infância, pode isso?
Mas, a coisa vai muito além, porque os hospitais de referência vivem à míngua há décadas. Eu não sou médico, mas fui professor da Faculdade de Medicina da UFRJ, em cujo Hospital eu ouvi todos os tipos de queixas a este respeito. Isto porque as verbas do SUS não são suficientes para manter corretamente qualquer hospital terciário, e quando se trata de um hospital acadêmico, trabalhos de pesquisa e estímulo à investigação de doenças vão literalmente para o limbo!
Então na hora de se enfrentar um problema grave como esse, as ditas autoridades se mostram incapazes, devido à ausência de apoio das suas próprias instituições, que poderiam, outrossim, colaborar com com a necessária competência.
Agora, minha cara, só rezando, para não se repetir o que está acontecendo por aí, pela Itália, etc.
Boa sorte, e que Deus te proteja!
Muito obrigada pelo comentário, Paulo!
Que Deus nos proteja, que não falte internet pro nosso home-office funcionar e lavemos bem as mãos! 🙂