Filme 1941 restaurado continua sendo uma bomba

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Filmes considerados “ruins” pela crítica ou pelo público podem ser tornar cultuados com o passar do tempo. Não é o caso de 1941, dirigido por Spielberg e recentemente restaurado — continua sendo um filme que não deu certo, apesar dos predicados.

 

Os críticos, e depois o público do cinema em geral, arrumaram adjetivos diversos para caracterizar filmes que não deram certo. O operador do cinema do meu tio que ficava no interior de São Paulo, homem típico da cultura local, quando não gostava de um filme o chamava de “abacaxi”, e tinha o estranho hábito de às vezes pular um ou mais rolos durante a projeção, para o filme acabar mais rápido e ele ir embora para casa.

A palavra “chanchada”, que em espanhol se refere a alguma coisa feita sem cuidado ou limpeza, foi extensamente usada em críticas nos jornais, e acabou virando sinônimo de filmes produzidos pela Atlântida Cinematográfica (braço produtor de Luis Severiano Ribeiro) e depois pelo estúdio de Herbert Richers, ambos localizados no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro.

As comédias vindas desses estúdios se valeram muito da ausência da televisão na maioria das casas brasileiras. Artistas comediantes como Oscarito, Grande Otelo, Ankito, Zé Trindade, José Lewgoy e tantos outros, se tornaram populares e levavam aos cinemas uma multidão de apreciadores.

Tais comédias eram na sua maioria ingênuas ou com pouca malícia. Foram raras as vezes (pelo menos que eu tenha visto ou tomado conhecimento) em que o acabamento formal do processo cinematográfico tinha qualquer compromisso com a qualidade.

Ely ou Eliana Macedo (mais conhecida como “Eliana”) formava dupla romântica com Cyll Farney, irmão do famoso cantor Dick Farney, um dos precursores da Bossa Nova. Havia um certo nepotismo na participação da vistosa Eliana nesses filmes: ela era sobrinha do diretor e produtor Watson Macedo.

As chanchadas eram de fato muito mal acabadas. Algumas das ideias pareciam perseguir a estrutura do filme musical hollywoodiano, mas as coreografias eram uma tristeza e as músicas, em tom carnavalesco, eram completamente desconexas do contexto da estória. As fórmulas repetitivas nos roteiros costumavam descambar para situações de intrigas, algumas brigas e disputas dentro das casas noturnas cariocas.

As chanchadas no resto do mundo

Para sermos justos com o cinema brasileiro daquela época, vários países aderiram também ao estilo popular de fazer cinema, frequentemente em filmes de acabamento duvidoso. A comédia pastelão teve origem em solo americano, com enorme sucesso de público. Teria sido natural que a fórmula fosse seguida, com algumas adaptações.

Para fazer um filme desse tipo seria preciso lançar mão de artistas com ampla visibilidade popular, nem sempre lançados pelo cinema. Foi o caso, por exemplo, dos Irmãos Marx, que faziam teatro burlesco. Outros vinham do rádio (como, aliás, no Brasil). O mexicano Cantinflas aparentemente se fez por si próprio, embora de raízes circenses ou assemelhadas, tal como Oscarito no Brasil.

As comédias populares podem dar certo para um público mais exigente quando a maneira de fazer cinema admite um mal acabamento, ou o humor é cáustico ou debochado, justificando a desordem. É o caso típico dos Irmãos Marx, que fizeram vários filmes abaixo da crítica, mas se deram bem em projetos como “O Diabo A Quatro” (“Duck Soup”), que beira a genialidade, mas com a mesma estrutura anárquica e mal acabada dos seus outros filmes.

O desastre apesar dos cineastas

É fato que cineastas brilhantes tiveram seus altos e baixos, filmes que os levaram à condição de “mestres” ou inovadores, ao lado de outros filmes execrados pela crítica.

Embora fracassados, depois que os cinemas fecharam e que esta crise disparou os arquivos dos estúdios para os chamados “home theaters”, na forma de fitas ou discos, alguns dos filmes que não agradaram a críticos ou público retornaram na classificação de “cult” (ou “cultuado, se quiserem), por um segmento de pessoas que não os tinham visto ou que passaram a notar alguns elementos do roteiro que haviam despercebidos na época do lançamento nos cinemas.

