Parece mentira, mas mais de 40 anos se passaram desde a vinda de Frank Sinatra ao Brasil. Na época muita gente achava que ele jamais viria.
Em 27 de janeiro de 1980, o lendário cantor Francis Albert Sinatra sobe no palco central do estádio do Maracanã, lotado com mais de 130 mil espectadores, tomados por um entusiasmo que deixou o cantor inesperadamente emocionado. Nunca ele havia cantado para um público tão numeroso e emotivo, anos após o próprio cantor ter anunciado e depois desistido de uma suposta aposentadoria.
Naquela época, chovia a cântaros, mas a chuva milagrosamente parou alguns momentos antes daquele show. Dizem que Sinatra quase desistiu de cantar, mas diante daquela imensa plateia teria dito que cantaria até debaixo de chuva. E assim o fez.
Um então amigo meu, o Sólon do Valle, que conheci ainda estudante, havia começado a trabalhar na TV Globo, e me disse que o show iria ter o som transmitido por FM, com som estereofônico, processo conhecido como “simulcast” (ou transmissão simultânea), e que foi a maneira como nós em casa assistimos: imagem da TV Globo e som da Globo FM estéreo, se não me falha a memória.
Achei engraçado que depois o Sólon me perguntou como estava o som, e eu afirmei a ele que estava muito bom. Ele me disse que estava aliviado, porque eu era por ele considerado meio “chato”, quando se tratava de áudio. Mas, na realidade, os engenheiros de som da TV Globo tiveram problemas com a montagem, em cima da hora, contornados na base do improviso técnico. No final, tudo acabou dando certo.
No Brasil, Frank Sinatra mostrou um lado paranoico. Diz a lenda que uma cartomante teria lhe dito que ele morreria se viajasse para cá, e ele diz que acreditou. Ironicamente, o grande cantor somente foi embora em 1998, lá nos Estados Unidos, com 82 anos.
No recente documentário “All Or Nothing At All”, ainda em exibição no streaming, nenhum momento do show do Maracanã é citado, muito menos da gravação de Sinatra com Tom, feita em 1967, para o selo Reprise. Em mais de 4 horas de gravação, Tom aparece ao lado de Sinatra em um show feito para a TV, mas apenas alguns momentos. O nome do Tom sequer é mencionado. Isso no meio do imbróglio de Sinatra com Mia Farrow, que acabou em separação, depois um monte de escândalos de mídia, um deles protagonizado pela atriz, que raspou a cabeça e a manteria assim se Sinatra não casasse com ela. O documentário não menciona nada disso, mas eu me lembro perfeitamente o tumulto da relação Sinatra-Mia Farrow circulando na mídia local. Segundo os documentaristas, Sinatra teria se tornado possessivo e ciumento durante aquele malfadado casamento.
No documentário, cercado de depoimentos, o que mais se vê é a ênfase na vida complicada de Sinatra com a máfia, com os políticos, com a imprensa e com as amantes, dezenas delas. Além disso, o próprio Sinatra se confessa uma pessoa de temperamento explosivo, com pavio curto diante de seus antagonistas. Apesar disso, e apesar de se aposentar várias vezes, o carisma de Sinatra resistiu a tudo. Bastava ele se aposentar da aposentadoria e o público estava lá para aplaudi-lo.
Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim
Sinatra resistiu ao rock e a outros gêneros de música, e quando indagado sobre isso ele alegava que só se ligava ao que ele sentia, o que considero bastante justificável.
Sinatra aparentemente se identificou com a bossa nova já por volta de 1962, quando a música explodiu na América, mas somente se ligou a ela cinco anos mais tarde. Contam alguns que quando ele decidiu aderir à bossa nova, teria ligado para o bar que Tom frequentava com os amigos para tomar um chope, de maneira a convencê-lo a irem gravar juntos. Tom tinha 39 anos a esta altura e com ampla repercussão das suas composições em solo americano. Mas, se disse honrado, aceitou prontamente e viajou para Los Angeles, iniciando uma amizade que durou anos.
O disco foi gravado entre 30 de janeiro a 1 de fevereiro de 1967, com o título “Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim”, para a Reprise, selo de Sinatra.
