No início da década de 1960, o Jazz já era considerado “morto” pela imprensa americana, e por volta desta época muitos músicos foram para a Europa. Os que foram para França encontraram o movimento de cinema da Nouvelle Vague, e participaram da elaboração de muitas trilhas sonoras daqueles filmes.
No início da minha adolescência eu comecei a me identificar com as gravações de Jazz e conhecer os músicos envolvidos, inicialmente os tradicionais e logo em seguida os mais avançados, estes últimos tocando um novo estilo que foi chamado de “hard bop”, um avanço do tradicional bebop, da década de 1940.
O primeiro disco que eu comprei foi o gravado pelo baterista Art Blakey, com o seu conjunto The Jazz Messengers. O disco tem o título do grupo “Art Blakey and the Jazz Messengers”, lançado pela Impulse em 1961.
Na década de 1980 a WEA lançou a versão em CD, prensado na Alemanha, que eu consegui comprar por uma pequena fortuna na Modern Sound, como de hábito a preços extorsivos. Em tempos mais recentes, a Analogue Productions lançou a versão em SACD, e eu novamente fiz força para compra-la. Embora esta versão em alta resolução tenha sido feita de forma cuidadosa o som do CD não está distante da mesma qualidade, o que evidencia as limitações técnicas das gravações desta época. A propósito, Art Blakey e o seu grupo vieram ao Rio, deram um concerto no Teatro João Caetano, e eu, é claro, estava lá!
A saída de músicos dos Estados Unidos
A década de 1960 foi uma época difícil para os músicos de jazz, culminando em um período que começou bem antes. Charlie Parker, por exemplo, foi tocar na França em maio de 1949, episódio mostrado no filme Bird, de Clint Eastwood.
O drama vivido pelos músicos foi muito bem exposto no filme Paris Blues, de 1961, dirigido por Martin Ritt, um dos que ficaram marcados pela infame lista negra de Hollywood.
O Jazz havia perdido a sua popularidade. Já na década de 1950 o Rock and Roll surge como uma contrafação do Rhythm and Blues, misturado com o Boogie Woogie, e começa a atrair para si a juventude emergente. Credita-se ao crítico Leonard Feather a frase “Jazz is dead”, O Jazz Está Morto!
Bem, nem tanto, mas o suficiente para que muitos músicos saíssem da América, em busca de novos públicos. A França em particular foi o local onde a receptividade foi maior. Afinal o Jazz nasceu em New Orleans, antigo protetorado francês. Na França a música levou a alcunha de “Le Jazz Hot”.
A união entre a música e o cinema
Na década de 1960, muitos músicos tiveram também passagem pela França, só que nesta época a Nouvelle Vague era a realização do momento! E isto se refletiu na união entre o Jazz e o cinema.
Cineastas franceses fizeram uso de trilhas sonoras sofisticadas, pontuadas pelo Jazz moderno. Foi também uma oportunidade criadora para músicos franceses, como, por exemplo, o saxofonista e compositor Barney Wilen. Em pelo menos uma das trilhas com o Jazz Messengers aparece o tenorista Benny Golson, com aquele som aveludado e de excepcional expressão. Com isso, Art Blakey se viu cercado de talentos, que enriqueceram o som do seu conjunto.
A lista de filmes desta época é significativa. As trilhas foram editadas em, disco pelo selo Fontana, uma subsidiária da Philips, e por isso mesmo algumas das trilhas foram lançadas em CD na década de 1980.
Entre essas trilhas, e baseado no meu gosto pessoal, eu destacaria:
Des femmes Disparaissent (aqui com o título esdrúxulo Vampiros do Sexo), Ascenseur pour l’échafaud (Ascensor Para O Cadafalso), com trilha brilhante composta e executada por Miles Davis. Les liaisons dangereuses (Ligações Amorosas), e, para não me alongar muito, Un Témoin Dans La Ville (Caça no Asfalto), escrita pelo já citado Barney Wilen.
Embora frequentasse salas de arte, eu não tive chance de ver todos esses filmes e não me lembro mais de vários deles. Para sorte minha, os discos da Fontana saíram em CD, e assim eu pude recuperar as trilhas que eu tinha em elepês.
Várias músicas dessas trilhas fizeram sucesso com cantoras e músicos de Jazz na América. Uma delas eu já tinha no disco Whisper Not (Ne Chuchote Pas), gravado por Ella Fitzgerald para a Verve, tema do filme Des femmes Disparaissent.
Para mim, na adolescência, os temas em hard bop que eu ouvia eram não apenas de um movimento jazzístico, mas principalmente o da liberdade de tocar e criar ao mesmo tempo, ou seja, de total liberdade na elaboração das músicas. Liberdade é um sentimento dos mais importantes na minha vida, pessoal e científica, porque é através dela que se descobre e se cria. Fazendo parte assim da formação de qualquer um que pretenda evoluir com a idade. [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.