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O público atualmente vai ao cinema ou compra/aluga filmes em vídeo, ouve cinco ou mais canais e acha tudo isso muito natural. Historicamente, porém, a presença do som no cinema, quase tão velha quanto a película, não foi consenso entre produtores e cineastas, e passou por diversas fases de incerteza durante a sua existência.

O som é um daqueles elementos de montagem na realização de um filme que o espectador de cinema ocasional não percebe ou não dá a devida importância, mesmo sentindo que imagem e som são dois elementos indissociáveis na experiência cinematográfica.

A culpa disso talvez esteja na maneira como os filmes são feitos: cabe aos cineastas entenderem que o som não é apenas a gravação dos sons que compõem os filmes, mas parte integrante do contexto dos mesmos. O som não é somente o diálogo gravado, mas a composição, por vezes brilhante, da trilha sonora fabricada por um compositor que, além de sensível, sabe o que está fazendo.

Akira Kurosawa, mestre do cinema nipônico, ressaltou a beleza de imagens do cinema mudo, maior, segundo ele, do que as do cinema sonoro. Porém, teria também dito que “O som do cinema nunca é meramente um acompanhamento, nunca meramente o que o gravador capturou quando a cena é rodada. O som de verdade não apenas se adiciona à imagem, ele a multiplica” (sic).

Ambas as declarações são bastante felizes. E ambas se completam num incidente atribuído a Charles Spencer Chaplin, um dos pioneiros na linguagem moderna do cinema, que teria se negado a usar som em seus filmes por vários anos, após o mesmo ter se estabelecido no esquema de produção dos estúdios:

Por volta de 1930, o cinema falado (os “talkies”) já era realidade nos Estados Unidos. Durante vários anos, os estúdios relutaram em adotar o som nos filmes, embora os métodos de gravação por disco (Vitaphone) ou por banda ótica (Phonofilm) já estivessem em estágio adiantado e prontos para uso. Mas a Warner Brothers convenceu-se que a inovação traria mais público ao cinema, e assim se lançaram nesta empreitada, debaixo de grande risco financeiro.

O cinema falado não veio sem trazer consigo vários tipos de problemas, alguns até inusitados: muitos atores tinham voz inadequada ou sotaque caipira muito forte, inaceitáveis para o teatro, mas admissíveis para o cinema mudo. Na mídia gravada, isto se provou um total desastre. O fato é citado inclusive em um segmento de Cantando na Chuva, produção M-G-M, de 1952, que parodia o cinema falado.

Em Luzes da Cidade (1931), Chaplin empacou em uma cena em que a florista cega oferece flores a um suposto milionário, sem saber que ele era um na realidade um vagabundo.

A cena não tinha solução, até que Chaplin pensou em usar o barulho do bater da porta de um carro, para iludir a florista que um milionário acabara de chegar à calçada. A partir daí, mas ainda temeroso de que o som pudesse tirar a mística do seu personagem, Chaplin transformou o filme numa pantomima com trilha sonora escrita por ele mesmo.

Mesmo sem ter sido intencionalmente, Chaplin havia inserido o que depois foi chamado de “foley effects” (no Brasil, sonoplastia), que é o uso do som para a criação de efeitos sonoros variados, tipo barulho do andar, cavalgada, tempestades, etc.

A fama de Chaplin como um cineasta relutante ao uso do som ficou estigmatizada por décadas. Bem no início de Luzes da Cidade aparece uma cena da inauguração de uma estátua, com políticos e damas da sociedade, fazendo discursos sem uma palavra inteligível, na realidade um monte de guinchos e palavras inarticuladas, sem nenhum sentido:

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Alguns críticos atribuem esta inserção a uma suposta crítica do cineasta ao cinema falado. Mas, o espectador mais perspicaz logo se dá conta de que o que Chaplin queria mostrar ao público era o discurso vazio dos seus personagens. E o fez com grande dose de criatividade e competência.

O exemplo de “Jurassic Park”

No cinema mais recente, os efeitos sonoplásticos atingiram seu ápice com a trilha feita para o filme de Steven Spielberg, “Jurassic Park”. É importante lembrar que nos estúdios de cinema os desenhistas de áudio (“sound designer”) atingiram uma posição de status comparável ao do diretor e demais membros da equipe.

