As gravações do Quarteto de Dave Brubeck e os erros de masterização

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Dave Brubeck e o seu quarteto mudaram a forma de ouvir o Jazz e um dos principais motivos está no disco Time Out, lançado em 1959.

Dave Brubeck e o seu quarteto mudaram a forma de ouvir o Jazz e um dos principais motivos está no disco Time Out, lançado em 1959. O seu relançamento mais recente levantou polêmica em torno do assunto remasterização e fitas originais das sessões de gravação.

 

Quando o celebrado pianista de Jazz Dave Brubeck apareceu em cena com o seu hoje lendário quarteto nos discos da Columbia e fez sucesso com ele, muitos críticos não gostaram nem um pouco. A Columbia lançou, em 1959, o disco Time Out, que teve a ousadia de mudar o compasso tradicional das composições de Jazz para outros completamente diferentes, daí o título do disco.

Em uma das faixas, por exemplo, o título “Take 5”, composto por Paul Desmond, se refere à mudança do tradicional 4/4 para 5/4, e assim por diante. Experimentar novos compassos em qualquer gênero de música é um ato criador por excelência, e o grupo de Dave Brubeck havia conseguido isso de forma brilhante.

 

O repúdio dos críticos deixou de ser novidade para mim ainda na adolescência. Eu ouvi afirmações do tipo “isso não é Jazz”, ou “falta-lhe o espírito da música do Jazz” e um monte de outras sandices preconceituosas, das quais Brubeck e seu quarteto não se livraram.

O meu vizinho que trabalhava na Companhia Industrial de Discos (CID), sabendo que eu estava me inicializando em tudo quanto é tipo de Jazz, passou lá em casa com o Time Out, que acabara de ser tirado da prensa naquele mesmo dia e veio sem capa, e me diz para ouvir.

Eu, é claro, fiquei fascinado, até porque nunca tinha ouvido nada igual. Durante anos, o meu fascínio pelo som do saxofone de Paul Desmond me deixou perplexo com a qualidade do que eu ouvia. E eu bem que gostaria de tocar igual a ele…

Até então, aquelas gravações da Columbia do quarteto eram, digamos assim, revolucionárias. Na época em que eu estudava em um curso preparatório para o vestibular, um colega de turma, músico nas horas vagas, faz questão de levar na minha casa um monte de elepê do Brubeck que ele havia importado. Foi aí que eu descobri o resto da discografia, dentro do mesmo espírito. A série foi classificada depois como “Time Signature”.

As remasterizações desta obra e as suas controvérsias que vazaram no tempo

Até idos de 1990 eu não conseguia achar nenhum CD daquela magnífica obra que eu havia ouvido antes. Na ânsia de ter alguma coisa em mãos, eu importei discos elepês usados vendidos no Ebay e os remasterizei com todo cuidado. Consegui o que foi possível, mas não todos aqueles discos.

Contudo, anos depois, a Columbia lançou uma caixa com o nome de “For All Time”, com os principais discos daquele momento da década de 1960, alguns dos quais eu já os tinha remasterizado. Foram 5 discos, por sorte minha, que me lembraram a época em que o meu colega de curso esteve lá em casa.

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Time Out, o principal disco daquele momento singular, e que mostrou a todo mundo que o Jazz é muito mais amplo do que a gente imagina, teve uma versão em SACD de camada simples e anos depois uma segunda versão, híbrida, da Analogue Productions.

Claro que eu pensei em importar um dos dois, mas depois desisti, porque os debates de audiófilos em torno das comparações dos discos, me deixou na dúvida.

Mais recentemente, eu tive acesso a uma versão multicanal do disco, e fiquei surpreso, não só pela remixagem em si, mas principalmente pela adição de efeitos de reverberação que nunca existiram na gravação original.

Na época em que Time Out foi gravado na Columbia, a captura estereofônica era feita em 3 canais, no caso com Joe Morello (bateria) na esquerda, Paul Desmond (sax alto) e Eugene Wright (baixo) no meio e Dave Brubeck no canal da direita, com alguma ambiência entre os canais. Assim, a mixagem para o elepê estereofônico segue a mesmíssima orientação, e é o que se ouve no CD também.

Nunca existiu reverberação exagerada no nível do som do sax de Paul Desmond, como se ouve na gravação multicanal a que eu tive acesso, muito menos que ele é ouvido distante do resto do quarteto, isto é fato, o que significa que é bastante provável que uma cópia da fita de 3 canais possa ter sido usada para aquele tipo de efeito sonoplástico, totalmente artificial.

Além disso, os debatedores on-line discutem arduamente entre o som do SACD de camada simples da Sony/CBS e o da Analogue Productions. Neste último, o som do contrabaixo, segundo eles, está com menos amplitude do que o disco da Sony, evidenciando alteração do conteúdo.

