A Cauda Longa (The Long Tail) é um termo cunhado pelo jornalista Chris Anderson, que em artigo publicado em 2004 na revista Wired (da qual é editor) apresentou suas idéias sobre o futuro do comércio na era da internet.
O artigo acabou dando origem ao livro A Cauda Longa: do Mercado de Massa para o Mercado de Nicho, recém lançado no Brasil. No livro Anderson trata de um fenômeno que, apesar de bastante discutido no meio econômico, ainda possui ares de novidade para as demais áreas.
O que é exatamente esse fenômeno tão intimamente ligado à internet? Para compreendê-lo, inicialmente vamos fazer uma breve análise sobre o modelo tradicional do negócio varejista.
Princípio de Pareto
Desde a Revolução Industrial, o comércio voltado às massas baseia o seu negócio no Princípio de Pareto. Segundo esse princípio, 80% de tudo o que verificamos em nosso cotidiano é causado por apenas 20% do universo de causas possíveis. Esse princípio é de fundamental importância. Afinal, no momento em que identificamos quais são esses 20%, nós podemos focar nossas energias nas causas responsáveis pela maioria absoluta do fator que desejamos controlar. Daí porque ele é tão amplamente aplicado em áreas que vão desde o desenvolvimento de projetos até marketing e vendas.
No varejo especificamente, sua influência é notada tanto na inclinação que os lojistas apresentam de focarem sua atenção no universo de 20% dos clientes responsáveis por 80% das suas vendas, quanto na tendência a priorizarem a venda dos 20% dos itens responsáveis por esse mesmo faturamento. Mas quais são os motivos que justificam essa decisão (ou deveria dizer, essa exclusão) estratégica?
Bem, cá entre nós, desde que o mundo é mundo empresário nenhum jamais perdeu uma oportunidade de ganhar dinheiro. Se historicamente os varejistas solenemente ignoraram (ou ao menos vinham ignorando) uma parcela mais do que considerável dos produtos comercializáveis, isso se deve mero ao fato desses negócios não serem lucrativos.
O conjunto de consumidores interessados por esses itens era tão restrito que eles não geravam um volume de vendas que justificasse a sua oferta. É que a rotatividade desses produtos era insignificante a ponto de não permitir sequer cobrir os custos envolvidos com a operação. Consequentemente, eles não apenas acabavam gerando prejuízos, como também acabavam consumindo recursos (como espaço nas prateleiras, investimentos em publicidade, etc.) que poderiam ser mais bem empregados na venda de itens com maior vendagem: os tão famosos ?hits? comerciais.
E é justamente aí que entra a internet com sua cauda longa… A grande novidade é que ao expandir o universo de clientes atingidos pelas lojas, a web acabou por subverter totalmente a lógica tradicional do comércio varejista. Mas como exatamente ela conseguiu esse feito? Simplesmente ampliando drasticamente o raio de abrangência das lojas, a ponto de permiti-las atingir um público de dimensões literalmente mundiais, não importa o quão geograficamente pulverizado esse público fosse.
Como conseqüência, por menor que fosse a procura por qualquer produto, quase sempre ela acaba se tornando grande o bastante para se viabilizar economicamente. É que por mais reduzido que seja (em termos proporcionais) o contingente de interessados por um determinado item, essa fração acaba adquirindo dimensões tão expressivas (em termos absolutos) que frequentemente resulta em um universo de consumidores maior do que o atingido pelas lojas.
O exemplo da Amazon
Não acredita? Então vejam o exemplo da Amazon.com. Ao oferecer livros através da internet, ela criou um modelo de negócios que lhe permite extrair mais da metade da receita dessa operação com a venda de títulos que nem sequer são oferecidos pela Barnes & Noble, dos EUA, uma das maiores cadeias de livrarias do mundo. Isso mesmo, você leu certo, mais da metade do faturamento da Amazon vem de livros sem absolutamente qualquer apelo comercial!
