Na década de 1960, Walt Disney apostou na filmagem do livro Pollyanna, que falava sobre o Jogo do Contente, praticado pela personagem-título. O filme fez grande sucesso na época e até hoje pode ser visto como um dos Tesouros de Walt Disney. A restauração do filme, entretanto, se mostrou tecnicamente problemática, e foi levada a termo em uma época (início de 1990) onde muitos recursos técnicos ainda estavam longe de estarem disponíveis.
Os técnicos e executivos dos estúdios Disney hesitaram muito em passar os seus filmes para o home vídeo. No início das edições em DVD, eles diziam que a transcrição de filmes de animação para a nova mídia deixava muito a desejar. Mas, eventualmente esta barreira técnica caiu e eles começaram a lançar discos em DVD fazendo uso de seu valioso catálogo.
Este catálogo, até hoje, é dividido em filmes clássicos (Walt Disney Classics) e filmes considerados parte do tesouro dos arquivos (Walt Disney Treasures). A divisão entre eles, para fins de edição em home vídeo, ficou a critério do estúdio.
Um dos filmes que poderia perfeitamente se encaixar na categoria de “tesouro” é Pollyanna, lançado em 1960 (no ano seguinte, no Brasil), com grande sucesso de público, talvez por se tratar de um filme feito para toda a família, e com ótimas lições de moral sobre o assunto.
Pollyanna foi baseado no livro homônimo, escrito por Eleanor H. Porter, lançado em 1913. O seu principal conteúdo é a visão otimista de que sempre se acha algo positivo em tudo que acontece na vida das pessoas. O texto fala no conhecido “Jogo do Contente” (nossa tradução para “The Glad Game”). Lá em casa, eu ouvi falar deste jogo ainda menino, mas nunca soube da sua origem.
O filme propriamente dito foi um projeto cuidadoso de Walt Disney. Ele apostou, com a sua visão singular, no diretor David Swift, cuja direção foi criticada por alguns como “mecânica”, mas eu discordo profundamente! Todos os atores se comportam como deveriam, e Swift notoriamente os deixou à vontade, para extrair deles o melhor de si mesmos.
Walt Disney também apostou todas as suas fichas e acertou em cheio com a escolha de Hayley Mills, filha do lendário ator inglês John Mills, para o papel título. Este foi o primeiro filme dela em solo norte-americano. Depois disso, ela ainda fez cerca de 6 filmes para os estúdios Disney.
O filme traduz com exatidão temas como pensamento positivo, ajuda aos outros, e sempre achar o lado bom das pessoas. Com estes pensamentos Pollyanna “subverte” o comportamento hostil e pessimista dos habitantes da cidade de Harrington, onde a sua tia Polly (Jane Wyman) manipula e controla todo mundo.
A ironia na atitude está no fato de que Pollyanna havia se tornada órfã, e cujos pais sempre tiveram parcos recursos financeiros. A sua tia Polly era o oposto, rica, mas reservada, com baixa capacidade de amar, e autoritária. No final, Pollyanna muda o comportamento da própria tia, e de tabela, une a cidade toda, em solidariedade ao seu acidente que lhe deixou paralisada.
A restauração da película
Existe ainda para leitura um texto antigo que escrevi mais detalhes sobre preservação e restauração de filmes, no qual o leitor pode ter mais informação sobre este assunto. Essencialmente, a preservação é feita através de uma cópia pura e simples do negativo, enquanto que a restauração é um processo de recuperação dos elementos originais de um filme, que é depois preservado em uma mídia confiável.
A operação básica de preservação de filmes coloridos é a transcrição do original para filmes monocromáticos, onde as películas ou camadas do negativo são copiadas. O processo Technicolor de 3 cores até 1955 era feito com 3 negativos dentro da câmera, com as 3 cores secundárias:
Na época em que Pollyanna foi filmado as 3 cores já ficavam em um único negativo, em 3 camadas RGB distintas, a partir das quais os filmes de preservação eram copiados com o auxílio de um filtro fotográfico:
Quando, no início da década de 1990, os técnicos encontraram os negativos de Pollyanna, se depararam com a película cheia de problemas, exigindo a execução do processo de restauração.
Notem que só recentemente tem sido possível lançar mão de um negativo problemático e recuperar o filme todo, como aconteceu nas edições recentes de Spartacus e My Fair Lady. Por isso, naquela época os preservacionistas da Disney correram atrás dos 3 negativos de preservação, para que uma nova cópia do filme fosse obtida.
Mas, para surpresa deles, quem preservou Pollyanna copiou a camada azul duas vezes, e sendo assim as masters de preservação eram Vermelho, Azul e Azul, ao invés de Vermelho, Verde e Azul (RGB) como deveria.
A solução encontrada foi a de voltar ao negativo de câmera, onde a camada Verde, para sorte deles, estava bem preservada, e com isso recriaram a cópia da camada Verde monocromática que estava faltando.
Juntando assim as 3 camadas de preservação RGB foi possível colocar Pollyanna exatamente como foi filmado:
Após o que, Pollyanna foi lançado em DVD duplo, um dos discos contendo o documentário de restauração, de onde as imagens acima foram tiradas:
Lamentavelmente, uma única edição em Blu-Ray está disponível, mas lançada para membros do Disney Movie Club. Quem quiser comprar por fora, vai ter que gastar uma grana sentida.
Mesmo assim, a trilha do DVD em Dolby Digital 5.1 não foi aproveitada, e nem houve esforço de restaurar a trilha sonora mono original para este formato. Assim, a edição em Blu-Ray tem somente uma transcrição Dolby Digital 2.0 a 320 kbps, segundo o site Blu-Ray.com, ou seja, dissiparam-se as esperanças de um disco com um som melhor.
A relação de aspecto do fotograma 1.75:1 foi, entretanto, mantida. O filme tem mais de 2 horas de duração, mas é super leve e mantém qualquer um interessado no tema entretido.
Eu até agora não entendi porque esta política de lançamentos exclusivos do tal clube de cinema, sem chance de reaparecer em outros países filmes como O Abismo Negro (The Black Hole) ou 20.000 Léguas Submarinas, entre outros.
Até recentemente, a política de relançamentos no Brasil tinha sido outra. Resta torcer para que o pessoal da Disney volte atrás! Outrolado_
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https://webinsider.com.br/55-anos-de-spartacus-um-dos-maiores-epicos-do-cinema-americano/
https://webinsider.com.br/50-anos-de-my-fair-lady-no-cinema/
Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
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Olá, Paulo. Muito bacana essas informações. Infelizmente não assisti esse filme.Como você comenta, deve ser bem legal.
Oi, Celso,
Vale a pena ver, eu garanto, mas por aqui nem sei mais se existem cópias à venda.