60 anos de 64: quem viveu nunca vai esquecer

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Ditadura de 64 durou 20 anos

Este ano completamos 60 anos do início de um regime militar ditatorial, que durou mais de vinte anos, com o objetivo de acabar com a “subversão” e impedir o avanço comunista. O que aconteceu parece não ter sido assimilado pela mente dos mais jovens de hoje; a polarização de posições políticas mostra que nada mudou e que lições não foram aprendidas.

 

 

Eu estava almoçando um dia desses com o meu filho e um amigo dele, quando este me perguntou como era a vida na época do movimento estudantil universitário, do qual eu participei por um período e depois saí. A resposta curta foi “muito dura”. A resposta longa, seria difícil de formular, quando relatada para quem não viveu aquela época. Assim como, ao estudarmos, por exemplo, a super documentada segunda guerra mundial, é frequentemente difícil para os que nasceram depois daquele período entender o que se passou.

Eu devia ter cerca de uns 14 anos de vida, quando, de manhã, meu pai, que saía cedo para trabalhar, me diria que eu não ia poder ir para o colégio, porque havia tanques nas ruas. Os vizinhos, todos conhecidos, se juntaram próximo ao rádio, para tentar saber o que estava acontecendo.

Olhando tudo isso em retrospectiva e tentando forçar a memória adolescente, eu posso hoje afirmar com segurança que o país viveu momentos de grande apreensão, muito antes da tomada do poder pelos militares. O caos começou com a saída louca e imprudente do presidente Jânio Quadros, que renunciou ao cargo. Logo a seguir, houve resistência à posse do vice, João Goulart. Depois da controvertida posse, uma série de desastres foi se sucedendo, que deixaram a maioria do povo mais do que apreensivo. E esta situação só foi acabar quando os chamados militares da linha dura decidiram colocar ordem na bagunça. Isto é fato!

O que ninguém esperava era que, uma vez no poder, os militares resolvessem acabar com as eleições diretas e implantar uma duríssima ditadura, que durou mais de 20 anos. A razão desta nefasta decisão foi a de impedir que o Brasil se tornasse um país comunista! As comunidades católicas temiam que o país se tornasse uma nova Cuba, e por isso deram total apoio à revolução. Também apoiaram o golpe de estado militar entidades além da Igreja, como a ABI e a OAB, que depois se arrependeram. Todo mundo queria ver o país estável, mas na esperança de uma convocação de eleições e retorno à democracia.

Anos depois, foi a vez da Igreja objetar a ditadura militar e principalmente a repressão com tortura e assassinatos praticados pelas forças policiais dos governos federal e estaduais. Dom Valdyr Calheiros, um homem extraordinário que eu conheci, na época bispo de Volta Redonda, irritado com o que falavam a seu respeito, se apresentou aos militares, dizendo que ele estava ali para poder ser preso. Os militares nunca tiveram coragem de fazê-lo!

 

Dom Paulo Evaristo Arns foi outro que fez frente à ditadura. A Igreja como um todo foi perseguida. Dom Hélder Câmara, que se opôs à ditadura, foi chamado de “Arcebispo Vermelho”. Na imprensa, o jornalista e escritor Nelson Rodrigues o atacava constantemente.

A luta contra os comunistas

O que sempre esteve por trás de tanta repressão, torturas e assassinatos nas prisões clandestinas foi a luta contra a infiltração do Partido Comunista no meio estudantil, no meio artístico, sindical, etc. O meu pai tinha um amigo que fora Marechal e que vivia em Brasília, presenciando muita coisa que se passava por lá. Ele contou ao meu pai que havia encontrado o então presidente Médici, e alertado a este sobre a corrupção no ambiente militar, ao que então Médici teria dito “meu Marechal, ou eu acabo com a corrupção ou com a subversão, os dois eu não consigo”. Mas, foram os abusos do poder que permitiram a essas pessoas torturar, matar e esconder os corpos, sem até hoje qualquer tipo de punição, por conta da lei da anistia, promulgada próxima ao fim do regime militar.

E foi neste período (1969 a 1974) que a repressão alcançou níveis inacreditáveis. Depois do AI-5 (1968), qualquer um podia ser preso sem qualquer justificativa ou ordem judicial. No ambiente universitário, o campus estava cheio de policiais infiltrados, à cata de membros ou simpatizantes do PCB (vulgo, Partidão).

Consequências da repressão

O regime militar mandou os descontentes calarem a boca. A censura, por vezes ridícula e sem sentido, foi imposta de forma draconiana. Tudo foi censurado, a começar pela mídia, com censores dentro das redações dos jornais, e atingindo cinema, teatro, música, etc.

