O mundo ainda está em choque pelos desastres no Chile e no Haiti. Consumidores ainda se perguntam o que houve com a Toyota. Nestes momentos difíceis, técnicas específicas de gestão e comunicação devem ser aplicadas.
Comecemos com as quatro etapas pelas quais qualquer crise passa.
- Descoberta – a primeira reação;
- Divulgação – falar o quê?;
- Medidas reativas – o quê fazer e quando fazer;
- Estabilização – volta à normalidade.
Descoberta – a primeira reação
Imagine-se diretor de marketing de um laboratório farmacêutico que acaba de lançar a revolucionária pomada analgésica Bramont. Produto nas lojas, merchandising no BBB, propaganda com algum som irritante e bolinhas coloridas simulando a cura de sua dor, enfim, tudo anda bem.
De repente, você recebe uma ligação de uma pessoa que perdeu o dedão do pé depois de ter usado sua pomada. Será um caso isolado? Contamos ao mercado? Tentamos abafar?
A primeira e principal dica é: aja de forma transparente e não tente esconder o problema.
Adotando essa postura proativa, você terá a chance de se antecipar a boatos, suposições e aproveitadores de plantão. Poderá “pautar” a imprensa, influenciar (quem sabe?) o teor das matérias a respeito e terá a chance de preparar seus canais de comunicação (centrais de teleatendimento, equipe de relações públicas, canais alternativos) para fazer ecoar a mensagem desejada.
Se, no exemplo da pomada, sua empresa se fingir de morta, é grande o risco de a informação vazar e se disseminar com o apoio das mídias sociais e da internet. Aí, depois de a história espalhar pelo mundo, será tarde e caro demais: anúncios, informes publicitários e comunicados públicos.
Assim que descobrir alguma crise ou alguma potencial crise, aja rapidamente, antecipe a divulgação e paute a imprensa com a mensagem que você deseja transmitir.
Divulgação – falar o quê?
No terremoto recente no Chile, a Marinha chilena recebeu um alerta norte-americano sobre potenciais ondas enormes e não o transmitiu com a oficialidade e cuidado que o caso requeria.
Resultado? Quase uma centena de mortos por conta da demora no atendimento às vítimas que estavam em cidades costeiras e ilhas.
Para ser didático, vou dividir as comunicações em:
a) Internas (público: dentro da organização)
b) Externas (para a população, clientes etc)
Já deve ter sido montada uma “sala de guerra” (também chamada de gabinete de crise, QG etc.), na qual devem estar à disposição meios de comunicação (televisão, telefone, internet e fax) e reunidas pessoas-chave que tomarão as decisões necessárias. Mantê-las no mesmo espaço reduz a demora na retransmissão de informações e agiliza o processo decisório.
2.1 – COMUNICAÇÃO INTERNA
As comunicações internas devem ser rápidas, simples, precisas e oficiais. A experiência que tive com comunicados dessa natureza mostrou-me:
a) Criar um “boletim” é indispensável, que terá duas categorias: ordinário (envio freqüente e sistematizado) e extraordinário (quando algo anormal acontecer);
b) Cada boletim deve ser numerado e escrito em uma 1 página (atitude que evita erros em transmissão de fax ou quebra de textos);
c) A comunicação deve ser dividida em blocos:
a. Fatos/problemas que ocorreram;
b. O que já foi feito e resultados;
c. Projeções;
d. Possíveis causas;
e. Sugestão de próximos passos;
f. Data/hora da coleta de dados;
g. Responsável pela informação.
Os itens d e e, por necessitarem de mais tempo para análise e prognóstico, podem ser enviados posteriormente, se sua elaboração for atrasar a divulgação da mensagem.
2.1.1 – Fatos/problemas ocorridos
Devem ser comunicados em ordem cronológica, sem referências externas ou equações. Quem ler deve conseguir repassar o recado de forma instantânea, sem a necessidade de interpretá-lo ou elaborar cálculos.