E foi neste filme que o projetista Gary Rydstrom e sua equipe criaram um som de grande qualidade técnica para o Tyrannosaurus Rex.

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O som do T. Rex contém uma mistura de sons graves e agudos. O efeito psicológico dos sons agudos já tinha sido testado no cinema. Quem assistiu Psicose, de Alfred Hitchcock, deve se lembrar da famosa cena do chuveiro, onde se houve o som de violinos misturado ao monte de facadas que a personagem recebeu. Neste caso, coube a Bernard Hermann compor, com o uso da orquestra, o som que assustou milhões de espectadores pelo mundo inteiro.

Para o T. Rex, os sons agudos estão engenhosamente misturados aos graves. O objetivo óbvio disso é “dar peso” ao som como um todo. Quem ouve música, por exemplo, tem a percepção das batidas do contrabaixo no corpo da música. Se o baixo for retirado, a composição como um todo perde o sentido e a expressão. Em música sinfônica, o som de instrumentos mais graves, como baixos e violoncelos, podem sugerir idéia de tristeza, preocupação ou depressão.

No filme de Spielberg, o som grave do grito do T. Rex impõe e de fato dá a dimensão do seu tamanho e peso na tela. Sons graves são repetidos, para o mesmo personagem, nas suas passadas pelo terreno ou representados no tremer da poça d’água, aumentando significativamente o suspense na platéia.

Esses sons são estudados, até que o resultado final seja aprovado. E não foi para demonstrar a capacidade do primeiro filme em DTS 5.1. Tanto assim que Rydstrom e seu time de sonoplastas ganharam um Oscar de melhor efeito e design sonoro, no ano seguinte.

A importância dos laboratórios Dolby

Ray Dolby começou a ganhar sua vida com um sistema de redução de ruído chamado de Dolby A.

Depois de terminar seu doutorado em Cambridge, na Inglaterra, Dolby viveu um período na India e depois voltou à Inglaterra, para fundar o Dolby Laboratories (Dolby Labs). Nele, o primeiro sistema de redução de ruído, chamado de Dolby A (A de analógico) foi inicialmente desenvolvido para a gravação de música exclusivamente.

Esse sistema é baseado no princípio dos companders (compander-expander, ou compressor-expansor): na compressão, a dinâmica (diferença em decibéis entre o som mais alto e o mais baixo) de uma dada freqüência é diminuída, quando ela atinge um certo limite; na expansão, ocorre o processo inverso, ou seja, a dinâmica é aumentada, quando os níveis caem até um determinado limite.

Nos sistemas de redução de ruído, como os da Dolby e equivalentes, os sons agudos sofrem um reforço no processo de gravação, mas não o suficiente para saturar a mídia magnética. Este reforço é chamado de pré-ênfase.

Na reprodução, ocorre a deênfase, que diminui a amplitude da resposta de freqüências na faixa de agudos na mesma proporção. Como a mídia magnética analógica produz um ruído de alta freqüência (10 kHz) constante, este ruído cai junto com a diminuição do volume de agudos imposto na reprodução.

O único problema neste processo apresenta é o rastreamento (“tracking”) das freqüências corretas pelo processador. Se ajustado de forma errada, o som reproduzido perde completamente a resposta de agudos, e a alta fidelidade sofre como um todo. Este, aliás, foi um dos grandes percalços que os usuários enfrentaram com aqueles gravadores cassete equipados com Dolby B, quando o som ficava abafado de forma incontrolável, a ponto de muita gente não querer saber de gravar nada com Dolby.

No âmbito profissional, entretanto, o Dolby A cumpriu esta função com total competência, mas no início foram poucos os estúdios de selos musicais que aderiram ao processo. No cinema, para variar, a situação mudou radicalmente de figura:

Durante a década de 1950, o cinema investiu pesado em cópias com várias faixas magnéticas (6 para o Cinerama e Todd-AO, e 4 para o CinemaScope), mas a longo prazo o luxo de fazer cinema com som multicanal começou a trazer alguns problemas de ordem financeira. O principal deles estava na área de exibição.

Para projetar corretamente um filme com som multicanal, o exibidor era obrigado a instalar um equipamento especializado. Além disso, o custo das cópias propriamente ditas se tornou proibitivo, ao longo do tempo.

Mais importante ainda foi o aspecto da manutenção deste sistema, exigindo constante atenção ao correto alinhamento e limpeza das cabeças de leitura, e implicando em despesas extras, pela necessidade de chamar alguém para prestar assistência técnica nos cinemas.

Por conta disso, a própria Fox Filmes, principal proponente do CinemaScope com som estereofônico, passou a distribuir cópias com som magnético e ótico e depois exclusivamente ótico. Como as cabeças magnéticas ficavam no topo do projetor, e podiam ser contornadas, quando o filme era carregado, era isso que se fazia, quando alguma coisa dava errado.

O resultado prático disso tudo foi que na década de 1970, principalmente, o som estereofônico multicanal começar a ser literalmente banido de muitos cinemas, e os estúdios mixando seus filmes em mono exclusivamente.

Foi neste ponto que a Dolby entrou na história. Ao contrário do som em banda magnética, a gravação e leitura de material de áudio em filmes com banda ótica era totalmente inadequada para a reprodução do som em alta fidelidade.

Na década de 1950, o lendário engenheiro de gravação Bob Fine havia tentado introduzir o som estéreo de três canais em banda ótica, no formato Perspecta. Mas este sistema era apenas o som mono, direcionado, com o uso de tons de controle, para três caixas acústicas atrás da tela. O Perspecta não atacou o problema principal da banda ótica: falta de habilidade ao reproduzir sons acima de 10 kHz, o que é a mesma coisa que dizer que ela é inútil para alta fidelidade sonora. Talvez por conta disso, o formato foi pouco usado e depois permanentemente abandonado.

O som estereofônico no cinema teria morrido ali, se não houvesse uma saída técnica para gravar múltiplos canais, sem os problemas da resposta de freqüência inadequada e o alto nível de ruído, na banda ótica.

A solução veio com o formato Dolby Motion Picture (Dolby MP© ou Dolby Stereo©), no qual a Dolby aplicou o sistema de redução de ruído Dolby A à banda ótica dos filmes. O grande mérito do método usado pela Dolby era o uso de apenas dois canais, de maneira a reproduzir quatro canais, como já previamente comentado nesta coluna.

A redução de ruído, aliada a uma melhor reprodução de sons agudos, tornou o Dolby Stereo o padrão adotado pela indústria de cinema, até o aparecimento das primeiras cópias digitais, mas é mantido assim até hoje, para servir de backup, quando a leitura digital é interrompida por qualquer motivo.

O ressurgimento do surround

A introdução do Dolby Stereo ressuscitou também um aspecto sui-generis da gravação de qualquer material auditivo: a ambiência! Ela se refere principalmente à atmosfera conseguida na captura de sons fora de fase, com o objetivo de simular o ambiente no qual o som foi gravado.

A ambiência pode ser recriada de forma artificial, seja através de métodos de reprodução (circuito Hafler, por exemplo), seja através do método de gravação. E neste caso, o Dolby Stereo possibilita que isso seja feito diretamente na codificação da gravação, com a posterior reprodução de som totalmente difuso no ambiente.

Este parâmetro de difusão é importante, para o reconhecimento da reprodução correta de um filme em Dolby Stereo dentro de casa: se as caixas surround permitirem que o som se apresente sem difusão, ou localizado em algum canto da sala, então é possível concluir que a instalação está errada!

A exceção para o raciocínio acima, dentro do ambiente doméstico, está no uso de decodificadores e processadores capazes de desviar o surround para algum canal traseiro, como acontece com os formatos Dolby ProLogic II e IIx, e equivalentes. Mas, nestes casos, a mixagem original, prevista para o filme exibido, é perdida, motivo pelo qual estes formatos têm sempre uma opção de desligamento pelo usuário!

A evolução do surround e as intenções dos cineastas

Hoje em dia, praticamente todos os codecs digitais contemplam a divisão do surround em múltiplos canais. Então, as mixagens se padronizaram para 5.1, e em alguns casos, até 6.1 ou 7.1, se for SDDS.

Mas porque tudo isso, se 4 canais já se mostraram suficientes?

O cinema sempre sonhou com a possibilidade do som direcional fora do campo sonoro frontal. Na parte referente ao palco frontal (tela), a distribuição de áudio convencional tem como referência a formação, neste mesmo palco, da orquestra sinfônica. O cinema subverte um pouco esta distribuição, para que a atenção do espectador não fique focalizada na música e sim na ação mostrada na tela. Mas, por outro lado, mantém a reprodução da trilha sonora musical na parte da frente, para dar uma sensação de ênfase ao que está sendo mostrado nas cenas.

