“A importância da Greve da Arte não está em sua viabilidade, mas nas possibilidades que abre para a intensificação da guerra de classes.” Essa frase provocadora de Stewart Home é a chave para entender um dos conceitos mais interessantes do final do século passado em termos de transgressão e rompimento de barreiras: os Anos Sem Arte.
Concebido como uma espécie de greve geral da arte, esse período deveria durar de primeiro de janeiro de 1990 a primeiro de janeiro de 1993. Se você, leitor, nunca ouviu falar disso, não se espante, pois isso nunca chegou a acontecer. Como seu próprio mentor afirmou, o mais importante não era a greve em si, mas sua repercussão. Para conhecer mais detalhes desse estranhíssimo movimento, só mesmo lendo Manifestos Neoístas – Greve da Arte (Conrad Editora), um livro que traça todo o percurso das idéias de Stewart Home desde o começo da década de 1980 até o período da suposta Greve da Arte e suas repercussões.
Naturalmente, muita gente foi contra essa manifestação – tanto é que a greve jamais aconteceu de fato. Mas Stewart Home fez questão de mostrar no livro não só os manifestos feitos por ele como também as (muitas) críticas à Greve da Arte. Como a opinião de C. Carr, no jornal The Village Voice, em novembro de 1989: “Os Grevistas citam a afirmação de Jean Baudrillard: ‘A arte não mais contesta algo, se é que já o fez.’ Mas será que a recusa em produzir arte contesta algo? Antes fosse.”
Debater o conceito de arte
Stewart Home tinha uma resposta para isso. Na verdade, o objetivo não era necessariamente parar de se fazer a arte, mas, em suas próprias palavras, “estimular o debate crítico em torno do conceito de arte”. Neste mesmo texto, Acerca da Greve da Arte, que de certa forma abre o livro, Home diz que já imaginava que o número de pessoas que concordaria em participar de uma greve do gênero seria tão pequeno que dificilmente forçaria o fechamento de galerias ou instituições artísticas. Mas demonstraria “que a hierarquia socialmente imposta das artes pode ser agressivamente desafiada”.
E foi o que ele fez. Promoveu vigorosamente o conceito de Greve da Arte pela Europa e pelos Estados Unidos, principalmente através da mail art (arte postal). Em Londres, as panfletagens e manifestações foram encaradas com bom humor, mas nos Estados Unidos, nem tanto: atos de panfletagem e propaganda em Baltimore incomodaram tanto que resultaram na formação de um grupo anti–Greve da Arte.
A Greve, claro, não era para ter sido levada a sério. Ex-punk, Stewart Home desenvolveu no começo da década de 1980 um grande interesse pelas intervenções dadaístas, cujo objetivo era literalmente chutar o pau da barraca das belas artes e sacudir o marasmo das instituições oficiais. Se alguém ainda precisava de algum prova de que o negócio não passava de tiração de sarro, bastaria ler o Ultimato da Geração Positiva, publicado no começo de 1985, que, entre outras coisas hilárias e bizarras, exigia que Stewart Home fosse coroado rei da Inglaterra na Abadia de Westminster, marcando até o dia e a hora (15:30h de 26 de março de 1985)!
Manifestos Neoístas – Greve da Arte é uma coletânea de material selecionado entre as oito edições da extinta revista Smile, produzida e editada por Home e publicada no Brasil em parceria com o 8o. Cultura Inglesa Festival, dentro do projeto “Um espaço para a contracultura inglesa”, de Graziela Kunsch. Junto com Velot Wamba, Graziela realizou uma “entrevista didática” com Home para o livro, além de trazê-lo para o Brasil em junho.
A marca da irreverência neoísta de Stewart Home se propagou até mesmo dentro da Conrad, que, no melhor estilo provocador, fez publicar a tradução com o nome de Monty Cantsin. Cantsin, citado no livro por Home como sendo um conceito de “pop star aberto”, é um nome-fachada open source através do qual quem quiser pode se manifestar – à moda de Luther Blissett (que teve dois livros publicados pela Conrad). O bom trabalho de tradução é provavelmente obra de um coletivo de tradutores simpatizantes ao projeto.
Se você não tem muita certeza sobre o que pode ou não ser classificado como arte, cuidado: este livro não vai fazer o menor esforço para esclarecer as suas dúvidas. Mas se você gosta de provocações e muito humor, os Manifestos Neoístas são uma excelente pedida. [Webinsider]
Fábio Fernandes
Fábio Fernandes é jornalista, tradutor e escritor. Na PUC-SP, é responsável pelo grupo de pesquisa Observatório do Futuro, que estuda narrativas de ficção científica e a forma como elas interpretam e são interpretadas pelo campo do real.