Trilhas sonoras de filmes antigos rejuvenescidas pela remixagem

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A trilha sonora estereofônica de Vertigo (Um Corpo Que Cai), foi achada preservada nos arquivos da Paramount e usada para a remixagem em 5.1, a ser depois transferida para 70 mm com trilha DTS.

Nos esforços de restauração de filmes antigos foi possível remixar as antigas trilhas sonoras, com ampla vantagem na distribuição dos canais. O resultado é a vida nova com o relançamento para o público ver seus filmes favoritos em outra dimensão sonora.

 

O cinema foi o meio onde o som estereofônico vingou e deu outra graça aos filmes. Ele foi um dos efeitos colaterais positivos da nefasta época do chamado studio system, quando então foram feitos esforços para trazer o público de volta para as salas de cinema.

Tudo começou com o pioneirismo de Walt Disney, e tomou impacto importante com a introdução do Cinerama, mudou para o formato do CinemaScope, depois Todd-AO, Dolby Stereo e finalmente Dolby Digital e DTS.

Em Fantasia, de 1940, Disney enfrentou diversos problemas técnicos de gravação da trilha sonora e depois na sua reprodução nos poucos cinemas que adotaram o Fantasound. Um dos obstáculos que tiveram que ser vencidos foi a gravação na chamada banda ótica, cuja resposta de frequência e a relação sinal/ruído desfavoreciam o som de boa qualidade. E é bom lembrar que ainda nesta época, o que foi considerado som de “alta fidelidade” não havia sido factível. Porém, o lado visionário de Walt Disney teve prevalência nas primeiras mixagens estereofônicas usadas neste filme, coisas como ambiência, distribuição dos sons na sala de exibição, direcionalidade, etc. Disney queria que o som acompanhasse a imagem, e o tempo provou que ele estava certo.

A relativa má qualidade da banda ótica somente foi contornada anos depois. Na década de 1930, o engenheiro alemão Fritz Pfleumer inventou a fita magnética, inicialmente com suporte de papel. A gravação em fita magnética, com correção de bias, e outros requintes, foi o que permitiu a correção da curva de resposta de frequência, e, daí para a frente, a gravação corrigida de sons de alta frequência que tão bem ilustrou a alta fidelidade.

Todos esses avanços só saíram da Alemanha no período pós segunda guerra mundial. E depois de levados gravador e fita magnética aos Estados Unidos como espólio de guerra, o processo de gravação de alta fidelidade acabou sendo demonstrado aos estúdios de cinema.

Já no Cinerama foi adotada a gravação e reprodução em filme magnético 35 mm, permitindo que a alta fidelidade chegasse aos cinemas, e com maior número de canais gravados. Nos estágios iniciais do CinemaScope o filme magnético chegou a ser usado, mas com o advento da colocação de pistas magnéticas nas películas, o filme magnético foi abandonado.

A gravação em banda magnética na película eliminou qualquer chance de perda de sincronismo, mas atraiu um inconveniente, que foi o de obrigar a instalação e manutenção de unidades de leitura nos projetores, com cabeças adequadas ao número de pistas gravadas. Este tipo de gravação e reprodução perpetuou-se na película de 70 mm, quando o Todd-AO foi lançado.

A adoção do CinemaScope permitiu aos exibidores uma fácil adaptação à projeção, com lentes e tela adequadas, mas, por outro lado, os impediu de exibir filmes sem a unidade de leitura das bandas magnéticas e o sistema de amplificação de som de 4 canais. A Fox, proponente do formato, só foi contornar isso com a adoção das cópias “magoptical”, que continham as bandas magnéticas e mais a banda ótica mono.

Uma série de empecilhos, incluindo os de fundo financeiro para os exibidores, levou o cinema a abandonar a reprodução de som estereofônico por banda magnética. Durante boa tarde da década de 1970, filmes em Panavision (2.35:1) foram lançados com a antiga banda ótica mono. As trilhas sonoras, eventualmente gravadas nos estúdios não foram usadas para a distribuição nos cinemas.

Tudo isso mudou quando os laboratórios Dolby reutilizaram a banda ótica repartida, que já havia sido tentada antes, mas abandonada por causa do ruído, para acomodar a gravação matricial do Dolby Stereo, de 4 canais, o mesmo layout do CinemaScope de banda magnética.

Diga-se de passagem, o uso da banda ótica, analógica ou digital, foi até o fim nas cópias de distribuição para os cinemas. A antiga banda ótica com presença de prata, um dos principais problemas de ruído no áudio reproduzido, mudou com a formulação de corante ciano, e depois o som melhorou mais ainda, com o advento do Dolby Spectral Recording (Dolby SR), ainda em ambiente analógico, porém com mais fidelidade e menos ruído.

A cabeça de leitura (o bloco ótico) nos projetores mudou também, com a introdução da varredura invertida (“reverse scan”), posteriormente usada para o Dolby Digital.

O resgate das trilhas sonoras antigas

O home video começou no momento em que aconteceu um declínio irreversível das tradicionais salas de cinema. Além da diminuição do parque exibidor, a maioria dos principais estúdios estavam sendo vítimas da deterioração de negativos, obrigando-os a recorrer a processos custosos de restauração dos filmes.

