Antes de publicar a segunda (e última) parte do Manual prático para gestão de crises, outro artigo do Webinsider, Definição de gestão, administração e gerenciamento (escrito pelo talentoso colega André Luís Lima de Paula), fez-me desviar um pouco da rota.
Naquele artigo, André apresenta algumas definições (adaptadas de outro autor) sobre temas corriqueiros, como administração, gestão e gerenciamento. O autor, inclusive, toma o cuidado de falar que as definições são flexíveis e podem – e devem – ser adaptadas para cada contexto.
Ocorre que, em minha opinião, nem todo assunto ou matéria pode ser explicado ou apresentado por meio de definições. E, mesmo aqueles que as permitem, podem ser compreendidos de forma incompleta ou incorreta se definições insuficientes forem escolhidas.
Por isso, em minhas aulas e situações cotidianas, prefiro substituir definições por conceitos. Vejamos as diferenças.
Definição x conceito
Sem querer definir, apresento o que dicionários e pessoas, em geral, entendem por definição e conceito.
Definição remete, em sua essência, a delimitação. Por meio dela, temos a pretensão de conseguir apresentar algo de forma precisa por meio de palavras. Já conceito se relaciona mais com ideias e pensamentos sobre determinado tema.
O astuto leitor perceberá que o primeiro (definição) busca palavras que restrinjam os possíveis significados de algo, excluindo tudo que determinado assunto “não é”, enquanto o segundo (conceito) reconhece as possíveis mútiplas perspectivas e abordagens.
Mas será que essa diferença, de fato, tem importância? Ou este escriba, sofrendo com o avanço da idade, anda encasquetando com coisas pequenas? A seguir, mostro alguns indícios de sua relevância.
Implicações práticas
Infelizmente, o que se vê em grande parte da literatura, da academia e do ambiente empresarial, é um verdadeiro culto às definições.
Não acredita? Faça um teste: sorteie uma sala de aula em alguma universidade, de preferência no início do semestre, e entre de supetão. É muito provável que você pegue o professor falando algo como “o que é xxxxx” (substitua xxxxx por qualquer termo).
Ou escolha um livro (preferencialmente sobre administração e negócios) e procure, normalmente no primeiro capítulo, uma bela definição – entre aspas, negritada e centralizada na página.
Nas empresas, então, nem se fala. Algumas chegam ao cúmulo de definir o que consideram, por exemplo, “bom ambiente de trabalho” – para, em seguida, imputar alguma responsabilidade aos pobres gerentes.
Esse “fenômeno” não é atacante mas também traz alguns problemas de carona. Destaco alguns:
a. Foco no produto e esquecimento do processo. Com ansiedade excessiva em chegar ao destino, acabamos não desfrutando das belezas da viagem. Muitas vezes, a caminhada rumo ao conhecimento é mais proveitosa e enriquecedora que o próprio conhecimento. Na busca por definições, preocupamo-nos exclusivamente com os limites e ignoramos as nuances, variações e estados do domínio estudado.
b. Prejuízo à aprendizagem e inovação. Tente, por exemplo, criar uma definição adequada (ou seja, aderente à realidade) sobre como andar de bicicleta. Ou ainda sobre satisfação no trabalho, sobre dor, sobre produtividade.
Nem usando definições escritas por grandes especialistas, conseguiremos transmitir, por completo, uma ideia adequada do que essas coisas podem ser.
Assim, estaremos transmitindo o que é considerado produtividade, atualmente, por nós ou por nossa empresa. Isso restringirá, e muito, as possibilidades dessa pessoa manifestar produtividade, pois, para ela, produtividade se restringirá àquilo que ouviu.
c. Descolamento entre teoria e prática. Não é à toa que haja tantas críticas do meio empresarial à academia. A partir do momento que um livro é publicado e, pretensamente, divulga definições sobre determinados temas, é de se esperar que o leitor tente enquadrar a realidade que vive/conhece ao que leu. Se vê muita divergência, acaba vendo-o com descrédito.
Se, em vez de definições, o autor do livro apresentasse ideias sobre o tema (possibilidades, intenções, exemplos e relações), acredito que o leitor, ao menos, veria parte de seus próprios pensamentos – ou experiências – na literatura, promovendo um ciclo virtuoso de análise, comparação e evolução.
Alguns exemplos podem ilustrar melhor o que apresentei até agora. Como dizia o Chapolin Colorado, “sigam-me os bons”.
Alguns exemplos
Exercício 1: imagine-se pai de uma garota. Ela começa a sair com o primeiro namorado e você acha que é hora de bater um papo sobre sexo. Se você fosse iniciar a conversa com uma definição sobre sexo, qual seria?
– “Procedimentos”?
– Sentimentos envolvidos?
– Situações em que pode ser prazeroso, desagradável ou perigoso?
– Motivações, objetivos, possíveis consequências?
– Possibilidade – e quantidades – de pessoas envolvidas?
– Duração média?
– Sons emitidos?
Obs: definições erradas/incompletas sobre esse tema provocam, até hoje, gravidez precoce, desilusões, transmissão de doenças, atos violentos etc.
Exercício 2: seu filho recebu um elogio da professora, pois foi considerado muito inteligente na escola. Ele lhe pergunta: “papai, o que é inteligência?” O que você falaria?
– QI?
– Habilidade com números?
– Capacidade de resolver problemas?