Veja um exemplo inadequado de mensagem e, depois, um mais interessante:
Exemplo inadequado: Às 8 horas do dia 06/03/2010, ocorreu um terremoto (mais forte que o no Haiti) nas cidades costeiras de Salas. Estima-se que 50% da população está desabrigada e que 10% morreu.
Exemplo adequado: Hoje, sábado, às 8 horas (4 horas atrás), ocorreu um terremoto de 9,1 pontos na escala Ritcher (escala que vai de 2 a 10) nas cidades de Cochabamba, Burritos, Cabrón e Velasquéz, localizadas no estado de Salas. Estimam-se 25 mil desabrigados e 5 mil mortos.
Falar do dia em número (“06/03/2010”) obrigará o leitor do comunicado a olhar o calendário, além de facilitar eventual erro na digitação.
Mencionar apenas a hora absoluta (“8 horas”) não dá a noção de obsolescência da mensagem. Não explicitar as cidades atingidas (“cidades costeiras de Salas”) também obriga o leitor a procurar algum mapa e, mesmo assim, poderá causar dúvidas de interpretação.
Por fim, mencionar percentuais pode levar a interpretações diferentes, pois emissor e receptor da mensagem podem pesquisar o mesmo dado (população total) em bases de dados diferentes.
2.1.2 – Ações adotadas e resultados obtidos
As ações adotadas devem vir desprovidas de adjetivos e priorizar os aspectos técnicos (quem fez, quem autorizou, quando fez, resultados concretos obtidos, objetivo, quanto tempo vai durar etc.) das ações.
Exemplo adequado: Foram enviados hoje, sábado, às 9 horas (3 horas atrás), 01 mil soldados e 01 mil bombeiros para as cidades citadas acima, conforme autorização do Ministério da Defesa. Os soldados terão a função de conter eventuais atos de violência e ajudar bombeiros na remoção de escombros. Estão equipados com fuzis com balas de borracha. Os bombeiros terão a função de resgatar pessoas. Estão equipados com material próprio para remoção, escalada e itens para primeiros socorros e imobilização. A chegada dos soldados e bombeiros está prevista para 14 horas de hoje, sábado (daqui a 1 hora). Assim que chegarem ao local, será enviada uma nova mensagem.
2.1.3 – Projeções
As projeções devem ser acompanhadas da fonte e, em alguns casos, de uma explicação resumida do método utilizado para que o decisor possa responder caso indagado.
Uma vez citada uma projeção, ela deve ser mencionada até não ser mais necessária, indicando se houve mudança ou não na estimativa.
Os dados mais importantes (no exemplo, número de mortos, desabrigados, reabrigados, previsão de novos terremotos e cidades atingidas) devem ser inseridos num quadro à parte, o qual será atualizado constantemente.
Exemplo adequado: Não há previsão de novos terremotos (fonte: Ministério do Meio Ambiente, 12h15, 1 hora atrás). Há previsão de chuva leve, que prejudicará um pouco o resgate mas não deve provocar novas mortes (fonte: Ministério da Defesa, 12h15, 1 hora atrás). Mantêm-se as estimativas de mortos – 5 mil – mas elevaram-se as estimativas de desabrigados – de 25 para 30 mil (fonte: Ministério da Defesa, mediante estudo de outros terremotos e pela analise da densidade populacional das cidades atingidas).
Os demais itens (possíveis causas, sugestão de próximos passos, data/hora da mensagem e responsável pela informação) são de elaboração intuitiva e dispensarei comentários mais detalhados.
2.2 – COMUNICAÇÃO EXTERNA
A comunicação externa deve ficar centralizada em uma única pessoa, que participará do gabinete de crise, deve ser treinada em relacionamento com a imprensa e, de preferência, ter a imagem identificada com a organização/pessoa que estiver passando pelo momento de crise. Dessa forma, evitam-se contradições e consolida-se a coerência na mensagem, no tom e na abordagem.
