Antes da ascensão da web colaborativa, a chamada mídia independente (rádios comunitárias ou rádios-pirata, jornais de baixa circulação e fanzines), apesar de vista com alguma cautela, não representava de fato uma ameaça aos interesses da grande mídia (rádios e emissoras de televisão, revistas e jornais, governos e corporações).
Hoje, quanto o custo para a publicação de conteúdo com alcance global pode ser bem pequeno, a mídia independente cresce através de veículos como listas de discussão, boletins por correio eletrônico, redes sociais, podcasts de áudio e vídeo, blogs, fotologs e sites de conteúdo. E mais: as informações podem ser mais impactantes e até contradizer o que é veiculado pela mídia tradicional.
Um sinal recente foi a campanha do jornal Estado de São Paulo. Apelando para o humor, o Estadão tentava se posicionar como fonte confiável em relação a blogueiros, caracterizados como “não confiáveis”.
Mas será que toda forma de mídia independente na internet é realmente independente? Será que os modelos de mídia independente na web não podem ser manipulados por interesses de terceiros?
Desde sempre pudemos verificar na grande mídia (principalmente em épocas de eleição) tentativas de induzir e influenciar (quando não alienar) ideologicamente a população, em função de interesses políticos ou financeiros (recomendo que assistam os filmes Muito além do Cidadão Kane e Quanto Vale ou é por Quilo?.
Basta pesquisar o número de políticos hoje diretamente concessionários de rádios e TVs para reforçar essa idéia. Desde sempre, a mídia tradicional procura fornecer uma enxurrada de informações, em grande volume e velocidade, para que a população possa apenas assimilar e aceitar as informações, sem analisá-las.
Claro que nem toda a mídia tradicional tem esse caráter (não podemos nunca generalizar), porém, salvo excessões. Iniciativas independentes opinativas que manifestam opiniões podiam ser facilmente desacreditas pela grande mídia, por não terem de fato grande veiculação nem espaço suficiente para réplicas.
Hoje é diferente. Temos uma enxurrada de informação publicada de forma independente (ou jornalismo cidadão, como alguns preferem chamar) e discutida (em listas de discussão, comunidades no Orkut ou comentários nos sites e blogs). Já temos hoje diversos portais de notícias feitos por pessoas comuns e que participam diretamente dos fatos, como o WikiNews e o CMI, o que gera uma informação independente, confiável, precisa, abrangente e relevante. Também não é difícil encontrar conhecidos portais na web que, aproveitando a onda, criaram sua própria área de “Leitor-Repórter”, o que não deixa de ser um aproveitamento comercial do material gerado por leitores.
A grande mídia tradicional, que sempre subjugou a capacidade da população em fazer algum julgamento racional e inteligente das informações veiculadas, hoje pode ser rebatida por um grande número de indivíduos que publicam informações com grande alcance e velocidade. E por mais que boa parte da população das periferias ainda não tenha acesso à web, acaba sendo atingida indiretamente por esse conteúdo, através de novos indivíduos formadores de opinião, que podem obter essas informações, interagir e discutir com essas pessoas.
Apesar da grande mídia, governos e corporações ainda usarem de táticas que procuram promover o medo, incerteza e a dúvida em relação à mídia independente (assim como acontece nas campanhas das empresas de software proprietário contra o software livre), o receptor final das informações veiculadas já não é mais passivo como em outras épocas e tem cada vez mais senso crítico e acesso a informações de qualidade.
Porém, há que se ter cuidado com certas informações lidas nas esferas independentes da web, como blogs e redes sociais, pois por serem meios onde a informação pode circular de forma anônima, fica fácil (e é feito) para empresas e políticos interagirem nos meios independentes. Nada garante, por exemplo, que indicações no Digg, comunidades no Orkut ou vídeos publicados no Youtube não sejam feitos por pessoas de forma independente, mas por governos e corporações se passando por indivíduos independentes, trabalhando para induzir a opinião pública de forma viral.
Algumas agências e empresas já anunciam ter pessoas especializadas em interagir dentro de redes sociais para campanhas publicitárias. Não sabemos quantos políticos, entidades e corporações em geral têm pessoas agindo dentro de redes sociais para disseminar campanhas ideológicas. Basta analisarmos a quantidade de comunidades e perfis no Orkut criados na última eleição para promover ou denegrir candidatos e partidos para se ter uma idéia do que quero dizer.
Com a democratização cada vez maior da web colaborativa, a mídia independente tende a crescer e a população deverá ter mais voz ativa, senso crítico e opinião própria. Porém, ainda temos que ser bem cautelosos e manter um senso crítico cada vez mais apurado contra as investidas daqueles que detém o poder e tentam de alguma forma “enquadrar” essa nova forma de liberdade de expressão.
Como diria o ex-Dead Kennedy Jello Biafra, “não odeie a mídia: seja a mídia!” [Webinsider]
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“Ser uma alternativa à mídia oficial e contribuir para que as pessoas possam ter senso crítico. A mídia tradicional tem o poder de aliciar corações e destruir mentes. O radical não se sente dono do tempo, nem dono dos homens, nem libertador dos oprimidos. Com eles se compromete, dentro do tempo, para com eles lutar.” (Paulo Freire)
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Uma resposta
Oi Eduardo! Parabéns pelo artigo! Agora… sigo com a dúvida: será que o jornalismo colaborativo está mesmo deixando a mídia tradicional preocupada?
Não sinto, aqui no Brasil, uma real relevância dada às notícias escritas por pessoas (não comuns, afinal, jornalistas não são seres incomuns) leigas em jornalismo.
Mas fiquei curiosa com a tua proposição… Vamos atrás disso? Acho difícil os grandes publishers admitirem-se preocupados diante do fenômeno do jornalismo colaborativo. Mas o que tu sentes, subjetivamente, em conversas aqui e ali?
Valeu! Um abraço!