– Habilidade musical?
– Simpatia?
– Criatividade?
– Carinho?
– Memória?
Obs: definições erradas/incompletas sobre esse tema fizeram com que, durante muito tempo, só aqueles com raciocínio lógico apurado e habilidade matemática fossem considerados inteligentes.
Exercício 3: seu chefe lhe mostra diversas propostas vindas de departamentos da empresa e pede para classificá-las em dois conjuntos: (i) estratégicas e (ii) não-estratégicas. Pede, inclusive, que introduza o resultado com um parágrafo sobre os critérios de distinção e sobre o que é estratégia.
O que você colocaria? (Não vale copiar o artigo de Porter ou a explicação do Capitão Nascimento)
– Oriunda de níveis hierárquicos mais elevados? Destinado a eles?
– Referente aos produtos, serviços e/ou clientes mais importantes?
– Relacionada ao futuro? À necessidade da empresa? A uma possível vantagem sobre os concorrentes?
– Exige recursos?
– Envolve maiores mudanças? Contempla incertezas?
– Depende de decisões? De projetos?
Obs: definições erradas/incompletas sobre este tema provocam prejuízos, tentativas infrutíferas de previsão do imprevisível, priorização incorreta de ações e alocação ruim de recursos.
E por aí vai. Para o artigo – que já está bem grande – não ter apenas críticas, trago algumas sugestões para o paciente leitor. Plim-plim.
Sugestões
1. Quando for abordar um tema, analise-o sob vários aspectos, perspectivas e contextos. Ao tentar apresentar conceitos sobre um tema corporativo, por exemplo, veja seus pontos fortes, suas críticas, suas aplicações, suas contradições, quem o descobriu, quem o divulgou/divulga, algumas experiências relacionadas, possíveis interfaces com outras áreas, como outras empresas abordam tal tema etc.
Não se limite ao tradicional “para o que serve”, “quem o criou” e “veio do latim/grego/etc”.
2. Incorpore a humildade científica em sua rotina. Quanto mais estudamos, mais percebemos o quão ignorante somos. Por isso, tenha consciência de suas limitações.
O fato de você ter trabalhado a vida inteira com determinado assunto não significa, necessariamente, domínio completo sobre todas as possibilidades, inter-relações e problemas não resolvidos. Mantenha a cabeça aberta e continue explorando.
3. Reconheça sua enorme potencialidade. Nosso cérebro é muito poderoso. Orgulhe-se disso e honre essa capacidade. Busque conexões entre conhecimentos, faça perguntas a si mesmo desafiadoras, desafie-se diariamente a buscar soluções a problemas complexos. Seu cérebro não tem músculo, mas deve ser exercitado e corresponderá se o for.
4. Admita que certos assuntos não permitem simplificação ou soluções fáceis. A tentativa de construir modelos (representações da realidade) é válida, porém não exaustiva. Há problemas para os quais não cabem simplificações ou reducionismos.
Renda-se, nesse caso, à busca por novas formas de solucionar tais problemas (sejam eles novos ou antigos). Saiba reconhecer quando estiver diante de algo que exige uma abordagem mais complexa, integrada e abrangente.
Questões para debate
Não vou escrever conclusão alguma pois o objetivo deste artigo é iniciar novos caminhos, não encerrá-los ou resumi-los. Portanto, desafio os inteligentes leitores a oferecer ideias sobre as seguintes questões:
1. Há assuntos que permitem definições? Se sim, quais? O que os diferencia dos assuntos que não permitem definições?
2. Se as definições não são bons meios de buscar ou apresentar explicações, por que ainda são tão utilizadas? Quem ganha com elas?
3. Na sua empresa, você se depara com muitas definições? Conte-nos algumas delas.
Indicações de leituras
Aos interessados, algumas sugestões:
1. Complexidade e avaliação: teoria e prática. Organizado por: Ivan Rocha Neto, Alfredo Iarozinski Neto e Cláudio Chauke Nehme. Editora: Universa.
2. Um toc na cuca. Escrito por Roger Von Oech. Editora: Editora de Cultura.
3. Brain Rules. Escrito por John Medina. Editora: Pear Press.
4. The matter myth: beyond chaos and complexity. Escrito por Paul Davies e John Gribbin. Editora: Penguin Books.
Ps: um agradecimento especial ao grande mestre prof. Ivan Rocha Neto, o qual, todas as quartas-feiras, brinda-me com aulas interessantes, agradáveis e recheadas de ensinamentos. Muitos dos exemplos aqui apresentados foram baseados em suas aulas. Até a próxima! [Webinsider]
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Pedro Bramont
Pedro Bramont (bramont@gmail.com) é assessor sênior do Banco do Brasil (fusões e aquisições), mantém o blog Movimento Browniano e faz mestrado em Gestão do Conhecimento e TI.
2 respostas
Pesquisando, para entender melhor a palavra (conceito), encontrei site através da .wikipedia.
Amei e fiquei agradecida!
Fiz com base nesse artigo:
Nunca se defina, se conceitue…
Você não é algo definido, fixo, delimitado e, sim, um ser mutável, o que possibilita múltiplas interpretações.
Se limitar nunca, vá além. Não se baseie em apenas um livro e nem considere sua opinião como uma verdade absoluta. Tudo é relativo, depende do contexto, não se restrinja ao seu mundo. Abra a cabeça! 😀