Algumas coisas óbvias podem ser surpreendentes. Aliás, olhar e analisar o óbvio é um saudável exercício que todos deveriam praticar. Aconteceu comigo quando fui tentar resumir o que, hoje, é a internet.
Foi como estar num restaurante giratório. Você dá a primeira garfada no bife enquanto observa a vista. E quando está encurralando a última ervilha na borda do prato, olha de novo para a janela envidraçada e se surpreende por tudo estar diferente. Você sabe que está no mesmo restaurante, na mesma cidade, com o mesmo bife com ervilhas, sabe que o restaurante está girando e ainda assim se surpreende ao notar, de repente, que o panorama mudou completamente.
Quando a internet ganhou as páginas dos jornais, na segunda metade dos anos 90 (e quando a maioria de nós formou sua visão do que é esse treco), a palavra-chave para ela era ACESSO. É só lembrar. Uns 9 em 10 comentários mencionavam o fato de você ?poder ver os quadros do Louvre sem sair de casa?. Ou a ver Biblioteca do Congresso Americano. Ou acessar as livrarias e lojas do mundo todo. Ou tentar acompanhar uma rádio da Bósnia pelo RealPlayer, com aquela sua conexão horrorosa e picotada.
A internet abriu as portas para um novo mundo. E como era esse mundo? Bem dizia toda e qualquer menção a ela na Rede Globo: ?internet ? vírgula ? a rede mundial de computadores ? vírgula?. Era você, humano, entrando num emaranhado de máquinas. Tron. Matrix. Neuromancer.
Éramos forasteiros. Voyeurs de dados.
O que a gente fazia na rede? Surfava. Navegava. Pulava de site em site. A internet, estar online, era, em si, a atividade. Meio e fim.
E nos fascinamos em acompanhar cada passo, cada software, cada inovação, cada viral. Tão atento que somos em buscar o hoje, o agora, o daqui a pouco, nos surpreendemos ao olhar pela vidraça e perceber que, de forma tão contínua que nem notamos, o panorama mudou completamente.
A cada dia, avalanches de novos brasileiros entram na internet. Entram em lan-houses. Ou em seus computadores Positivo comprados em 24 vezes nas Casas Bahia. Brasileiros jovens. Brasileiros velhos.
Brasileiros que nunca ouviram falar do Cadê?. Nunca acessaram o Yahoo!. Nem sabem do JB Online, o primeiro jornal brasileiro na internet. Desconhecem IRC, Napster, guerra dos browsers.
A internet deles é outra. Completamente diferente.
Eles têm o Orkut como ponto de partida. Como seu sistema operacional. É no Orkut que interagem com fotos, com vídeos, com amigos. O MSN é seu e-mail. E para eles, internet não tem nada a ver com acesso. Internet, para eles, é RELACIONAMENTO.
Essa geração (não só etária, mas sobretudo econômica) nunca conheceu uma web solitária, da navegação noturna, surf virtual madrugadas a dentro. As redes sociais não são a mais nova e quente novidade. A web para eles é necessariamente uma atividade social. É inerente. Faz parte. Pão e manteiga. A característica gregária de novo povo, então, torna isso ainda mais forte.
Para eles, a internet não tem a menor cara de ?rede mundial de computadores?. É uma rede de pessoas. Amigos, dos amigos, dos amigos. Comunidades das comunidades.
Quando eles ?surfam?, é praticamente uma pesca com rede de arrasto. Recentemente, o guru Jacob Nielsen alertou: ?os usuários estão ficando mais egoístas e impacientes?. Claro. Nunca tiveram modem de 2.400. Não se fascinam com hiperlinks, sites que se ligam… entram no Google, digitam o que querem, entram no site (pela porta dos fundos), resolvem sua vida, caem fora e vão socializar. A internet já não é fim, é meio.
A gente vem falando isso há alguns anos, mas é como um petista no poder. De repente aquele discurso todo vira realidade, ali do lado de fora da janela giratória. Visões e sonhos realizados são sempre assustadores, porque a gente precisa rapidinho achar algo novo pra sonhar.
Entender, embarcar e respeitar essa nova dinâmica social da rede, portanto, está longe de ser a ?nova moda dos publicitários?. E, mais importante, não está ligada a tecnologia nenhuma. Second Life, Orkut, Open Social… não importa. A gente finalmente não está mais falando de computadores.
