Na década de 1960 um minúsculo cinema abriu na Cinelândia Tijucana. Uma das melhores memórias daquele lugar foi a exibição de Bonequinha de Luxo.
Na década de 1960, a Cinelândia Tijucana, isto é, Praça Saens Peña e arredores, estava a todo vapor. Uma sala de proporções mínimas havia sido aberta na Rua Desembargador Isidro, rua perpendicular à Praça, com o nome de Cinema Britânia.
No meu antigo texto sobre salas de cinema, eu cito:
“Cine Britânia: aberto em 1962, com uma sala minúscula, depois de fechado (1973) ainda se tornou Studio-Tijuca, depois Teatro Cawell e depois virou igreja evangélica.”
Eu passei por lá, anos atrás, mas não tinha ninguém para me receber. O pessoal da galeria disse que o antigo cinema estava sempre fechado. Hoje em dia, quase não se percebe mais a entrada da galeria onde ficava o Britânia, muito menos a entrada da sala, ao fundo daquela galeria.
Naquele cinema foram exibidos muitos filmes da Paramount, entre eles o hoje antológico Breakfast at Tiffany’s (no Brasil, como “Bonequinha de Luxo”). Quando o filme foi lançado a turma da minha rua se juntou e resolveu ir lá ver. A sessão estava superlotada. Uma das moças da rua se sentou próximo da tela. Quando a personagem aparece tentando aprender a língua portuguesa, do disco sai o som da voz de um português da santa terrinha, e logo que a voz dele aparece, esta moça fala alto “Cala a boca, português!” e o cinema inteiro caiu na gargalhada. Aqueles dias eram assim mesmo…
O roteiro e a lembrança do filme
O diretor Blake Edwards, que ficou famoso na franquia A Pantera Cor-de-Rosa, dirigiu a obra do excêntrico escritor Truman Capote, que coescreveu o roteiro. O elenco é de primeira, a começar por Audrey Hepburn, inacreditavelmente fotogênica. Um dos professores do curso de cinema que eu fiz na adolescência, e que viveu nos estúdios da Europa, dizia que a atriz era tão magra, que mais parecia uma tábua de passar roupa, mas a câmera a adorava, e, segundo ele, foi um dos fortes motivos pelos quais os diretores iam atrás dela!
No elenco, aparecem como coadjuvantes Patricia Neal, atriz de filmes clássicos e detentora de um Oscar, Buddy Ebsen, ex-dançarino da MGM, Mickey Rooney, outrora super astro da MGM, além do espanhol José Luiz de Vilallonga, que faz o papel do brasileiro rico, ambicionado por Holly Golightly, personagem central do filme.
Holly é uma garota de programa, cujo fim das noitadas a faz comer alguma coisa, à troco de café da manhã, na frente da loja de jóias Tiffany’s. Quando Audrey morreu, a loja publicou um anúncio de página inteira nos jornais americanos, agradecendo a ela pelo filme, e a chamando de “Huckleberry Friend”, tema da letra Moon River, expressão que significa uma amiga íntima e confiável.
O roteiro gira em torno da vida excêntrica da oportunista Holly Golightly, cuja ambição é largar a vida de programas e casar com um homem rico. Mas, no meio desse caminho ela esbarra com um escritor frustrado (George Peppard), cuja interação os faz questionar sobre a vida que ambos levam. A estória é também uma crítica sobre a vida fútil da classe média alta novaiorquina.
Henry Mancini entrega aqui uma das suas mais lindas trilhas sonoras. Até hoje, me emociona ouvir o belíssimo arranjo de Sally’s Tomato”, com um vocal estupendo. Este tipo de arranjo vocal já foi copiado por outros arranjadores, basta ouvir Dois prá lá, dois prá cá, cantada por Elis Regina.
O filme foi sutil com a personagem, não deixando que ela seja percebida como prostituta de luxo, apenas o título brasileiro faz menção a isso. Também foi gentil com a loja da Tiffany’s, sugerindo que ela atende aos menos financeiramente favorecidos com a mesma simpatia. A loja, símbolo de Nova York, foi tombada e se tornou local de visitação pública. Segundo consta, há uma exibição lá dentro de uma réplica do vestido Givenchy preto usado por Audrey Hepburn.
Desnecessário dizer que toda vez que eu assisto Bonequinha de Luxo, eu me lembro do Britânia, suas dimensões e sua precariedade como sala de cinema. Antes da primeira sessão, o cinema não abria enquanto o operador não chegava lá, e isso eu vi diversas vezes, quando entrava na galeria um senhor correndo, portando um guarda-chuva, não sei por quê. Quando ele chegava, a bilheteria começava a vender. Várias vezes, eu vi a luz do arco voltaico das lanternas iluminar a sala, e eu cheguei a pensar em dizer a ele operador que não abrisse a lanterna sem proteção contra a luz ultravioleta, mas depois desisti.
O Britânia era equipado com projetores Westrex, se não me engano. Quando a ciclagem mudou no Brasil de 50 para 60 Hz, os rotores de todos os motores dos projetores precisaram ser trocados, mas nem eles nem o Bruni Saens Peña fizeram a troca. A mudança de ciclagem acarretou a aceleração da cadência dos filmes, fazendo os atores falar mais fino. O Bruni Saens Peña foi vendido para um grupo de japoneses, virando Cine Osaka, que trocou os rotores. O Britânia ficou assim até fechar. [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
2 respostas
Boas lembranças, Paulo, aí do Rio. Como sou do interior de SP, só fui conhecer a cidade maravilhosa recentemente quando já contava 78 anos. Valeu a pena!
Oi, Celso, o ambiente de cinemas da Praça foi uma das maiores perdas que nós fãs de cinema tivemos. Aliás, a Praça como um todo perdeu o seu encanto depois que o Metrô chegou lá. O Ivo Raposo fez uma homenagem ao Café Palheta, lá em Conservatória. Era um programa que nós enquanto estudantes podíamos fazer: ir ao cinema, depois passar no Palheta para comer alguma coisa, que na época era um bar americano, e fazia sundaes magníficos na tua frente, com chantilly batido na hora.