A verdade, entretanto, é que o fenômeno da cauda longa não é resultado exclusivo da expansão da clientela. Afinal, de nada adiantaria se atingir público de dimensões gigantescas se isso não envolvesse a oferta de um produto por um preço que o consumidor pudesse pagar (e que evidentemente fosse lucrativo para o lojista). E aí entra o outro grande mérito da internet. Ao permitir que os produtos vendidos sejam armazenados e oferecidos digitalmente ela acabou reduzindo absurdamente os custos vinculados à operação de vendas.
Isso quando a internet não eliminou ou simplesmente transferiu parte significativa desses custos ao consumidor. Foi o que ocorreu com os gastos com a distribuição, que em boa parte passou a ser realizada pela própria web. Foi o que aconteceu também com os custos de produção a partir do momento em que a internet deixou a cargo do consumidor a opção entre, por exemplo, manter as músicas adquiridas no seu computador ou gravá-las em um CD quando assim preferir.
Percebam que, com essa revolução, a rede acabou reduzindo o preço pelo quais os produtos precisam ser vendidos para serem lucrativos. Isso acabou gerando um efeito retro-alimentador extremamente positivo já que no momento em que se reduzem os preços acaba-se ampliando o próprio rol de interessados no item oferecido, ou seja, a própria demanda. Nesse sentido, não é de se admirar que apesar de possuírem uma variedade de produtos dezenas de vezes superior à oferecida pelos seus competidores tradicionais, ainda assim absolutamente todos os itens oferecidos pelas lojas virtuais possuam saída efetiva. Dá pra imaginar o mesmo ocorrendo em alguma loja megastore?
Outro mérito da internet foi expandir quase que infinitamente o acesso dos lojistas aos recursos que historicamente restringiram a sua capacidade de atender demandas. Pare para pensar: quando um lojista decide comercializar algo, ele se depara com uma série de limitações de ordem física que reduzem a sua capacidade de vender. Diante da escassez de fatores como espaço físico, funcionários etc., o comerciante se via obrigado a escolher criteriosamente que itens ocupariam o seu balcão, assim como que clientes eles atenderia.
É justamente aí que novamente a internet disponibiliza às lojas virtuais uma série de vantagens competitivas inacessíveis para as lojas convencionais. Num mundo onde as lojas armazenam, expõem e entregam produtos digitalmente, não faz mais sentido se escolher que produtos oferecer quando se pode simplesmente oferecer uma variedade colossal de itens a um custo de armazenamento, oferta e distribuição ínfimo.
Vejam por exemplo o caso do Walmart. A maior rede de supermercados do mundo apenas consegue oferecer em suas unidades um universo de no máximo 25 000 faixas de músicas. Volume 60 vezes menor que a oferecida pela Rhapsody, um dos maiores serviços de música digital do mundo. Para poder oferecer essa mesma quantidade, o Walmart provavelmente seria obrigado a ocupar todas as prateleiras dos seus supermercados com CDs!
Desnecessário dizer que até hoje não se tenha notícia de alguma loja fora do mundo virtual com tamanha oferta…
Quando paramos para pensar quais os ramos do varejo que mais se beneficiam com fenômeno da cauda longa, percebe-se que são tanto aqueles que dependiam de sucessos comerciais para se viabilizarem comercialmente como aqueles que possuem uma logística de distribuição passível de barateada (ou realizada) via internet.
Como bem apontou Chris Anderson, a indústria musical, literária e cinematográfica são as candidatas naturais a esse posto. É que, pelas suas características, essas são justamente as indústrias que melhor conseguem se beneficiar das vantagens competitivas geradas pela web. Ora, no momento em que a internet permite o comércio dos ?antigos patinhos? feios a baixo custo, não é de se admirar que elas sejam as indústrias eleitas.
Impacto na indústria cultural
Apesar de tudo o que foi dito até aqui, talvez o mais interessante aspecto do fenômeno da cauda longa não seja exatamente as suas repercussões no campo econômico. Pelo contrário, provavelmente, ainda mais extraordinário seja o modo como ele fatalmente influenciará tanto a indústria cultural quanto o próprio modo como produziremos cultura.
