José Domingos Raffaelli

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Faleceu recentemente o jornalista e crítico musical José Domingos Raffaelli, que dedicou a sua vida para estudar, escrever e divulgar tudo sobre o jazz e a bossa nova. A sua obra, entretanto, está aí merecendo ser preservada e lida por estudantes e fãs de música.

Eu tinha cerca de uns treze anos de idade, quando comecei a ouvir um disco de jazz atrás do outro, e sem ter nenhuma noção histórica daquele gênero de música. Mas, em alguns discos aparecia a contracapa assinada pelo jornalista e crítico musical José Domingos Raffaelli, e foi com ele que eu comecei a conhecer melhor a música com a qual me envolvera.

Tempos depois, eu li o livro “A História do Jazz”, escrito por Barry Ulanov, que me permitiu avançar um pouco mais. Mas, os textos de Raffaelli nas contracapas dos discos eram mais simples, objetivos e didáticos. Foram eles que me deram a base que eu precisei para entender e conhecer os diversos momentos da música jazzística, e posteriormente, a presença do jazz na bossa nova.

Um salto quântico no tempo, e eu me encontro na Internet, lá pelo meio da década de 1990, diante de um endereço de e-mail para contato com ele, o que fiz imediatamente. E depois de me identificar como professor da UFRJ, e declarar ao mesmo, sem demagogia, ser ele “o herói das minhas contracapas de disco”, recebo uma resposta amável, ficando um convite implícito para troca de novas mensagens. E foi o que aconteceu: durante algum tempo, nós nos comunicávamos toda semana, chegando ao ponto dele me avisar quando saía de férias da redação.

Quisera eu ter tido a precaução de salvar aqueles e-mails, o que imprudentemente não fiz, quando saí da universidade. O domínio do endereço pertencia ao servidor do Hospital Universitário da UFRJ, e não teria problema algum de continuar com a conta de lá ainda aberta. Porém, eu comuniquei a eles a minha saída e todos os e-mails foram automaticamente apagados, ou seja, lá se foi a memória do Raffaelli, e fotos e mensagens de outras pessoas, que para mim eram importantes.

Da lembrança desta época, restaram vários comentários sobre o Clube Sinatra Farney, da Rua Moura Brito, onde a bossa nova começou de fato, dicas importantes sobre uma parcela de relançamentos que estavam acontecendo, como, por exemplo, a reedição de “O Som”, do músico J. T. Meirelles, disco que marcou uma fase importante da fusão da bossa nova com o jazz.

E as nossas conversas eletrônicas ficaram mais interessantes ainda quando eu mencionei que, quando menino, ficava indignado com a postura do também jornalista José Ramos Tinhorão, ferrenho opositor da bossa nova e pessoa que odiava o jazz. Tinhorão acusara os compositores bossa novistas de estar contaminando a música brasileira com a linguagem jazzística, uma influência que, segundo ele, teria deturpado o samba além das medidas. Tinhorão chamava a bossa nova de “música daqueles garotos de classe média da zona sul”, como se fosse demérito estar morando e compondo por lá. Ignorou propositalmente o formato da bossa nova como uma evolução do samba tradicional, e condenou a fusão da linguagem com outros gêneros de música.

E aconteceu que, por coincidência, o nosso bravo Raffaelli teve em Tinhorão uma espécie de arqui-inimigo dentro da redação do jornal. Disse-me ele uma vez ter sido salvo por Paulo Henrique Amorim, em uma daquelas reuniões de pauta, quando ele mandou o Tinhorão calar a boca!

Houve também um outro grande momento em que eu mencionei conhecer uma pessoa com uma das maiores alegadas coleções de discos de jazz no Rio de Janeiro, cerca de treze mil Lps, e foi neste momento que descobrimos ter um amigo em comum.

Apesar disso, nós nunca passamos das trocas de e-mail, e lamentavelmente o nosso amigo em comum também já não está mais conosco faz anos, agora. Com o tempo, os e-mails foram ficando escassos, até pararem por completo.

Dias atrás, eu tomei conhecimento do seu falecimento, publicado em um jornal no qual ele militou naquela época do nosso contato. Fiquei triste ao saber que Raffaelli vinha lutando contra um câncer. Soube agora também que seu filho Flavio fizera um apelo para leitores e fãs ajudarem com as custas dos remédios para seu tratamento. Sem plano de saúde, Raffaelli conseguiu uma cirurgia no INCA, mas o tratamento pós-cirúrgico era caro demais. Ao fim de um ano, ele se rendeu a esta luta inglória, falecendo com 77 anos de idade.

 Uma perda sem reparo

Não é só o conhecimento que faz de uma pessoa uma figura competente na sua profissão. É principalmente a paixão pelo que se faz, pelo seu envolvimento progressista no apoio a terceiros, e pelo desejo de divulgar desinteressada e didaticamente o assunto que se estuda.

Pois José Domingos Raffaelli fez tudo isso e muito mais: ele foi membro fundador do lendário Clube de Jazz e Bossa, durante a década de 1960. Ele mesmo comenta a importância do clube e a sua inserção no momento musical carioca e brasileiro desta época.

Raffaelli lutou contra a mediocridade da criação da música exclusivamente comercial, aquele tipo de música encomendada para certas plateias, de rápido consumo e esquecimento. Diferentemente do modismo musical do momento, a música de qualidade permanece e sofre evoluções, arrebata correntes de fãs que a entende, e em última análise dá abertura à criatividade de seus participantes.

Para mim, o falecimento de José Domingos Raffaelli representa uma lacuna que tão cedo não será preenchida. E eu espero que os seus textos sejam preservados por quem de direito, para que estudantes e fãs de música possam aprender e se beneficiar dos mesmos. [Webinsider]

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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5 respostas

  1. Caro Flavio,

    O agradecimento é todo meu, por tudo o que o teu pai me deu de exemplo, pelo amor com a música que enriqueceu o nosso espírito e que foi fonte de inspiração sobre a observação que existe de belo nesta vida.

    Quando eu perdi o meu pai, eu fiquei muito abalado. Por isso, desejo Força para você. Tenho certeza de que ele ficará no teu espírito com o orgulho do que ele representou e merece.

  2. Lembro de um programa veiculado através da extinta Radio Jornal do Brasil – transmitido em AM Estéreo – segundo a chamada da emissora. Ouvia em um velho rádio à válvulas, à noite, os comentários de Raffaelli evidentemente sobre Jazz, no qual desfilavam todas as correntes do genero. Era década de 80. Boas lembranças. Esteja em paz, amigo Raffaelli!

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