Rita Lee e a censura na música popular brasileira

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Rita Lee viveu a época da censura na música popular brasileira

No Brasil artistas e compositores já foram alvo de intensa censura, alguns até presos. A morte recente de Rita Lee evoca a memória desse assunto, que espero nunca mais ser ressuscitado.

 

Por uma dessas admiráveis coincidências, eu havia escrito um texto sobre os Românticos de Cuba, para o Outrolado, que foi publicado logo a seguir. No texto, há uma citação à música composta e cantada por Rita Lee, mencionando a orquestra e o drink. No dia seguinte da publicação, eu fui surpreendido com a notícia da morte da cantora. Gozado é que, ao mencionar a gravação, foi publicada uma ilustração da capa, onde Rita aparece em uma espécie de fog fotográfico, parecendo um anjo. Pode e deve ter sido uma mera coincidência apenas, porque, infelizmente, eu não tenho o dom da vidência.

Mas, a morte dela também me remete a um momento tenebroso da música popular brasileira, quando muitos músicos e compositores resolveram contestar a ditadura, e Rita Lee estava no meio deles.

Quem viveu esta época se lembra que houve perseguição de tudo quanto foi lado. Músicas e shows eram proibidos, a censura exerceu um poder nunca antes visto neste país. Não que censura fosse novidade neste país, quem viveu a ditadura do Getúlio Vargsa na década de 1930 já experimentou este tipo de política em vários níveis.

No final dos anos 60 a situação recrudesceu. Estudantes secundaristas e universitários iriam às ruas em passeatas de protesto contra os militares, e com isso reprimidos com violência. A situação se complicou mais ainda com a infiltração de membros e simpatizantes do Partido Comunista, conhecido na época como “partidão”, e só isso justificou perante o público a reação dos aparatos militares, diga-se passagem, com ainda com um enorme apoio da população que queria ver o país em ordem.

Esta guerra não beneficiou a ninguém. Crimes foram cometidos nas prisões, e os artistas presos, como Caetano e Gil, acabaram se exilando. Geraldo Vandré, com receio de ser preso, saiu do festival direto para o aeroporto. Gil gravou uma mensagem em um elepê, que soava sem sentido se o disco fosse tocado normalmente, mas tocado ao contrário a mensagem era bastante audível. Os militares descobriram e foram para cima dele. Eu nunca soube quem havia divulgado que a mensagem estava lá, mas todos os estudantes do meu colégio sabiam dela.

Em 1968, se não me engano, nova bravata: um grupo de músicos grava o disco “Tropicália ou Panis et Circensis”, dando início ao movimento tropicalista.

O disco é uma desconstrução proposital da música popular brasileira. Na capa, o maestro Rogério Duprat, sentado à esquerda, toma chá em um penico. As vestimentas lembram o movimento hippie norte-americano, contestatório por natureza. Rita Lee e os Mutantes são componentes importantes do grupo.

O movimento dos músicos e artistas, que surgiu muito antes, não foi unanimidade. Por acaso, eu tive um colega professor, que era músico e abandonou a carreira, depois de ser convidado para participar do movimento, e muitos outros saíram do país, para poder continuar a trabalhar.

A rebeldia do adolescente roqueiro

Quem quiser entender Rita Lee, Os Mutantes e dezenas de personagens do Rock & Roll, basta observar o comportamento dos adolescentes. O roqueiro típico encarna uma persona na qual ele ou ela expressam o estado de espírito revoltado e rebelde do adolescente, caso contrário a comunicação entre ambos não se estabelece e o roqueiro não faz sucesso.

Neste espírito de comportamento, qualquer apelo neste sentido funciona, e por isso não é surpresa ver o roqueiro ser debochado, irônico ou um sarcástico contestador de costumes conservadores.

No caso específico de Rita Lee, já em carreira solo, basta ouvir a composição “Papai me empresta o carro”, onde a cantora berra os versos e reclama que o pai entrava na farra com “uma tal Elizete”. Ou seja, se ele fez, por que eu não posso?

Rita Lee, inclusive, ao contrário de outros roqueiros, nunca saiu da linha de tipo rebelde, incluindo o sexo como tema de muitas das suas músicas. O objetivo claríssimo foi chocar quem estava ouvindo, particularmente os pais de adolescentes. E, neste ponto, que eu me lembre, nunca foi explicitamente censurada.

O oportunismo nos necrológios

O leitor me perdoe, mas eu não suporto esta coisa falsa de iniciar um necrológio de alguém importante na mídia, quando ele ou ela acabam de falecer. E a nossa mídia e muitas daquelas “celebridades” aproveitam o momento sem a menor cerimônia.

Se alguém querido morre, a gente fica triste, lamenta e normalmente se reserva para, dependendo de quem seja, rezar por quem foi. Mas, não é isso que a mídia e as celebridades fazem. Pelo contrário, saem correndo para os noticiários dando depoimentos de tudo quanto é tipo.

Rita Lee foi uma artista profícua, mas, como muitos outros, não era perfeita, e às vezes falava besteira nas próprias letras, como, por exemplo, em Arrombou a Festa II ela senta a porrada em um monte de gente, que se traveste de algo que não é, denunciando a deturpação comercial da música brasileira. O problema é o tom agressivo, contra os colegas de profissão, na base do deboche. Ninguém, que eu me lembre, falou nada mas é bem possível que a música não tenha sido bem recebida na classe artística. Em última análise, a música pode ter sentido como crítica justificada, mas simpática não era.

E o que dizer de “Sucesso no estrangeiro Ainda é Carmem Miranda”, já citada uma vez aqui em outra coluna, ignorando propositalmente a repercussão da bossa nova e de outros compositores que fizeram sucesso na América e em outras partes do mundo.

Entretanto, a mídia preferia colocar nela o título de “Rainha”, como aliás fez com muitas outras pessoas que atingiram, em seus tempos, a celebridade ou a notoriedade. Eu posso até estar errado nos meus conceitos, mas se mídia não fosse chula e/ou medíocre, com aquela visível cobiça de vender qualquer coisa, parava de endeusar ídolos, e os classificava de acordo com os valores que eles de fato mostraram ao longo de suas vidas.

As pessoas precisam ser reconhecidas por alguma coisa que as represente ou represente a sua obra. Muitas grandes figuras acabaram no total esquecimento, porque a fama sempre é extemporânea e volátil. Esperar que elas morram para homenageá-las é um absurdo com o qual eu nunca irei concordar! [Webinsider]

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O interesse pelas gravações analógicas estereofônicas originais

 

Aumenta o som que isso aí é Rock & Roll

 

Românticos de Cuba… Libre!

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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Uma resposta

  1. Também não concordo com esses apelidos que a mídia da de “rei” disso ou “rainha” daquilo; exceto pela Rita Lee. Essa podem chamar de rainha sim. 😌🤭

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