Na história do cinema, muitos cineastas foram alvo de polêmicas, condenação e controvérsias. John Ford, Orson Welles e Stanley Kubrick entre eles.
O cinema foi uma daquelas mídias cujos participantes se envolveram em diversos tipos de problema. No caso específico dos cineastas, originalmente fortemente controlados durante o studio system, aconteceram diversos tipos de controvérsias e disputas.
Em alguns casos, como o de John Ford, o cineasta conseguiu se adaptar de maneira hábil às suas limitações dentro dos estúdios, às vezes com um comentário sarcástico a respeito dessas limitações. Quando perguntado quem escolhia os atores dos seus filmes, Ford respondeu que era “a mulher do produtor”, deixando no ar um comentário sutil sobre as restrições de comando aos quais ele era submetido.
Creio eu que um dos mais controvertidos cineastas de todos os tempos foi Orson Welles. Ele chegou a Hollywood com um contrato no qual poderia fazer um filme sem a interferência de ninguém, algo inédito na época, e que despertou rancores, principalmente entre os produtores da RKO. No início, fizeram de tudo para que ele nunca cumprisse o seu contrato, mas ele rodou Cidadão Kane escondido, e quando o fez, os executivos da RKO não conseguiram impedi-lo.
Depois de terminado o filme e prestes a ser lançado, Welles foi atacado novamente e quase teve os negativos queimados. Para sorte dele e dos fãs de cinema, o filme foi preservado e anos depois considerado como um dos mais importantes filmes feitos até hoje. Não obstante, o episódio e outros subsequentes deixaram marcas profundas em Welles, que ele nunca conseguiu superar!
Talvez um dos mais controvertidos cineastas que eu conheci como cinéfilo foi Stanley Kubrick, pessoalmente um sujeito estranho, que usou a sua inegável criatividade para combater o establishment. E, provavelmente por consequência disso, ele arrebatou para si críticos de tudo quanto é lado, inclusive entre os seus seguidores.
Kubrick foi controverso desde o início. Em Paths of Glory (no Brasil, “Glória Feita de Sangue”), há menções nada lisonjeiras aos militares franceses. O filme foi banido na França por muitos anos, seguido da Suíça, que considerou o filme ofensivo aos franceses. Depois dos protestos franceses, o filme foi retirado do Festival de Berlim de 1958.
Em Spartacus, filme de 1960, houve desavenças com Kirk Douglas a respeito de algumas cenas. Douglas teria dito que ele era muito chato e exigente, embora admitisse que algumas vezes as reclamações eram procedentes.
Já em Lolita, de 1962, o rolo foi ainda maior. O livro no qual o filme se baseia, enfoca o interesse sexual de um homem maduro por uma ninfeta adolescente. Houve protesto dos censores católicos e de outras entidades de censura ligadas aos códigos de produção do cinema americano. A atriz Sue Lyon é até hoje personagem ligada ao lançamento deste filme.
O discurso recorrente do cineasta contra a guerra encontrou no excelente filme Dr. Strangelove (no Brasil, “Dr. Fantástico”) um dos seus principais enfoques sobre o assunto, na forma de humor negro. Este foi um daqueles filmes com forte aceitação no meio dos meus conhecidos cineclubistas. O enredo tem a sua razão de ser, por conta da escalada da guerra fria e do medo de uma possível guerra nuclear. Mas, os belicistas condenaram o filme, tentando acusa-lo de maneiras depreciativas. Só que o protesto é contra o uso da corrida armamentista, condenável em qualquer sociedade civilizada.
Em 2001, Uma Odisseia no Espaço, lançado um ano antes da chegada dos americanos na lua, mais controvérsia. O filme é propositalmente hermético, e aberto a todo tipo de conjectura e análise. Inicialmente, proposto para ser uma ficção científica cobrindo a presença de alienígenas, que observaram a evolução do homem, 2001 acabou por revelar a visão dos cineastas (Kubrick e Clarke) sobre o comportamento dos humanos frente a descobertas e uso de ferramentas afins. O filme é claramente pessimista quanto à esta evolução, portanto não foi surpresa os jornais na época declararem que muita gente saiu do cinema logo após o intervalo.
Se 2001 foi enigmático, A Clockwork Orange (no Brasil, “A Laranja Mecânica”) foi alvo dos protestos contra a ultra violência exposta no filme, a qual supostamente estaria incentivando gangues nas ruas inglesas. A tal ponto que Kubrick entrou em um acordo com a Warner Brothers e retirou o filme de circulação. Na realidade, o filme, mesmo em mídia doméstica, ficou indisponível por muito tempo. Eu tomei conhecimento disso quando estudei lá fora, no início da década de 1990, quando soube que colegas nunca tinham visto o filme e não conseguiam uma cópia sequer para ver como era.
No Brasil, o filme foi censurado, mas de maneira ridícula: os censores colocaram bolas pretas na cena onde Alex faz sexo com duas garotas que ele conheceu na loja de discos. A cena original não cortava o enfoque nas respectivas genitálias, mas tem uma movimentação acelerada. As tais bolas seguiam estes movimentos, provocando gargalhadas na plateia!
A censura contra cenas de sexo também foi feita, anos depois, no último filme do cineasta: Eyes Wide Shut (no Brasil, “De Olhos Bem Fechados”). Logo na primeira edição em DVD, a Warner cortou as cenas de orgia com sexo explícito. Curiosamente, este corte não afetou o disco brasileiro, mas deixou os americanos furiosos! O filme em si é uma condenação à sociedade elitista permissiva, que vive em segredo à margem de qualquer crítica ou repressão.
Kubrick morreu logo depois, e deixou um rastro demonstrativo da repressão contra cineastas, ao longo das suas histórias, lamentável, sob vários aspectos, no que tange à liberdade de criação.
Claro que a vulgaridade também é condenável, em qualquer mídia, mas é perfeitamente possível a qualquer um fazer esta distinção! E nem é preciso ir muito longe: no nosso caso, basta ligar a televisão e assistir um canal aberto desses populares. O que não falta neste tipo de mídia é programa chulo e de mau gosto! [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.