Os megalonânicos e os burroloquentes são dois tipos facilmente identificáveis como máscaras profissionais comuns.
Nas férias da zona da mata alagoana, quando até as frondosas mangueiras que escureciam a varanda cochilavam, uma enorme poltrona de vime me abraçava por longas horas. Numa gangorra emocional, entre humores reprimidos e profundo tédio, eu passava o tempo lendo uma coleção amarelada das Seleções do Readers Digest que tia Suzy tinha encadernado diligentemente por anos.
Uma coluna em particular me fascinava. Eram descrições minuciosas e sempre maliciosas de tipos humanos. Talvez tenha nascido dessas leituras aleatórias uma perniciosa e mal-intencionada mania de categorizar pessoas.
Aprendi muito mais tarde a brincar disso na profissão, uma prática desatualizada de criar “personas” para endereçar mensagens publicitárias. Um hábito prático, mas simplório, que não leva em conta a bem-aventurada inconstância e fluidez humanas.
Já pedindo perdão pela precipitação analítica, existem dois tipos que, se não podem caracterizar espécies, são ao menos facilmente identificáveis como máscaras profissionais comuns.
O megalonânico
O primeiro funciona assim: ele não se cansa nunca de exacerbar as qualidades daquilo que faz, constrói, persegue ou falha. O uso de superlativos é sua muleta psicológica, que vem sempre acompanhada de repetições enfáticas, exclamações entusiastas e piadinhas de autocomiseração.
Ele dirá, por exemplo, que seu briefing é extremamente desafiador e fascinante na proporção da caretice do seu chefe. Ou então que sua marca é injustiçada, mas tem extraordinário potencial de se tornar uma verdadeira “Coca-Cola” do ramo de calçados ortopédicos.
Ele também poderá confidenciar que o projeto que irá apresentar aos chiefs-something na reunião do board será um turning point, mas que será nos seus private meetings, em Angra, na Soho House ou no golf club de Punta, guys, that the things turn into something.
Outra típica é que irá investir Xizinho, mas dependendo da qualidade do trabalho e do retorno, o céu é o limite. Dinheiro não é problema. O megalonânico é uma pessoa adorável e fácil de lidar. Ele só precisa de colo.
O burroloquente
O segundo tipo é diferente. Ele ingurgita um número extraordinário de jargões, termos técnicos, modismos, fórmulas prontas, trocadilhos, pérolas de sabedoria, memes, expressões idiomáticas, anglicismos e, quando quer parecer um pouco mais chique, galicismos ou o supra-sumo do chique, japonismos.
Mas, quando você limpa todos os filtros e as referências alheias, o que sobra parece aquela tartaruga sem casco de desenho animado: um fiapo frágil e friorento. Esse burroloquente é uma espécie de sagitoleonino: gosta de brilhar e fazer barulho ao mesmo tempo. Essa persona ou tipo também gosta de agradar e pavonear os poderosos, provocando situações de uma submissão tocante, catando migalhas e roendo ossos já roídos.
Esse tipo ou personagem irá abrir e encerrar reuniões com ênfase e rir de todas as piadas, mas seu traço mais característico é repetir o que acabou de ser dito, modificando a ordem das palavras e se aplicando, qual um chatbot bem adestrado, a transformar qualquer afirmação numa torta de casamento, um vestido de debutante, um rococó que deixaria Luís II da Bavária um príncipe do minimalismo. O burroloquente é uma pessoa agradável e fácil de lidar. Ele só precisa de holofote.
Lá em Utinga, quando era a hora do jantar, a gente ia a uma sala enorme, cheia de cadeiras pesadas e retratos velhos apagando as altas paredes. Tudo era muito solene e ancestral. Eu me exercitava em encontrar meus tipos nas tias Suzy, Margot, Helô, Haydée. Mas meus atores eram indomáveis.
Ninguém é caricatura, mesmo quando parece. [Webinsider]
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