Já não somos forasteiros na matrix. O mundo é o nosso. Mundo real. Com baleia morrendo, aquecimento global, dengue, PT, Bush e créu. Esse mundo que é uma grande rede mundial de pessoas, onde elas propagam idéias em velocidade estonteante. É nele que estamos inseridos. É ele que vemos do lado de fora da janela. É ele que vemos quando ligamos nossos computadores, celulares, videogames e nabaztags nessa coisa chamada internet. [Webinsider]
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Roberto Cassano
Roberto Cassano (rcassano no Twitter) é blogueiro e diretor de estratégia da Agência Frog.
16 respostas
Excelente artigo, parabéns! A mudança é a única constante… 🙂
Roberto, gostei muito. Fico aqui pensando…a tecnologia só se torna transparente (quer dizer, só é tomada como meio e não como fim)quando ela atinge ótima performance, certo? Antes disso ela é um fim em si mesma, e por um bom tempo não permite que se vislumbre suas condições de possibilidade. Isso só vem com seu aprimoramento. Quanto maior, mais transparente, mais invisível ela se torna. Só então é que se faz a mágica!
Belo!
Òtima matéria e excelentes comentários, mas cuidado com a nostalgia ou comparativos : A Internet deles é outra…
O aumento da velocidade de transformação é inevitavel é inexorável, cabe a nós nos adaptarmos ou sentarmos num canto e ficarmos reclamando !!
Apertem os cintos, o show apenas começou. As mudanças ocorrem numa progressão exponencial a nossa capacidade de assimilação ou de utilização.
Voce pode manter o controle deste volume de informações, selecione melhor o que voce quer receber, filtre, analise. Quantidade não quer dizer qualidade.
Não podemos perder nossos referenciais, mas não podemos deixar de nos adaptar, de aprender novos conceitos, novas tecnologias.
Trabalhar em Informática no inicio era penoso, eramos até tachados como malucos, hoje a TI está presente em cada aparelho.
Só pra constar, sou um profissional Jurassico, comecei a trabalhar em Processamento de Dados num poderoso Polimax 201DP, disquete de 8, HD 2Gb (panela, alguém lembra ?), 128 Kb de Ram e na escola o que rodava era o Galileu(Sperry)na UNB, com cartões perfurados que quando saiam da ordem tinhamos vontade de morrer…..
Cuidado com o Recordar é viver, curtam as transformações e esse admiravel mundo novo, lembrem-se do passado (pero no mucho)
Hoje é muito mais gostoso !!!!!!!
Se achavam o Cade? ruim quem se lembra do jarbas? videotexto a 1200/75 no meu modem USrobotics no Tk3000 //e, bons tempos. Onde baixava um software via rádio atraves da rádio da USP, acho q era da escola do futuro, e antes, so funcionava mensagem de internet pela FidoNet (mandava uma mensagem e demorava mais que carta), mas era muito bom.
Acho que relacionamento hoje nao é o que tive antigamente, hoje vemos que orkut virou competicao, quem tem amis amigos, quem tem mais fotos ou fotos de viagens se gabando de onde estão ou estiveram, e toda a parte podre do orkut e essas redes sociais.
Viva o google que abriu as portas para a CPI nessa questão.
Conforme o Luiz Matos havia falado, colegas do trabalho também tiveram esse momento nostalgia a uma semana atrás durante um expediente no sábado, e um dos itens relembrados foi o ICQ..eles começaram a lançar a campanha Volta ICQ em seus msns. Onde no status do msn fica ocupado, e no nickname entra a seguinte frase OnLine no ICQ..rs
Confesso que usei durante muito pouco tempo o ICQ, e mudei porque todos os meus colegas haviam migrado para o MSN Messenger.. é tudo questão de tendência, como citado pelo autor.
Difícil fazer esse exercício de obviedades nem tão óbvias aos olhos de muita gente ainda…
Seguido tento fazer isso na sala de aula onde, sempre, corro o risco de parecer óbvia ou incompreensível.
Fato é que não existe um conhecimento standardizado sobre cultura digital. Eu mesma aprendo muito todos os dias.
Qual, afinal, deve ser o parâmetro?
