Não sei ao certo quando começou, mas recebo com certa freqüência e-mails que relembram alguns costumes e produtos da década de 1980, quase que taxando como velhos nós que assistimos Caverna do Dragão e achávamos o máximo os jogos do Atari.
A década de 1980 foi recheada de ícones culturais. Relembrar brinquedos como o Pirocópireto ou o Pogobol, guloseimas como as Balas Banda, o Diplink ou os Cigarrinhos de Chocolate, personagens como o Fofão e musicais como o Balão Mágico ou o Trem da Alegria tem sabor para quem viveu parte da infância ou juventude naquela década saudosa.
Relembrar estas coisas nos faz sorrir, mas também provoca uma reflexão a respeito da velocidade com que as coisas mudam. É incrível como certos produtos ou costumes que parecem soberanos, em pouco tempo desaparecem e caem em desuso. É como na velha máxima de Karl Marx: “tudo que é sólido desmancha no ar”.
Será que algum dia vamos começar a receber e-mails saudosistas sobre a década de 1990? Pode até ser que já existam por ai, mas ainda não vi.
Optei então por fazer eu mesmo uma relação das coisas que experimentei nos anos 90 e me espantei como muitas delas estavam ligadas à internet. Na época eu nem era um usuário muito assíduo – meu primeiro contato profissional com a web foi apenas em 1998, mas o fato é que, de lá pra cá, a web já mudou tanto, que muitas das coisas que naquela década faziam sentido e pareciam sólidas, hoje mal são lembradas ou no máximo nos fazem rir.
Nos anos 90 os vírus, apesar de comuns, ainda não assustavam tanto pela internet quanto o medo das invasões de hackers pelos chamados Back Orifices (BO) ou pelo NetBus. Para defesa contra estas ameaças, muita gente utilizava o saudoso XoBoBus, lembra? Este software era uma espécie antecessor dos firewalls e prometia espantar os invasores de PCs alheios. Dava até para rastrear os espertinhos pelo IP e saber de que lugar do mundo vinha a tentativa de invasão.
ICQ, iBest, Elefante… esqueceu?
Outra lembrança desta época é o famoso “toc-toc-toc”, som emitido quando alguém ficava online no comunicador instantâneo mais utilizado na época, o ICQ (acrônimo de I Seek You).
O ICQ foi sucumbido pelo sucesso do Messenger da Microsoft, mas na época era imbatível. Ele identificava os internautas por um número, chamado de UIN (Universal Internet Number). Até hoje lembro do meu número, apesar de não utilizar o ICQ há pelo menos cinco anos.
Aquela era a época da bolha da Internet, e é impossível falar da década de 90 sem lembrar de algumas das extravagâncias daquele tempo. A onda era a internet grátis. Graças às receitas geradas pelas trocas de tráfego, provedores e empresas de telefonia ofereciam acesso gratuito à internet por meio de conexões discadas.
Durante muito tempo você só pagava os pulsos da linha telefônica, sem qualquer custo com os provedores. Esta onda chegou a um ponto que algumas empresas abriram mão até mesmo da receita com os pulsos telefônicos. Eu usava o Super11, que não cobrava pela conexão e ainda oferecia um número 0800 para os seus usuários
Um site que fez muito sucesso nos primeiros anos da internet comercial foi o “Elefante”, que era um serviço online de agenda, em que a gente cadastrava nossos compromissos, aniversários de pessoas conhecidas, e recebíamos avisos via e-mail para nos lembrar de cada data especial.
Outro barato, que talvez não tenha sido tão popular mas que eu usava bastante era o “Sabe? Sabe?”. Há quase dez anos este site já era uma espécie de comunidade online, com muitas características do que chamamos hoje de web 2.0. Nele os usuários faziam perguntas sobre temas diversos, e outros usuários respondiam de acordo com sua área de conhecimento. As respostas valiam pontos, aumentavam a reputação no sistema e até valiam prêmios.
Foi também na década de 1990 que criei meu primeiro endereço de e-mail. Fiquei horas tentando achar algum nome que ainda não existia no Zipmail. Afinal, todos os meus amigos tinham e-mail @zipmail.com.br e eu também queria o meu. As contas tinham apenas 2 megabytes de espaço e tudo funcionava razoavelmente bem, até que o Zipmail resolveu aumentar este espaço para 4 megabytes, aumentando bastante o tráfego no servidor e causando uma série de instabilidades que terminaram por minar a confiança no serviço, que perdeu popularidade.