Esta gravação teve algumas reedições, incluindo as sessões completas da dupla, e uma comemorativa dos 50 anos da gravação original. Houve ainda um segundo encontro em estúdio, ocorrido em 1969, mas sem a mesma repercussão de antes.
Em 2017, o notável guitarrista John Pizzarelli prestou um tributo àquela gravação de 1967, gravando o disco “Sinatra & Jobim @ 50”, com a participação de Daniel Jobim, filho de Paulo Jobim, e neto do compositor. Um show com o mesmo conteúdo pode ser visto a seguir:
https://youtu.be/8GKdA0Gf4Ik
Comentários maldosos apostaram que Frank Sinatra se apoiou em Tom para se recuperar na carreira. Faz algum sentido isso? A Sinatra nunca faltou fama, até mesmo nos piores momentos da sua vida pessoal, ou de seu envolvimento com políticos ou com a máfia.
A fascinação pela bossa nova pelos músicos norte-americanos e a magia contagiante das músicas de Tom Jobim nunca deixou de existir, anos depois da chegada de Tom nos Estados Unidos e, portanto, não há surpresa alguma em uniões tardias com quem quer que seja.
Desde que a bossa nova surgiu no exterior, os músicos em geral perceberam que standards da música popular norte-americana (ou de outros países) se prestavam para a sua interpretação no compasso da bossa nova, e a gravação com Sinatra não é exceção.
As composições de Tom Jobim e seus parceiros do início da bossa nova nunca precisaram de tradução ou de letras improvisadas. A música está lá para ser ouvida e interpretada, do jeito que qualquer músico se sente àquele respeito.
A estrutura melódica dessas músicas (e a de muitos outros compositores de bossa nova da época) trouxe ideias simples, porém inacreditavelmente belas e sofisticadas. São até os dias de hoje sedutoras o suficiente para que nós não deixemos de exibir a nossa admiração ao ouvi-las repetidamente.
Frank Sinatra não morreu em 1980, como previsto pela tal cartomante, e foi até o fim da sua vida debaixo de um infindável oceano de controvérsias, as únicas das quais escapou ileso foram a de ter sido um cantor antológico, com uma voz que o identificou perante admiradores e o público, e na vida pessoal um inimigo do racismo e da hipocrisia de muitos dos assim chamados de “seres humanos” que o cercaram. Outrolado_
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
0 resposta
Essa matéria é um verdadeiro revival de ótimas lembranças, mas em compensação nas últimas 2 décadas se tornou um martírio para os apreciadores de música de qualidade o que é veiculado nos veículos de comunicação (com exceção da Cultura FM aqui em S.P.). Quantos artistas internacionais (no passado) passaram pelo Brasil em suas turnês ? Infelizmente parece que os poucos que sobraram (ainda em atividade), não demonstram interesse em apresentar-se por aqui. Frank Sinatra “The Voice” realmente foi o maior de todos nos últimos anos. Percebo que também existe desinteresse politico do Brasil nisso, pois incentivar esse tipo de evento seria colocar a “Cultura em 1º plano”, e isso faz as pessoas “pensarem” aos contrário do desejo dos nossos políticos, pois uma sociedade escolarizada e culta, faz uma seleção melhor dos seus representantes; o que não interessa a eles. Enquanto isso, o que nos sobra é garimpar no Youtube os grandes espetáculos e ver em casa mesmo. É o que temos para o momento, fazer o que. Um abração Paulo.
Rogério, eu sou obrigado a dar a mão à plamatória, porque o seu comentário está perfeito, irretocável, e quem sou eu para dizer o contrário?
Acho até hoje que a cultura brasileira empobreceu desde a época da ditadura e não parou mais. Eu tinha o testemunho de um ex-colega da UFRJ que era músico, vivia ao lado de figuras como Sergio Mendes, Leny Andrade, etc., na época em que ele morava em Niterói. Mas, saiu fora quando a turma na época começou a vociferar contra o jazz e a bossa nova, e querendo engajar os músicos em uma luta política contra a ditadura. Houve, eu me lembro, acusações de baixíssimo nivel, orquestradas por aquele José Ramos Tinhorão, como se os músicos da bossa nova estivessem entregando a rapadura para “músicos americanos que não vendiam mais discos”, coisas desse tipo. E aí, você vai me dizer que um Sinatra desse da vida não vendia mais disco? Ou Stan Getz, que foi na época citado nominalmente?