Afinal, como também notou Chris se é bem verdade que os hits não vão desaparecer, é bem verdade também que provavelmente elas percam boa parte da importância cultural e econômica que eles adquiriram. A boa notícia é que, como resultado, a arte provavelmente acabará retornando às suas origens. À época em que os artistas tinham uma preocupação muito menos comercial e muito mais voltada às suas necessidades de expressão artística. Afinal, a arte também é um negócio e como tal, ela também depende de um público interessado para se viabilizar.
No momento em que a internet expande a demanda por produtos, a ponto de incluir itens sem apelo comercial, a tendência é que com o tempo a arte volte a adquirir um caráter mais autêntico e sincero. Mas isso já é papo para um outro artigo… [Webinsider]
Paulo Santos
<strong>Paulo Santos</strong> (psantos@rajacomunicacao.com.br) é mestre em administração de empresas, gerente de projetos da <strong><a href=?http://www.rajacomunicacao.com.br/" rel="externo">Raja Comunicação</a></strong> e professor da cadeira de contabilidade gerencial do <strong><a href="http://www.igroup.com.br/mba/index.php" rel="externo">MBA em planejamento, gestão e marketing digital</a></strong>.
9 respostas
Ótima reportagem. Li uma muito boa também na Brainstorm9. Acho essa nova revolução no comércio necessária. Está na hora, pelo menos na área social, de voltarmos a ter mais cultura de qualidade. O My Space é um bom exemplo disso. Lá podemos conhecer o trabalho de artistas que não possuem grande exposição na mídia, como Thaís Gulin. Abs!
Paulao, meu querido amigo!
Parabéns pelo artigo.
Um grande abraço,
Guilliod.
Oi Rodrigo:
Você não deve ter me entendido bem. Eu não tenho blog. Na verdade estava me referindo ao blog do Marcelo Sant Iago o leitor que postou o quarto comentário ao artigo.
Forte Abraço!
Paulo
Paulo, qual o endereço do seu blog?
Abraço, Rodrigo.
Marcelo:
Valeu pela contribuição! Convido os leitores a visitarem o seu Blog que vale pelo seu conteúdo. Na oportunidade, não deixem de dar uma olhada na resposta do autor da teoria da cauda longa às críticas apresentadas no Wall Street Journal.
O livro é bom e a teoria é ótima para explicar diversas coisas na web. Porém, na prática a situação não é bem assim: os produtos que mais vendem no iTunes ainda são os blockbusters. Um jornalista do Wall Street Journal escreveu um artigo rebatendo a teoria. Postei sobre isso aqui:
http://poucas-e-boas.blogspot.com/2006/07/long-tail-or-not.html
Parabéns pelo belo artigo.
Paulo, parabéns pelo texto. Já estava com vontade de ler este livro e agora fiquei mais curioso ainda. Muito interessante o seu raciocínio sobre a alteração na forma de se produzir arte. Tome como exemplo este próprio espaço, você produzindo textos na sua forma autêntica e sincera, sem grandes objetivos comerciais.
Paulo, concordo com você e um exemplo de patinho feio que depois do boom da internet teve vez foram os carros antigos. Para você ter uma idéia, um Dodge Charger que à dez anos valia cerca de R$3 mil, hoje é impossível comprar um, em bom estado, por menos de R$25 mil. Sites como o Mercado Livre fazem bem esse papel de vender produtos que não teriam a menor chance nas preteleiras, mas que devem ser a maior fonte de renda de muitos empresários que tem apenas computador, telefone e um quartinho como depósito.
Um abraço e parabéns pelo artigo.
pra mim o exemplo ideal é do texto do O´Reilly http://www.oreillynet.com/pub/a/oreilly/tim/news/2005/09/30/what-is-web-20.html
DoubleClick vs Overture e AdSense
Indústria cultural? Frankfurt para explicar web 2.0?