Depois de um certo tempo, criadores e jornalistas começaram a recorrer aos textos de duplo sentido, e/ou de usar sutilezas no que escreviam ou apresentavam, para driblar os censores. A imprensa alternativa surgiu nos momentos mais duros da repressão, e não foram poucas as vezes em que nós corríamos nas bancas para comprar os últimos números de O Pasquim, ou Opinião, antes que a polícia os recolhesse.

O jornalista Alberto Dines viveu e foi uma das vítimas da censura aos jornais impressos. Quando a TV Brasil produziu o programa Observatório da Imprensa, Dines mostrou com detalhes o que foi chamado de Anos de Chumbo, em um seriado com o título “Chumbo Quente”, que ainda pode ser visto no YouTube.

Lições que aparentemente nunca foram aprendidas

Desde estudante eu noto que a esquerda brasileira é dividida entre correntes internas que se opõem umas às outras. Depois da queda do muro de Berlim, o comunismo se dissipou como regime, a União Soviética entrou em colapso, mas a esquerda no Brasil parou no tempo e no espaço. Gente que eu conheci acreditava piamente que o PT estava se tornando a melhor opção, aquela que iria corrigir erros do passado. Isso nunca aconteceu!

O PT e o seu três vezes condenado presidente, “absolvido” por uma justiça maior, incompreensível por qualquer pessoa de bom senso, ainda apoia regimes de exceção, e se solidariza com eles. É simplesmente inacreditável. E é nessas horas que eu queria poder ver a cara dessas pessoas que julgavam a esquerda imaculada. Uma vez de volta ao poder, o PT saiu perseguindo aqueles que condenaram o presidente, sem sequer disfarçar o que estavam fazendo. Se conseguirem, o país volta para a época sombria da ditadura!

Pior ainda é ver que a polarização continua e cada vez mais acirrada, sem nada de positivo melhorar as condições de vida no país. São guerras políticas em torno do poder, o resto, coisas como problemas sociais, saúde, educação, segurança, etc., ficam às moscas, como se esses problemas não existissem.

Na Europa que eu vivi, o voto não era mais obrigatório, e assim a ausência do eleitor nas urnas servia de lição para políticos sem escrúpulo. Aqui isso nunca aconteceu, e a gente se questiona se compensa votar, se nada muda, e o que há é só troca de poder.

Ultimamente, eu tenho estado impressionado com a presença cada vez maior de jovens seduzidos pelos credos da direita. É possível que se trate de um ciclo de natureza conservadora acontecendo no país, sinal evidente que a antiga motivação da esquerda não seduz quase mais ninguém, a não ser os seus militantes.

Eu aprendi que o que de fato derruba regimes, ditatoriais ou não, são as condições financeiras da população, quando muitos perdem o seu poder aquisitivo, que é fundamental em uma sociedade constantemente seduzida pelo comércio, principalmente no ambiente dos shoppings.

Em pleno século 21, nenhum país deveria ser submetido a regimes que não deixam seus cidadãos ter o direito de votar. Infelizmente, além disso, o livre comércio às vezes parece utopia, bem como a quebra de barreiras territoriais, que poderia estar unindo pessoas de todos os países. Enquanto isso não acontecer, eu me arrisco a dizer que nada irá mudar! [Webinsider]

. . .

 

Rita Lee e a censura na música popular brasileira

Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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2 respostas

  1. Se você procurar, vai achar meu nome lá. O PASQUIM foi meu primeiro trabalho como jornalista, ainda antes da faculdade. Fiz basicamente transcrição de entrevistas, mas o César Tartaglia (o editor de facto na época) me autorizou a escrever algumas Dicas, que apareciam sempre ao final do hebdomadário. Bons tempos aqueles. 🙂

    1. Oi, Fábio,

      Me senti prestigiado pela sua leitura e comentário. Li agora seu texto sobre Rebel Moon, e notei a sua introspecção sobre o assunto e sobre o que sobrou do cinema. Você menciona Sam Peckinpah e me veio à memória The Wild Bunch”, que eu assisti em Cinerama, a primeira vez que eu vi o exagero no derramamento de sangue em um filme do gênero.

      Eu estou assistindo neste momento a “Franklin”, no streaming da Apple. Em um episódio o prelo usado por Benjamin Franklin e o neto é destruído. E depois os amigos o ajudam a recuperá-lo, com uma claríssima e bela alusão à liberdade de imprensa e à força das palavras, na qual eu acredito.

      Lamento não me lembrar da sua presença no Pasquim, mas o parabenizo, por razões óbvias, por tê-lo feito.

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