O curioso é que enquanto essas pessoas vociferavam contra um movimento cultural legítimo, espontâneo e de valor que se provou transcendental, os americanos se cercaram de músicos brasileiros, para assimilar o contexto da então nova música brasileira. Até hoje, basta uma simples pesquisa da discografia editada na América, que a gente nota a multidão de músicos e cantores americanos e de muitos outros países que se envolveu com as harmonias daquela música, com seus criadores, etc.
Basta ir ao YouTube para perceber isso. Inclusive com vídeos tentando explicar a criatividade do Tom! O Sinatra não precisou desta explicação, concorda?
Agora, o Brasil voltou à idade da pedra lascada, tal como na Europa em cuja época não se deu o devido valor a muitos dos compositores eruditos, esses que estão aí até hoje com músicas de estrutura complexa e incrível creatividade.
Se houvesse bom senso, nenhum movimento musical apolítico deveria ser levado ao ostracismo, e para mim não adianta mudar o nome do aeroporto da cidade para apagar isso!
Essa matéria é um verdadeiro revival de ótimas lembranças, mas em compensação nas últimas 2 décadas se tornou um martírio para os apreciadores de música de qualidade o que é veiculado nos veículos de comunicação (com exceção da Cultura FM aqui em S.P.). Quantos artistas internacionais (no passado) passaram pelo Brasil em suas turnês ? Infelizmente parece que os poucos que sobraram (ainda em atividade), não demonstram interesse em apresentar-se por aqui. Frank Sinatra “The Voice” realmente foi o maior de todos nos últimos anos. Percebo que também existe desinteresse politico do Brasil nisso, pois incentivar esse tipo de evento seria colocar a “Cultura em 1º plano”, e isso faz as pessoas “pensarem” aos contrário do desejo dos nossos políticos, pois uma sociedade escolarizada e culta, faz uma seleção melhor dos seus representantes; o que não interessa a eles. Enquanto isso, o que nos sobra é garimpar no Youtube os grandes espetáculos e ver em casa mesmo. É o que temos para o momento, fazer o que. Um abração Paulo.
Rogério, eu sou obrigado a dar a mão à plamatória, porque o seu comentário está perfeito, irretocável, e quem sou eu para dizer o contrário?
Acho até hoje que a cultura brasileira empobreceu desde a época da ditadura e não parou mais. Eu tinha o testemunho de um ex-colega da UFRJ que era músico, vivia ao lado de figuras como Sergio Mendes, Leny Andrade, etc., na época em que ele morava em Niterói. Mas, saiu fora quando a turma na época começou a vociferar contra o jazz e a bossa nova, e querendo engajar os músicos em uma luta política contra a ditadura. Houve, eu me lembro, acusações de baixíssimo nivel, orquestradas por aquele José Ramos Tinhorão, como se os músicos da bossa nova estivessem entregando a rapadura para “músicos americanos que não vendiam mais discos”, coisas desse tipo. E aí, você vai me dizer que um Sinatra desse da vida não vendia mais disco? Ou Stan Getz, que foi na época citado nominalmente?
O curioso é que enquanto essas pessoas vociferavam contra um movimento cultural legítimo, espontâneo e de valor que se provou transcendental, os americanos se cercaram de músicos brasileiros, para assimilar o contexto da então nova música brasileira. Até hoje, basta uma simples pesquisa da discografia editada na América, que a gente nota a multidão de músicos e cantores americanos e de muitos outros países que se envolveu com as harmonias daquela música, com seus criadores, etc.
Basta ir ao YouTube para perceber isso. Inclusive com vídeos tentando explicar a criatividade do Tom! O Sinatra não precisou desta explicação, concorda?
Agora, o Brasil voltou à idade da pedra lascada, tal como na Europa em cuja época não se deu o devido valor a muitos dos compositores eruditos, esses que estão aí até hoje com músicas de estrutura complexa e incrível creatividade.
Se houvesse bom senso, nenhum movimento musical apolítico deveria ser levado ao ostracismo, e para mim não adianta mudar o nome do aeroporto da cidade para apagar isso!