Filmes que fracassaram redondamente nas bilheterias se encaixam invariavelmente nesta categoria. Sem falar no fato de que a cultura e os hábitos pertinentes a ela mudam invariavelmente com o tempo. Em outros casos, entretanto, o que já era ruim continuou ruim mesmo através dos tempos.

Um caso que até hoje me deixa surpreso foi a reunião de então jovens cineastas em torno de um projeto que tinha tudo para dar certo mas que acabou resultando em um desastre cinematográfico de proporções bíblicas.

Foi o que aconteceu com “1941”, lançado no início de 1980 com o título “1941 – Uma Guerra Muito Louca”:

O projeto original foi concebido pelos dois Bobs, Robert Zemeckis e Robert Gale (que mais tarde iriam escrever o brilhante “De Volta Para O Futuro”), e depois contando com a colaboração do roteirista John Millius, todos egressos do meio universitário californiano, e cheios de novas ideias. Millius fez parte do grupo dos também universitários Francis Ford Coppola e George Lucas, ao formarem a Zoetrope, espécie de produtora independente no estilo “avant-guard”.

 

A ideia de 1941 em si era simples e atraente: quando a América declarou guerra ao Japão uma parte das comunidades da costa do Pacífico achava que os japoneses iriam invadir o país. 1941 se baseia em uma paranoia criada pelos habitantes de uma dessas cidades. Era para ser um drama, mas depois se percebeu que a ideia central era absurda a ponto de fazer o roteiro virar uma comédia.

Steven Spielberg, que havia conquistado fama por ter dirigido Tubarão (“Jaws”) para a Universal, resolveu que ele mesmo iria dirigir o filme.

Para o elenco, contou-se com a participação do que havia de melhor da nova geração de comediantes, já sedimentados nas telas, como John Belushi, por exemplo.

Tinha tudo para dar certo, não é não? Pois, quando o filme foi lançado ninguém achou graça alguma. Nas telas, uma verdadeira “bomba”!

Eu decidi revisitar 1941 em uma cópia em Blu-Ray com o original totalmente restaurado, inclusive com cenas anteriormente cortadas incluídas em uma versão do diretor.

Não adiantou nada. No Blu-Ray Spielberg confessa que “perdeu o controle”, segundo ele, ou seja, não sabia que rumo tomar. Diz ainda que chegou a pensar em fazer de 1941 um musical ao estilo antigo de Hollywood.

Nada disso foi feito. Lá pela metade do filme, o espectador perde a esperança de ver alguma coisa inteligente nos diálogos, algo que fizesse sentido dentro do contexto a que haviam se proposto os dois Bobs.

A invasão japonesa foi uma ameaça concreta no decorrer da segunda guerra mundial, diante de um Estados Unidos ainda despreparado para tal enfrentamento. Se 1941 fosse um drama, poderia até ter dado certo. E mesmo a ideia de parodiar a paranoia norte-americana teria tido pleno sucesso. O deboche aos militares beligerantes já tinha tido significativo sucesso nas telas com M.A.S.H., dirigido por Robert Altman cerca de dez anos antes!

Mas o filme de Altman é sutil, não se atreve a entrar no clima de comédia pastelão, ou seja, não regride em momento algum na narrativa, enquanto que 1941 faz exatamente o oposto, mais parecendo uma fuga ao avanço da conquista de independência merecida dos jovens cineastas depois do fim do studio system, que havia no passado imposto regras duras nos esquemas de produção.

1941 se tornou um desperdício de talento e poderia até ter se tornado um retrocesso e um desestímulo a todos aqueles que desejavam sair do marasmo do cinema comercial americano.

A revisão de filmes é tão natural quanto a revisão de obras literárias, onde o autor amadurece e consegue ter meios de melhorar o que na visão dele não havia dado certo.

Os anos passaram, mas aparentemente não se encontra nada existente em 1941 que possa ser remendado.

 

Outrolado_

 

 

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O outro lado do avesso

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Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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