A Atlantic Records foi um selo independente criado em 1947 que produziu discos de grande importância na discografia de muitos artistas, de Coltrane a Led Zeppelin. No Rio de Janeiro gravou músicos brasileiros da Bossa Nova. Os estúdios da Atlantic e de seus parceiros também abrigaram discos de Rock Progressivo, durante a década de 1970, a maioria ainda disponível no mercado fonográfico.
A gente, quando coleciona discos a vida toda, acaba invariavelmente guardando uma imagem da relação estilo de música e etiqueta, mas nem sempre é fácil, porque muitas gravadoras diversificaram o seu repertório ao longo das décadas.
O selo independente Atlantic Records ficou guardado na minha memória por várias coisas: a primeira, de excelente selo de Jazz, a segunda, pelo refinamento das gravações, e a terceira, pela responsabilidade na explosão do rock progressivo, durante a década de 1970. Mas o selo se envolveu com a música mundial, em particular com a Bossa Nova, ao despertar do movimento nos primeiros anos da década de 1960.
Historicamente, deve-se ao imigrante turco Ahmet Ertegün a fundação da Atlantic Records, inicialmente com o estudante de odontologia Herbert Abramson, e mais adiante com o jornalista Jerry Wexler, com quem ficou para produzir discos até mesmo de artistas fora da América.
Enquanto jornalista, Wexler teria cunhado a expressão “Rythm & Blues”, para classificar o estilo de música que estava sendo gravada naquele momento, uma espécie de derivação do Jazz, e prelúdio para o Rock-and-Roll.
Ahmet Ertegün foi personagem do filme “Ray”, de 2004, interpretado pelo ator Curtis Armstrong:
Segundo o filme, foi Ertegün quem teria convencido Ray Charles a mudar seu repertório e estilo de interpretação, inicialmente com uma música composta por ele próprio: “Mess Around”.
O fato é que Ahmet Ertegün se dedicou, e muito, ao repertório popular, particularmente os dos artistas negros. Seu irmão mais velho, Nesuhi Ertegün, foi quem manteve a Atlantic Records fiel às suas tradições jazzísticas, levando a efeito gravações estupendas.
O lado técnico progressista da Atlantic
Credita-se ao engenheiro de gravação Tom Dowd a engenhosidade e a qualidade de áudio dos discos da Atlantic. Dowd foi um dos pioneiros da gravação multicanal na indústria fonográfica. Teria sido ele quem sugeriu a Ahmet e Wexler dividir a música “What’d Say” em duas partes, lado A e B, respectivamente, na época em que foi gravada por Ray Charles.
Tom Dowd é citado de passagem no filme “Ray”, e é bem possível que a plateia não tenha noção da importância dele na história da Atlantic. Todos os discos do estúdio eram cuidadosamente preparados, incluindo o corte de acetato e a prensagem. Além disso, ele foi pioneiro no uso e na manipulação de decks de 8 canais, tornando as sessões de gravação mais ecléticas.
Tom Dowd era formado em música. Antes de trabalhar para a Atlantic ele se envolveu com a gravação de música clássica, mas o seu trabalho posterior lhe deu crédito na elaboração de uma discografia importante dos músicos de Jazz, e depois de grupos do Rock Progressivo.
A lista destes últimos é imensa, com um espaço generoso para as bandas inglesas como Yes, Emerson, Lake & Palmer e King Crimson.
As parcerias e a captura da Bossa Nova
A Atlantic prensou na América a versão “The Beat of Brazil”, a partir do disco gravado na Philips por Sylvio Rabello e Célio Martins com Sergio Mendes & O Bossa Rio, de 1964:
Sergio Mendes e outros músicos brasileiros também gravaram diretamente na Atlantic em Nova York, e um desses bons discos é “The Swinger From Rio”.
Durante a visita de músicos norte-americanos ao Brasil, no início da década de 1960, o flautista Herbie Mann foi um que fez questão de voltar para gravar com músicos brasileiros:
Na realidade, Herbie Mann esteve por aqui em dois momentos distintos, um deles para gravar “Do The Bossa Nova”, e depois para registrar “Latin Fever”.
Herbie Mann declarou para a BBC que tinha ouvido o disco “Jazz Samba”, esforço de Stan Getz com o guitarrista Charlie Byrd, que também esteve aqui, mas que o mesmo não era bossa nova, e sim uma maneira americana de tocar a música brasileira daquele momento, o que, aliás, é verdade. Então, resolveu viajar para o Rio de Janeiro, quando se juntou com músicos do movimento bossa novista para gravar seus discos.
Nas capas aparece a declaração “Recorded in Rio de Janeiro”, mas os créditos não citam aonde. É possível que estas gravações tenham sido feitas nos estúdios da Odeon. Um dos técnicos de gravação, ao lado de Tom Dowd, é uma pessoa de nome “Umberto”, sendo também possível ter sido o percussionista Umberto (ou Humberto, como era conhecido também) Garin, que gravitava por estúdios brasileiros, e que foi parte integrante das gravações de Eumir Deodato para o selo Equipe.
Nesuhi Ertegün, principal articular das gravações de Jazz da Atlantic, incluindo o antológico Giant Steps, com John Coltrane, esteve presente nas sessões de gravação realizadas no Rio de Janeiro.
Fora da América a Atlantic Records foi representada pela Warner, sua atual proprietária. Nas nossas paragens a Warner reeditou recentemente Giant Steps, mas sem muito alarde. Eu achei o disco por acaso, e notei que está agora difícil de achar um exemplar. A transcrição deste disco é soberba, e lembra muito o som das prensagens norte americanas do estúdio. Na verdade, o CD é bem mais revelador e detalhado, para alegria dos fãs de Jazz que não estão nem aí para a diferença de formatos.
É incrível que um selo de pequeno porte, independente, e com orçamento sempre apertado, tenha conseguido superar as dificuldades de produção, distribuição e venda de discos fonográficos, principalmente cobrindo grupos e artistas de grande expressão na história do Jazz e do Rock Progressivo. Nota-se que a Atlantic nunca abdicou do seu lado americano, mas se mostrou aberta e abrangente para a música mundial.
O ator Curtis Armstrong deixa evidente o lado empático de Ahmet Ertegün, que na vida real foi profundo conhecedor de Jazz e manteve-se aberto para a música popular de uma maneira geral. Ahmet perdeu Ray Charles para a ABC/Paramount e Bobby Darin para a Capitol Records, mas nem por isso se tornou inamistoso com ambos os artistas.
A Atlantic Records se tornou sinônimo de que empresas pequenas podem dar certo, e no caso deu certo com todas as parcerias e com a multidão de artistas que a gravadora promoveu, e este é, em última análise, o legado que ela nos deixou. Outrolado_
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.