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Parabéns pelo artigo, Cassano! Abraço
Ótimo texto!
Nostalgia ao lembrar das noites frias de inverno no sul madrugada a dentro navegando batendo papo no IRC ou deixar as músicas baixando durante a noite e comemorar velocidade de 2kb por segundo!
Lembranças a parte, também acredito que a internet se tornou relacionamento, mas a pergunta é, relacionamento com quem?
Todos se cadastram em diversos grupos, redes sociais, recebem feeds, mensagens e diversos tipos de alerta quando algo acontece, é como estar constatemente em alerta.
Não sei gosto de toda essa velocidade, gosto muito da praticidade e facilidade, mas gosto de ter tempo pra digerir algo após o almoço longe do PC ou de não me sentir culpado por não ter checado meus emails hoje…
E sinceramente não me interessa que todos saibam exatamente o que estou fazendo, o quando, onde ou com quem se tornam apenas mais lixo, excesso de informação na rede. Como falou nosso colega Robson Chagas excesso de informação serve a desinformação.
Pootz, que nostalgia!
Não, não com petista no poder não, somo mais do que a situação, é muito diferente, não temos o poder de nada, mas os publicitários sofrem com geeks e nerds, a publicidade está sofrendo, é bom ver o imperiozinho se curvando a cada dia. Claro, mas esses malditos juntamente com velhos raposas do poder vão achar como barrar toda essa informações para o povão, já acharam? Sim cada vez mais com ferramentas que não acrescentam realmente nada, orkut é lixo para produção de novas idéia, as comunidades que realmente funcionam são poucas, as comunidades toscas dominam e ninguém desenvolve elas ao extremo, excesso de informação serve a desinformação, afinal de contas a internet é uma grande anarquia, sobrevive quem sabe onde está o bife que você estava comendo..
Eu vislumbro um tempo tenebroso ou não..
abrax
Falando nisso.. sugiro uma navegada no site http://www.archive.org/index.php
Nele é possível informar uma URL e ver como era o site a anos atrás. Deem uma olhada no Cadê em dezembro de 1996.
http://web.archive.org/web/19961225005433/http://cade.com.br/
E o WebInsider em 2003?
http://web.archive.org/web/20030726030840/http://webinsider.uol.com.br/
Sensacional!
P.S.: Faltou citar na matéria o ICQ. Até hoje lembro o comando para o alert (uma buzina tipo de trem). CTRL + G 😀
Gostei!
Também sinto isso.. mas na verdade, vejo que é saudosismo e frustração ao pensar: por que não existia isso?!
Eu já usei conexão de internet com modem de 14.4 kbps. Naquela época, era o máximo! Hoje, depois de 10 anos como usuário, às vezes me pego fazendo a seguinte questão: como é que eu fazia isso sem internet?!. 😀
FZero, mas era o que havia. E quando havia, era bem utilizado.
Interessante ter lido este artigo, pois outro dia mesmo conversava com uma amiga sobre isso tudo. Aconteceu de eu ter entrado, finalmente, no Twitter, aceitando o convite e a insistência de alguns amigos, e aconteceu de eu perceber que não havia nenhuma novidade naquilo. É uma espécie de IRC piorado, com o hype do orkut piorado. Hoje em dia parece que tudo é mais do mesmo, e após algumas deliberações e altas doses de brainstorming, chegamos à conclusão de que hoje em dia a maioria dos serviços disponíveis são pura moda. É só esperar um pouco, que logo logo outra coisa aparece, e o holofote muda de direção.
Muito interessante esta materia, parabéns!!!
Meu primeiro provedor de acesso era da Abril, e eu pagava uma cacetada pra ter 10 horas de acesso por mês no meu potente modem de 56k… se bem q comparando com o meu Speedy atual, até que não era ruim… mas desde que inventaram os chats a internet virou relacionamento
Muito bom o artigo Cassano.
Só de lembrar que já fiquei 40 minutos para visualizar uma capa de uma revista australiana e que todos os dias as músicas que eu queria chegavam pelo audio galaxy, me dá uma nostalgia tremenda.
Viva o ICQ!
Acho que nunca ter conhecido o Cadê? é vantagem. Ele sempre foi o search engine mais frustrante de todos os tempos.