A reprodução do som na parte traseira da sala de exibição iria seguir uma rotina semelhante à da década de 1970, onde o surround é usado para ambiência, se não fosse pela possibilidade de divisão do campo sonoro surround em direito e esquerdo. Esta simples divisão permite as seguintes subdivisões:

– surround esquerdo + surround direito, em fase: surround central (o “6.1”);

– surround esquerdo + surround direito, fora de fase: som disperso no ambiente;

– surround esquerdo + canal frontal esquerdo: surround lateral esquerdo;

– surround direito + canal frontal direito: surround lateral direito.

Nos sistemas 7.1, o resultado é semelhante, exceto que se criam mais dois campos:

– surround esquerdo + surround back esquerdo: surround centro-esquerda;

– surround direito + surround back direito: surround centro-direita.

A distinção entre 6.1 e 7.1 é sutil, porque a sensação de deslocamento para um lado ou para o outro nos canais traseiros é de percepção mais complexa do que a mesma percepção nos canais da frente. Por outro lado, e é bom que se enfatize, o som em 7.1 impede o que se chama de “efeito de headphone”, que é a sensação pelo ouvinte do som estar sendo reproduzido entre um ouvido e outro e não disperso no ambiente.

Panning

Na fase de mixagem de um filme, o engenheiro de gravação pode simular o deslocamento entre uma caixa acústica e outra, fazendo o som viajar no espaço. Esse deslocamento tanto pode ser lateral, quanto transversal. A técnica é chamada de panning, e ela é conseguida diminuindo-se o volume do som em um canal e aumentando-se o mesmo som, proporcionalmente, em outro canal. Para o ouvinte, isto provoca a sensação de que o som está viajando pelo espaço.

Na medida em que se aumenta o número de canais e caixas acústicas no ambiente, este efeito ganha um realismo cada vez maior. Ele pode ser tanto executado entre canais adjacentes e em seqüência, como pode saltar entre canais diferentes. Em tese, as possibilidades de mixagem só dependem da criatividade do “sound designer”.

O aumento do número de caixas usadas em qualquer instalação aumenta a percepção das reais intenções dos cineastas, dos efeitos sonoros enxertados no desenrolar do roteiro.

Infelizmente, uma parcela enorme das produções atuais em cinema redundou na reprodução constante de explosões e outros efeitos catastróficos, que pouco ou nada contribuem com a beleza da apresentação em si.

O ideal a ser atingido não é esse e sim envolver o espectador na estória que está sendo contada, ou ainda, quando for o caso, de realçar a ação com a música ou o efeito adequado.

Trilhas sonoras bem feitas são capazes de passar uma mensagem tão forte quanto àquela pretendida pelos cineastas, na exposição visual do roteiro.

Os grandes compositores do cinema, sem exceção, deixaram as platéias dos seus filmes com o gosto de “quero mais!”. Eu já vi muita gente sair da sala de exibição assobiando ou cantarolando o tema principal e muita gente colecionando trilhas de filmes, por conta da experiência da exibição. Temas de inúmeros filmes marcaram época, e ficaram para sempre registrados nas mentes e corações daqueles que o assistiram. Tal é o poder do som no cinema!

Inevitavelmente, ao se fazer uma retrospectiva sobre o registro do som em filmes, nós esbarramos em pessoas com grande poder de imaginação e criatividade. Um exemplo que, volta e meia, me vem na memória é o de Murray Spivack: ele começou a sua vida como baterista e depois professor deste instrumento, mas se envolveu com sons e gravações desde cedo. Já em 1933, criou os efeitos para King Kong, e posteriormente para uma série de outros tipos de monstros cinematográficos. Seu nome aparece nos créditos de vários filmes da Fox, na sua fase Todd-AO.

O áudio, tanto na gravação quanto na reprodução, é uma arte por si própria. Aliado à imagem, se transforma num poderoso meio de comunicação sensorial. Compositores, arranjadores e cineastas se valeram desta aliança, para criar alguns dos mais memoráveis momentos do cinema, e hoje, graças ao home theater, nós temos a chance de desfrutar de tudo isso outra vez! [Webinsider]

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Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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