Os engenheiros da Decca aumentaram o número de canais nas mesas de mixagem para reduzir o overdubbing e melhorar a relação sinal/ruído. O processo foi feito com decks de 4 canais.
No início da minha adolescência a grande maioria dos discos elepês era mono, porque o estéreo não havia ainda atingido o consumo de massa. O que era sucesso naquele momento era a chamada “alta fidelidade”, uma grande conquista na reprodução de música.
Por isso, um grande número de avanços ou modificações na gravação e reprodução de música passou transparente para todos nós. Quando a minha família finalmente embarcou na era estereofônica em casa é que eu pude tomar conhecimento desses avanços.
A Decca, gravadora inglesa, foi uma das pioneiras tanto na gravação quanto na reprodução de discos estereofônicos. 1951 e 1958 marcaram respectivamente o aparecimento comercial dos discos mono e estéreo.
Em um primeiro momento, a Decca havia contribuído com o design de equipamentos ou acessórios para o consumidor. Já em 1944, a Decca começou a produzir discos com uma reprodução mais elaborada, na série denominada “Full Frequency Range Recording” ou FFRR:
Com a introdução do estéreo, esta série passou a se chamar de “Full Frequency Stereo Sound” ou FFSS. E a Decca lançou a cápsula da série Mark, capaz de tocar discos estereofônicos com alta fidelidade.
O Estéreo Fase 4
Durante boa parte do início dos lançamentos dos discos estereofônicos as gravadoras se preocupavam exageradamente em demonstrar como o som podia se deslocar de um canal para o outro, ou então isolar um ou mais instrumentos em um único canal. A Audio Fidelity e a Command Records foram duas das gravadoras americanas que mais se destacaram muito neste tipo de gravação.
Bem verdade que havia também uma pesquisa em torno do “panorama estereofônico”, qual seja, uma gravação que mostrasse uma distribuição dos instrumentos entre os canais esquerdo e direito, e não somente a separação de sons. Sidney Frey, da Audio Fidelity, chamou este processo de “cortina de som”.
Mas um dos grandes problemas que a indústria fonográfica teve que enfrentar foi a limitação de canais gravados, desde mono até múltiplos canais, na mesma fita magnética.
Sempre foi possível gravar um som em cima do outro, o conhecido “overdubbing”, chamado aqui pelos técnicos de “playback”. Para conseguir isso, a primeira gravação teria que ficar intacta e a segunda gravada em cima sem apagar o que já estava gravado. Com a limitação de canais, o overdubbing era feito de uma fita magnética para outra. Mas, com isso, o som caía de qualidade e introduzia ruído de fundo, no caso da fita magnética, um ruído de alta frequência conhecido como “hiss” ou “sibilado”.
Os engenheiros da Decca partiram para outro método, que foi o aumentar o número de canais nas mesas de mixagem, de 10 a 20 canais, e organizar um roteiro da gravação, de tal forma que dispensasse o overdubbing. Assim, a relação sinal/ruído melhorou consideravelmente. O processo foi feito com decks de 4 canais.
Infelizmente, a pressão comercial os levou também ao exibicionismo do som estereofônico, com constante troca de canais, e um monte de efeitos sonoplásticos. O exagero nesses efeitos chegou a ser cômico, e eu descobri isso no disco do maestro Eric Rogers intitulado “The Percussive Twenties”. Por causa dos exageros, a parte musical desse disco perdeu conteúdo desnecessariamente!
Os efeitos continuaram nos lançamentos de música popular, tipo “Ronnie Aldrich e seus dois pianos”, por exemplo com o mesmo artista tocando em canais separados. As gravações desse tipo deram à Fase 4 um tom de popularidade e sucesso.
O que levou a Decca a gravar também música clássica, agora de forma correta. Anos atrás o Homero Lotito me mandou um material de leitura descrevendo um processo de gravação da Decca chamado de “Decca Tree”, que consiste no posicionamento de 3 microfones, dois nas laterais e um no centro, montados em uma armação de metal, cerca de 3 a 3 metros e meio acima da orquestra, e dali o posicionamento é aprimorado para a melhor captura que possa cobrir o máximo possível de instrumentos.
A árvore de microfones da Decca foi usada por muitos estúdios, tanto naquela época (Mercury Living Presence), quanto depois (Telarc e outras), apenas com o uso de microfones diferentes.
A Decca acabou lançando uma série enorme de gravações clássicas, que ganharam boa reputação entre os audiófilos. Aqui no Rio, os discos importados eram vendidos principalmente na loja do Professor Veiga (Veiga Som), que ficava na Rua da Quitanda número 30, Centro, para onde convergiam os aficionados.
As duas séries, popular e clássica, foram lançadas em CD, no formato de caixas, com cerca de 40 CDs cada uma, mas quem conseguir achar uma dessas caixas à venda tem que se preparar para a despesa…
O Phase 4 da Decca teve o seu momento. Ainda hoje é possível notar as suas virtudes e defeitos, esses últimos resultado de uma manipulação excessiva de recursos de mixagem nas gravações e às vezes um brilho excessivo na reprodução dos instrumentos. Mas, ela teve os seus fãs e quem nunca a ouviu, basta acessar os serviços de streaming. [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.