O que pode ou não ser classificado como arte?

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

“A importância da Greve da Arte não está em sua viabilidade, mas nas possibilidades que abre para a intensificação da guerra de classes.” Essa frase provocadora de Stewart Home é a chave para entender um dos conceitos mais interessantes do final do século passado em termos de transgressão e rompimento de barreiras: os Anos Sem Arte.

Concebido como uma espécie de greve geral da arte, esse período deveria durar de primeiro de janeiro de 1990 a primeiro de janeiro de 1993. Se você, leitor, nunca ouviu falar disso, não se espante, pois isso nunca chegou a acontecer. Como seu próprio mentor afirmou, o mais importante não era a greve em si, mas sua repercussão. Para conhecer mais detalhes desse estranhíssimo movimento, só mesmo lendo Manifestos Neoístas – Greve da Arte (Conrad Editora), um livro que traça todo o percurso das idéias de Stewart Home desde o começo da década de 1980 até o período da suposta Greve da Arte e suas repercussões.

Naturalmente, muita gente foi contra essa manifestação – tanto é que a greve jamais aconteceu de fato. Mas Stewart Home fez questão de mostrar no livro não só os manifestos feitos por ele como também as (muitas) críticas à Greve da Arte. Como a opinião de C. Carr, no jornal The Village Voice, em novembro de 1989: “Os Grevistas citam a afirmação de Jean Baudrillard: ‘A arte não mais contesta algo, se é que já o fez.’ Mas será que a recusa em produzir arte contesta algo? Antes fosse.”

Debater o conceito de arte

Stewart Home tinha uma resposta para isso. Na verdade, o objetivo não era necessariamente parar de se fazer a arte, mas, em suas próprias palavras, “estimular o debate crítico em torno do conceito de arte”. Neste mesmo texto, Acerca da Greve da Arte, que de certa forma abre o livro, Home diz que já imaginava que o número de pessoas que concordaria em participar de uma greve do gênero seria tão pequeno que dificilmente forçaria o fechamento de galerias ou instituições artísticas. Mas demonstraria “que a hierarquia socialmente imposta das artes pode ser agressivamente desafiada”.

E foi o que ele fez. Promoveu vigorosamente o conceito de Greve da Arte pela Europa e pelos Estados Unidos, principalmente através da mail art (arte postal). Em Londres, as panfletagens e manifestações foram encaradas com bom humor, mas nos Estados Unidos, nem tanto: atos de panfletagem e propaganda em Baltimore incomodaram tanto que resultaram na formação de um grupo anti–Greve da Arte.

A Greve, claro, não era para ter sido levada a sério. Ex-punk, Stewart Home desenvolveu no começo da década de 1980 um grande interesse pelas intervenções dadaístas, cujo objetivo era literalmente chutar o pau da barraca das belas artes e sacudir o marasmo das instituições oficiais. Se alguém ainda precisava de algum prova de que o negócio não passava de tiração de sarro, bastaria ler o Ultimato da Geração Positiva, publicado no começo de 1985, que, entre outras coisas hilárias e bizarras, exigia que Stewart Home fosse coroado rei da Inglaterra na Abadia de Westminster, marcando até o dia e a hora (15:30h de 26 de março de 1985)!

Manifestos Neoístas – Greve da Arte é uma coletânea de material selecionado entre as oito edições da extinta revista Smile, produzida e editada por Home e publicada no Brasil em parceria com o 8o. Cultura Inglesa Festival, dentro do projeto “Um espaço para a contracultura inglesa”, de Graziela Kunsch. Junto com Velot Wamba, Graziela realizou uma “entrevista didática” com Home para o livro, além de trazê-lo para o Brasil em junho.

A marca da irreverência neoísta de Stewart Home se propagou até mesmo dentro da Conrad, que, no melhor estilo provocador, fez publicar a tradução com o nome de Monty Cantsin. Cantsin, citado no livro por Home como sendo um conceito de “pop star aberto”, é um nome-fachada open source através do qual quem quiser pode se manifestar – à moda de Luther Blissett (que teve dois livros publicados pela Conrad). O bom trabalho de tradução é provavelmente obra de um coletivo de tradutores simpatizantes ao projeto.

Se você não tem muita certeza sobre o que pode ou não ser classificado como arte, cuidado: este livro não vai fazer o menor esforço para esclarecer as suas dúvidas. Mas se você gosta de provocações e muito humor, os Manifestos Neoístas são uma excelente pedida. [Webinsider]

Fábio Fernandes é jornalista, tradutor e escritor. Na PUC-SP, é responsável pelo grupo de pesquisa Observatório do Futuro, que estuda narrativas de ficção científica e a forma como elas interpretam e são interpretadas pelo campo do real.

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Mais lidas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *