Desaparece João Donato, um dos maiores músicos brasileiros, deixando uma obra vultuosa e versátil. Um legado na forma de gravações de sua vasta contribuição aqui e lá fora, onde ele foi referência como músico e compositor.
Segunda-feira, dia 17/07/2023, como de hábito, eu ligo o computador de manhã e logo a seguir me deparo com a notícia de que João Donato havia falecido naquela madrugada. E, subitamente, me invadiu uma tristeza no peito, mesmo sabendo que, em idade avançada, todo mundo está sujeito às inevitáveis quedas de defesa plasmática, e com João Donato parece que a natureza seguiu o seu curso, uma perda, em qualquer aspecto, lamentável, embora impossível de evitar.
O leitor por favor me perdoe, mas eu acho nojento, toda vez que um músico e compositor deste quilate morre, ver os políticos oportunistas, com aquela demagogia populista, correndo para a mídia para lamentar o ocorrido. Depois, eles inventam de colocar o nome do artista em algum logradouro, ou até em aeroporto, como fizeram com Tom Jobim, este ignorado por anos a fio pelo grande público brasileiro.
João Donato, pelo que eu soube, esteve ativo até não poder mais. Suas complicações de saúde o impediram de seguir adiante. Tudo isso é admirável, que mostra uma pessoa resistindo ao máximo não capitular de fazer o que mais gosta, neste caso, tocar em público ou perto dos amigos.
A morte de João Donato me lembrou imediatamente quando o crítico e scholar de Jazz e Bossa Bova José Domingos Raffaelli me avisou por e-mail que o selo Dubas Música estava reeditando gravações importantes da Bossa Nova. Foi também Raffaelli que descreveu com detalhes o surgimento do movimento bossanovista no fã clube Sinatra-Farney, local onde Donato tocara acordeom.
A Dubas Música relançou o icônico disco “Muito à Vontade”, gravado na Companhia Brasileira de Discos (Philips/Polydor), pela dupla Sylvio Rabello e Célio Martins, por volta de 1963. Também desta época, foi gravado “A Bossa Muito Moderna de João Donato e Seu Trio”, com músicas de outros compositores.
João Donato viveu cercado de grandes músicos, aqui e lá fora, com altíssima reputação como pianista e compositor. Em 2006, foi gravada uma apresentação no extinto Mistura Fina, com o saxofonista Bud Shank, e depois lançada em DVD pelo selo Biscoito Fino:
Esta edição ainda se acha à venda por aí, em estojo com luva:
O vídeo do show não é lá dessas coisas, mas o som é satisfatório. Ele foi compartilhado (pirateado?) no YouTube, caso alguém queira ver:
Um outro vídeo compartilhado, provavelmente gravado no exterior, mostra Donato ao piano com Tom ao vilão:
Segundo testemunhas, João Donato viveu cercado de gente jovem, e se isso aconteceu, é muito positivo, como positiva também foi a sua abertura para o universo musical, facilmente constatável em diversas das suas gravações.
Com a sua morte, encerra-se mais um capítulo do melhor momento da música popular brasileira. Mesmo inevitável, a sua ausência deixará lacunas que jamais serão preenchidas. [Webinsider]
. . .
Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
2 respostas
Pois é Paulo… E com a partida de João Donato se encerra uma era de ouro da Bossa Nova da já combalida M.P.B. Existe uma verdadeira obra de composição dele que foi interpretada pela Zizi Possi com a música A Paz; que diante do retrado atual de guerras e violência pelo mundo, ainda mantém a sua letra tão atual. Que ele agora componha mais obras primas no plano superior.
Rogério, eu sei que sou suspeito para falar, porque a Bossa Nova foi parte integrante da minha adolescência, mas o fato é que é impossível deixar de reconhecer o talento do João Donato, mesmo que não se goste do que ele compôs ou toque. Por isso, para mim é uma morte lamentável, embora inevitável, e tenho certeza de que músicos de outros países irão lamentar também!