Ah, prá terminar, mais uma destas coisas digitais da década de 1990 que deixaram saudade: lembram do Prêmio iBest, chamado de ?Oscar da Internet Brasileira?? O prêmio foi criado em 1995 e por muito tempo foi muito badalado como a principal honraria da internet brasileira. Mas logo o iBest resolveu virar portal e aos poucos foi mudando de foco. A última edição do prêmio foi a de 2006.
A grande lição que fica para nós, usuários, é que as mudanças recentes acontecidas na web nos colocam sim no centro do processo, valorizam nossa participação e oferecem mecanismos para potencializar relacionamentos e interações sociais.
Contudo, quanto aos produtos, serviços e ferramentas que utilizamos para estes fins, a melhor postura talvez seja um certo desapego, para que não sejamos surpreendidos em caso de novas mudanças. [Webinsider]
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Sérgio Mari Jr
<strong>Sérgio Mari Jr</strong> (sergio@infonauta.com.br) é diretor de planejamento da <strong><a href="http://www.cedilha.com.br" rel="externo">Cedilha Comunicação e Design</a></strong> e professor do curso de Comunicação Social da Faculdade Pitágoras campus Londrina-PR.
6 respostas
Margareth, concordo com a necessidade de desapego, o problema é como atingir o desapego sem cair nas teias do niilismo?
O desapego é fundamental para que o ser humano encontre paz e serenidade para prosseguir na sua jornada. Não me admira as mudanças constantes pelas quais passamos em todos os sentidos, todos os dias das nossa vidas. No que diz respeito à tecnologia então nem se fala, é necessário ter um cérebro funcionando a mil pois bem uma tecnologia é lançada no mercado já tem outra mais avançada esperando na fila. Então só nos resta mesmo é ter muito, muito, muito desapego e bola prá frente que atras vem gente.
O meu UIN também tinha 8 dígitos: 43349241…
Excelente artigo, venho pensando muito nisso ultimamente.
Quando descrevo a Internet que conheci há 11 anos para os mais jovens me sinto mesmo uma espécie de ancião narrando como eram belas as pradarias por onde ele corria descalço ainda molhado pelo banho no rio…
Lembro que eu entrava no IRC da Netvalle e encontrava todas as noites as mesmas 18 pessoas lá. No chat do UOL você corria o risco de cantar a mesma menina várias vezes sem saber disso. O mundo era tão ingênuo que o chat permitia entrar com vários usuários ao mesmo tempo e colocar tags de HTML nas mensagens, o que permitiam várias ações maliciosas que quase nunca ocorriam.
O e-mail então, nem se fala, possuía status de comunicação especial, os poucos que chegavam eram lidos e respondidos.
Acho que mais do que empresas aparecendo e sumindo, o verdadeiro fenômeno é similar às outras evoluções da história. Perde-se a inocência.
Posso dizer hoje que no meu tempo, na Internet se amarrava o cão com a lingüiça.
Aliás, dei uma passadinha no site do ICQ e encontrei meu perfil, uma foto assustadora que deve ter uns 8 anos. Infelizmente ninguém vai me encontrar on-line 🙂
http://www.icq.com/people/about_me.php?uin=13792174
Nossa… meu UIN tem só 8 números!
Nós, profissionais de publicidade, marketing e internet temos sempre que estar ligados às novidades, novas tendências, etc. Claro que, para isso, precisamos ter desapego. E justamente por precisar estar sempre informado sobre as novidades da web que eu visito (aliás, visito não, meu feed é que me traz) as novidades do Webinsiders e de diversos outros blogs de conteúdo relacionado!
Muito boa matéria!
Sua Santidade o Dalai Lama prega que o desapego é a chave para não sofrer. A Internet nos obriga a desaprender coisas da noite para o dia e nos pede, o tempo inteiro, para adquirirmos novos conhecimentos. Isso nos exige estar com a mente aberta a todo momento, fazer revisão de conceitos e evitar preconceitos.
Atenção, amigos, atenção constante para identificar o que é onda passageira e o que é tissunami e nesses movimentos encontrar a sua chance de fazer algo inovador e de sucesso como o fizeram Larry Page e Sergei Brin.