Em entrevistas, o porta-voz da empresa deve priorizar frases curtas, que facilitem compreensão e repetição pela imprensa. Se não houver novidades e a pressão por novas informações aumentar, o porta-voz pode se valer de uma técnica: repetir cronologicamente o que aconteceu, falar o que está sendo feito e falar estatísticas atualizadas.
A comunicação deve ser sempre sóbria e tranquila. Deve-se ter muito cuidado para não gerar trocadilhos infelizes – exemplo: num terremoto, dizer que “a situação está agitada” e com entrevistas “em off”.
Dependendo da abrangência da crise, os canais de comunicação devem ser adaptados para facilitar o acesso à informação e contato com afetados e parentes dos afetados.
Linhas exclusivas de telefone gratuitas devem ser ativadas, com scripts simples e diretos.
À medida em que novas perguntas forem chegando, pode-se montar um FAQ (perguntas mais frequentes) e disponibilizá-lo no site da organização. Mensagens internas não devem ser divulgadas externamente: o estilo racional e direto desses comunicados pode, aos olhos de terceiros, parecer descaso ou falta de compaixão.
Por motivos óbvios, deve ser cancelado qualquer evento social, promocional ou publicitário que envolva a organização ou seus representantes.
No próximo artigo, falarei sobre as primeiras ações de gestão e estabilização de uma crise, ou seja, as medidas reativas (3) e a estabilização (4). [Webinsider]
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Pedro Bramont
Pedro Bramont (bramont@gmail.com) é assessor sênior do Banco do Brasil (fusões e aquisições), mantém o blog Movimento Browniano e faz mestrado em Gestão do Conhecimento e TI.
10 respostas
Muito bom! Como tudo o que você escreve!
Texto muito esclarecedor e muito bem conduzido!! Obrigado pelas informações!!
tenho que fazer um trabalho sobre gerenciamento de crise sera que pode me auxiliar em alguma coisa ou como apenas começar obrigado…
Parabéns pelo Webinsider. Sou leitor assíuduo. Deixo meu comentário aqui para compartilhar minha reflexão sobre o caso da Nestle, já que ele foi citado num dos comentários. Abcs. Mauro.
http://www.aquintaonda.blogspot.com
http://aquintaonda.blogspot.com/2010/03/caso-nestlegreenpeace-o-que-nestle.html
Olá, gostaria de saber como faço para ter acesso ao manual de crise de alguma empresa???
Obrigadaaa!
Muito interessante
Tiaguera:
obrigado pela gentileza!
Paulo:
Obrigado pela gentileza e pelos links. Gostei, especialmente, do segundo artigo: “Seven Reasons Your Company Needs To Prepare For Crises”.
Empresas multinacionais, como a Nestlé, de vez em quando enfrentam alguma crise. É até compreensível, pois possuem muitas filiais, fábricas, escritórios espalhados pelo mundo. É difícil controlar (o seu artigo diz que é impossível) a qualidade de todas as pontas.
Leia “O livro negro das marcas”, de Klaus Werner e Hans Weiss. Ele mostra alguns problemas que grandes empresas como Adidas, Nike, Nestlé etc enfrentaram no mundo. Lá há um caso da Nestlé na África relacionado ao Leite Ninho.
Boa, Pedro.
Muitas pessoas e empresas precisam destas elucidações para se conscientizar da importância de gerenciar crises.
Acompanho há 1 semana o caso da Nestle no Facebook e aproveito aqui para deixar alguns links de referência:
http://socialmediatoday.com/SMC/182858?utm_source=smt_newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=newsletter
http://www.socialmediatoday.com/SMC/183637?utm_source=smt_newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=newsletter
Abraços,
Paulo Fava
Muito bom Pedro…
gosto dos seus textos, ajuda muito.
Obrigado.