Engraçado é que a Analogue Productions tem desenvolvido um trabalho espetacular em SACD, mas no relançamento de Getz/Gilberto em SACD eles levaram uma saraivada de críticas, entre elas a do vocal de Astrud Gilberto, que foi parar no canal errado.

Eu concordo com a crítica neste aspecto, porque, por coincidência eu tenho o SACD da Verve e, de fato, Astrud está no canal oposto. Ou seja, quem faz crítica é porque conhece a gravação original.

A falta de informações

Um dos aspectos desse debate on-line que chama a atenção é o do desconhecimento, pelos debatedores, de como os discos SACD são feitos. Nos dois SACD da Columbia e da Analogue Productions, as informações sobre a masterização são escassas, daí a discussão nos fóruns.

Na minha opinião, fitas de 3 canais originalmente usadas na década de 1960 podem, e a meu ver, devem, ser transcritas literalmente para o DSD. Eu falo isso com convicção, depois de ter experimentado gravações sofisticadas dessa época em SACD multicanal.

Mas, aparentemente, não foi o que fizeram com Time Out. Em vez de transferir direto a master de 3 canais, quem remasterizou preferiu jogar para o surround partes dos canais esquerdo e direito, na expectativa de aumentar a ambiência. Esta técnica tem vezes que até funciona, no sentido de “alargar” o som da frente, mas neste caso não serviu para nada.

Existem aspectos polêmicos nos trabalhos de remasterização, daí a controvérsia acalorada existente nos fóruns da Internet. Quem conhece a núsica gravada geralmente reclama que o som foi adulterado. E quase todo mundo sabe que existem várias maneiras de fazer isso, em ambiente analógico ou digital.

As gravações analógicas antigas com 3 canais foram muitas vezes experimentais. Em alguns casos, como, por exemplo, o da RCA com o Living Stereo, o canal central foi usado para os discos mono.

Fitas originais

O fato é que as fitas originais das sessões de gravação eram normalmente arquivadas, depois das cópias de distribuição serem feitas. Essas cópias são, inicialmente, de primeira geração, porque se sabia, desde o início, que as cópias perdem um pouco em alta frequência após sucessivas cópias.

Além disso, uma fita de 3 canais teria que obrigatoriamente, ser mixada em 2 canais ou mono, para que, na fabricação do elepê, o acetato fosse cortado e se tornasse a matriz da prensagem.

Com tudo isso em vista, seria o caso de se perguntar se o rótulo de “a partir das fitas originais” faz sentido na edição de um elepê, CD ou SACD. Ainda mais se o som “original” não for o mesmo, e isso é fácil de comprovar por aqueles que conhecem os “originais” dos discos antigos. Mas, não que esses últimos sejam originais de fato, porque estes são imediatamente arquivados!

Quem lança uma reedição para colecionadores ou audiófilos, deveria ser obrigado a dizer como ela foi feita, e isso nem sempre acontece, daí as polêmicas crepitarem nos fóruns.

No que me concerne, eu sempre espero o máximo de respeito com a gravação original. Se quem lança tem acesso às cópias de distribuição ou a uma cópia de primeira geração da master de 3 canais, isso já é um passo nesta direção.

Aqui no Brasil, eu presenciei um caso insólito décadas atrás: a Audio Fidelity tinha uma presença aqui, e depois do fechamento, representantes, para os quais as matrizes serviram de ponto de partida para o relançamento de alguns elepês.

Em um dado momento, essas mesmas matrizes foram masterizadas para o lançamento de CDs, aliás, ridiculamente baratos. Nem na América esses discos tinham reaparecido em CD. Mas, quando isso aconteceu por lá, percebia-se nitidamente que os CDs brasileiros soavam quase idênticos aos antigos elepês, indicando que as matrizes eram possivelmente as mesmas. Mas, nos CDs de fora, o som era outro, e idem para todas as remasterizações posteriores, incluindo aquelas em download.

Pode parecer estranho, mas não é. As cópias de distribuição que chegaram ao Brasil tinham exatamente aquele som. O grave dessas cópias é diferente, para melhor, do som de lá de fora, e só isso basta para notar a diferença entre as cópias dos “originais”.

Aparentemente, toneladas de gravações antigas, uma vez arquivadas, nunca mais vêm a luz do dia. A Analogue Productions jura que matrizes do Nat King Cole de 3 canais são de fato as fitas originais que eles usaram nos respectivos SACDs. Eu tenho dois deles, soam muito bem, e isso já me basta. Ouvir a fita original já é querer demais. [Webinsider]

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Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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