A perda de receita nos cinemas favoreceu o aumento das instalações do home theater, ou home cinema, como era classificado na Europa. O Dolby Stereo, originalmente som de 2 canais matriciais que se desdobra em 4 canais, é mantido intacto nas cópias de filmes em vídeo disco ou vídeo cassete.

A estratégia da Dolby em tornar o sinal do Dolby Stereo compatível com projetores com som mono prevaleceu. Assim, quem instalou um home theater pela primeira vez conseguiu desde mono até estéreo de 4 canais. O aperfeiçoamento dos decodificadores Dolby nos sistemas de reprodução domésticos aumentou mais ainda a capacidade do usuário em conseguir um som muito mais próximo das salas de exibição.

Com a introdução do Dolby Digital e do DTS nos cinemas, 1992 e 1993, respectivamente, o som doméstico foi beneficiado com os decodificadores do Dolby Digital, inicialmente, e depois do DTS, aumentando de 4 para 5 canais, com a presença do subwoofer (5.1).

Foi exatamente esta última mudança que impulsionou os estúdios a remixar as antigas trilhas mono e multicanais para 5.1 e 6.1/7.1, na extensão dos canais surround, Dolby Digital Surround EX e DTS-ES (Extended Surround), respectivamente. Filmes da década de 1970, lançados nos cinemas em mono, saíram em home vídeo com o formato 5.1. Os filmes com Dolby Stereo da década de 1980 ganharam nova vida.

Para permitir que este aprimoramento fosse alcançado com sucesso, a mixagem original teve que ser modificada, isto é, os estúdios tiveram que voltar aos elementos de áudio gravados e mudar toda a configuração das trilhas de áudio, no formato desejado. Só isto permitiu uma alta resolução na reprodução das trilhas sonoras dos filmes em disco.

No documentário “Obsessed With Vertigo”, os restauradores James C. Katz e Robert Harris analisam a trilha sonora estereofônica de Vertigo (Um Corpo Que Cai), achada preservada nos arquivos da Paramount, e a usam para a remixagem em 5.1, a ser depois transferida para 70 mm com trilha DTS:

Este é um exemplo típico do esforço para salvar o trabalho de um filme clássico, fotografado em VistaVision, mas apresentado nos cinemas em mono.

Em outros filmes, e eu tenho na minha coleção de disco um grande número deles, a remixagem vai desde o som original mono, com simulação estereofônica frontal, até os filmes da década de 1970 em Panavision, antes do Dolby Stereo.

Em alguns desses trabalhos, as trilhas sonoras foram redimensionadas de tal forma que a ambiência orquestral aumenta significativamente, dando a impressão de que essas trilhas foram gravadas recentemente.

O aumento de ambiência é viável por causa da multiplicidade de canais e da maneira como aquelas orquestras da década de 1970 foram gravadas. O redimensionamento, neste caso, é surpreendente, com uma sensação de espaço nunca antes percebida!

Para os efeitos sonoplásticos (“foley effects”), o esforço é bem menor. Os canais surround separados permitem um fácil reposicionamento desses efeitos, pontuando as cenas, nas direções que a remixagem exige.

O resultado das remixagens dos filmes antigos para mim é, e será sempre, super bem-vinda. Bons filmes do passado merecem isso e muito mais! Como colecionador, eu repudio a atitude daqueles que, no passado, encheram o saco dos estúdios para lançar discos com a inclusão da trilha sonora mono, mas não por motivos preservacionistas, e sim por desaprovação dos esforços de remixagem. Essa gente se esquece que todas as trilhas sonoras são compatíveis com som mono. Se querem ouvir assim, que arrumem um jeito de mudar a configuração dos seus home theaters. Condenar a remixagem, como alguns o fizeram, é querer retroceder ao passado que nunca deveria ter acontecido. [Webinsider]

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Fantasound de Walt Disney e o estéreo no cinema

 

Dolby Digital Legacy

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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4 respostas

  1. É verdade, Paulo. Vou procurar ver esse ar romântico da Kim. Quando vi “Vertigo” no cinema aqui da praça, início dos anos 1960 já me apaixonei. Você viu como ela está hoje? Irreconhecível! Consta que o ex presidente Trump disse que ela deveria processar o médico que a arruinou! Concordo plenamente.

    1. Infelizmente, é muito raro artistas envelhecerem mantendo um mínimo de saúde, tanto física quanto mental. Basta ver o caso do Robin Williams para se ter uma ideia do que se passa na vida íntima do artista que ninguém vê. O ator/atriz vive da aparência, mas se enche de maquiagem, às vezes faz uso de remédios que levam à exaustão eventualmente, vide Judy Garland, por exemplo.

  2. Bom dia, Paulo. Muito bom o texto. Fico arrepiado em ver a foto do “meu” Vertigo. Coincidência ou não, ontem revi “Lágrimas de Triunfo” com a “minha” adorada Kim Novak. Mais um vez, quanta beleza.

    1. Oi, Celso, bom dia. Eu também me sentia atraído pela Kim Novak quando era adolescente. A capa do elepê da trilha do filme Melodia Imortal, mostra a Kim sentada próxima do pianista, mas com um olhar romântico de fazer inveja. Quem de nós meninos não queria ter uma namorada dessas?

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