Os músicos, compositores e bandas de rock progressivo sempre experimentaram som multicanal, desde a época dos discos quadrafônicos. E vão continuar assim nas novas versões em disco.
Eu acho até engraçado quando alguém que ganha notoriedade na mídia por algum motivo é chamado de “rock star”. Com o surgimento e repercussão marcante do rock progressivo na década de 1970, muitas bandas encenaram shows de música com todo tipo de recurso visual, justificando o apelido.
Mas, eu acho até hoje, que foi a experimentação com sons obtidos nos diversos sintetizadores da época que aumentou a base de fãs da música e/ou da reprodução dos discos de rock progressivo dentro de casa.
Atualmente é muito fácil constatar que a maioria dos grupos de rock recorreram à novas mixagens, desde a época do som quadrafônico, cujas matrizes ainda são reeditadas por aí. As opções de hoje em disco vão desde o quadrafônico até o Dolby Atmos!
Na década de 1970, o sucesso do som quadrafônico foi pífio, por uma série de razões, e não só àquelas referentes à má qualidade da limitação da reprodução. Quem se acostumou a tocar elepês de 2 canais, praticamente ignorou o quadrafônico, que exigia decodificador, amplificação e caixas acústicas específicas.
Depois do advento do Dolby Digital e da instalação do home theater de múltiplos canais, a volta do som quadrafônico se tornou viável, principalmente na forma de CDs 5.1/6.1 com codificação DTS.
A vantagem óbvia deste tipo de mídia é de que qualquer reprodutor de mesa para CD (com saída coaxial ou ótica) e DVD pode tocar discos com DTS, bastando para isso a reprodução por um decodificador. A própria DTS se aproveitou disso e fez propaganda junto aos estúdios e consumidores sobre o uso do codec para a reprodução de música. Abaixo de pode ser a imagem de um desses discos de demonstração:
Depois disso, mídias mais avançadas se tornaram disponíveis para o som multicanal de alta resolução, como o DVD-Audio, o SACD, e agora o Blu-Ray. O DVD-Audio ainda é masterizado com compressão sem perda com o codec MLP, podendo usar até discos de dupla camada, permitindo assim ampla liberdade de masterização do material gravado.
O que muda, na realidade, em termos de percepção do material gravado?
Para o rock progressivo, muda tudo! Não é à toa que várias das antigas gravações, inclusive as de som quadrafônico, tenham sido remixadas e relançadas.
Reparem que, desde o seu início, grupos de rock progressivo vinham experimentando expandir a reprodução do áudio, criando técnicas de mixagem nos estúdios, as quais, inicialmente, esbarraram na indisponibilidade de mídias digitais de distribuição e reprodução.
A reação inicial de fãs das gravações em elepê chegou a ser surpreendente. Quando em 2003, Mike Oldfield lançou o seu principal disco “Tubular Bells”, em DVD-Audio 5.1 com versões em PCM, DTS e Dolby Digital, muitos fãs do disco original reclamaram. Um dos motivos foi o excesso de liberdade na mixagem, que faz o som girar ou mudar de lugar, dando nova e inusitada dimensão da gravação convencional estereofônica de 2 canais, a qual, em comparação, soa achatada e unidimensional.
Aqueles que reclamaram muito provavelmente nunca se deram conta de que músicos progressistas insistiram em achar novos sons e/ou novas maneiras de apresentar suas músicas. Mike Oldfield lançou a mixagem quadrafônica original em SACD, e não parou por aí. A sua mais recente remixagem é a do disco DVD-Audio de 2009.
O que muda em todas essas remixagens é a maneira como o som é reproduzido. Embora o CD seja capaz de uma reprodução requintada, as suas especificações impedem que o som em LPCM não seja estereofônico de 2 canais ou mono. Além disso, com o DVD-Audio, e depois com o SACD, o LPCM usado em discos mais elaborados é o de mais alta resolução, passando para até 24 bits, e chegando até 96 kHz de amostragem, no som multicanal e 192 kHz em estéreo convencional.
Faz diferença
Desta forma, é muito fácil perceber a diferença. Os graves são soberbos, com extenso uso do subwoofer, e os sons trafegam pela sala, como se os autores estivessem propondo a audição de um novo arranjo. Em algumas dessas novas remasterizações existem de fato mudanças de arranjo, como no disco do Mike Oldfield acima citado. Então, o ouvinte atento irá perceber que o artista está, na realidade, recompondo ou reescrevendo algo que, na época do seu lançamento, nunca foi alvo de uma revisão mais cuidadosa.
E antes que algum incauto condene tal revisionismo, é preciso entender que todo escritor, artista, diretor de cinema, etc., nem sempre fica totalmente satisfeito com a obra original, e se tiver chance de revisá-la, o fará sem qualquer sentimento de remorso.
O SACD 5.1 da icônica gravação do grupo Pink Floyd “The Dark Side of The Moon” é brutalmente diferente do disco da década de 1970. O SACD excede em dinâmica, clareza de timbres, e a distribuição no espaço dos instrumentos e vozes envolve o ouvinte, dando sentido ao que foi chamado de “surround music”.
No passado, as gravações de rock progressivo passaram por todas as limitações do número de canais, saindo dos 4 canais, até atingir 16 canais, em meados da década de 1970. Mesmo assim, álbuns antigos com essas limitações têm sido alvo de novas mixagens, prometendo uma “expansão” do material original. Mesmo que este objetivo não seja completamente atingido, é inegável que a reprodução do som será sempre mais nova e mais abrangente.
É também possível perceber que junto com o aumento de resolução, alguns defeitos possam ser encontrados. O melhor exemplo que eu tenho disso é o da gravação The Six Wives of Henry VIII, de 1973, lançada em elepê quadrafônico. Na versão em DVD-Audio aparece um ruído de fundo de baixa frequência, perfeitamente audível quando as faixas terminam. O ruído desaparece quando o disco troca de faixa.
O colecionador
Para o público colecionador de discos, as novas edições podem muito bem ser atraentes, porém elas vão exigir mais investimento financeiro e interesse de mudança. O disco continua ser a mídia de consumo daqueles que querem conseguir uma reprodução multicanal sem restrições de dinâmica. Até onde eu sei, nenhum serviço de streaming é capaz de oferecer isso aos assinantes, talvez o possam no futuro, mas exigirá diminuição significativa da compressão de sinal, problema este que não existe nas mídias digitais em disco, nem no CD.
É possível se fazer download de multicanal em alta resolução, transportar o conteúdo para um drive USB ou reprodutor de mídia, e usá-lo em um sistema adequado. Mas, convenhamos, a conveniência da coleção favorece muito mais os discos, que podem ser armazenados e organizados na tradicional discoteca.
A coleção da mídia em disco é, e sempre foi, democrática: o seu aspecto mais básico é poder construir uma discoteca e depois ouvir a música favorita quando for preciso. Compra discos quem quer, colecionar não é hábito compulsório se alguém gosta de música, ainda mais agora que os serviços de streaming estão por aí, facilitando tudo.
De qualquer maneira, os objetivos dos grupos de rock progressivo já foram atingidos. Eu aposto que se aparecer alguma mídia que traga mais atrativos eles continuarão a não desperdiçar seus esforços para usa-las. [Webinsider]
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rock progressivo
Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.