“Sete Noivas Para Sete Irmãos”, clássico musical da M-G-M, foi recuperado para alta definição, depois de ter seu negativo considerado inutilizável. Veja como feito em CinemaScope e como foi resgatado para lançamento em Blu-Ray.
Nos idos do fim dos anos de 1960, eu passava próximo ao Cinema Rio, quando vi na porta um cartaz escrito à mão, com aquelas canetas hidrocor de ponta grossa, informando que o cinema estava passando por uma reforma de cabine e som. O anúncio falava em tela Todd-AO e sistema de áudio com amplificadores transistorizados (uau!…). Alguns dias depois entrava em cartaz o filme musical da M-G-M “Sete Noivas Para Sete Irmãos”, lançado em 1954 nos cinemas Metro do Rio de Janeiro, mas agora com cópia em 70 mm.
A tela de um suposto formato “Todd-AO” ainda estava em construção quando o filme foi exibido. Anos depois, eu fiquei sabendo que a transcrição do negativo original para o formato ampliado em 70 mm acabou por arruiná-lo para qualquer outro uso.
E se isso não bastasse, o filme original ainda padeceu de dois males: o negativo colorido Ansco, incapaz, segundo restauradores, de fornecer cópias em duplicata de boa qualidade, e também o uso de lentes CinemaScope de primeira geração. Essas lentes, além de distorção ótica, eram de difícil focalização.
Tudo isso foi levado em conta, quando a Warner, detentora dos arquivos M-G-M, resolveu fazer uma nova versão em vídeo de alta definição. Curiosamente, uma das cenas da série “That’s Entertainment” mostra uma sequência de dança com ótima definição, quando ainda foi possível transcrever o original com ótima imagem.
A nova versão em Blu-Ray
Justiça seja feita, os técnicos da Warner cortaram um dobrado para levar o filme para o formato de alta definição. Segundo informações, houve uma procura incessante por uma cópia usável para a telecinagem em alta resolução, o que levou tempo. Recentemente, foi achada uma cópia interpositiva do negativo e partiu-se desta cópia para se fazer uma nova transcrição.
Sete Noivas foi filmado em uma época (1953-1954) onde a maioria dos cinemas em solo americano ainda não tinha feito a modificação de suas instalação para o novo formato em CinemaScope. A M-G-M havia se lançado no formato de tela larga (“widescreen”) um pouco antes, na relação de aspecto de 1.75:1 (bem próxima da tela atual de HDTV). Por conta disso, Sete Noivas foi filmado duas vezes, uma em CinemaScope (2.55:1) e outra em widescreen plano (1.75:1). E ambas as cópias foram relançadas ainda na versão em DVD.
Eu recebi o meu disco ontem e o coloquei imediatamente para tocar. Logo no início, os créditos de abertura mostram uma imagem borrada, sem contornos, com distorção cromática (Ansco?), e aí eu fiquei preocupado e temi pelo pior. Logo depois que o personagem entra na cidade, a imagem fica paulatinamente mais nítida, até atingir o nível que se espera de um filme feito naquelas circunstâncias. As capturas abaixo (duas das cenas com os créditos) tentam mostrar o que estou afirmando:
Uns anos atrás, eu estava conversando com o Orion Jardim de Faria e o assunto lentes surgiu. Orion, para quem não se lembra, foi um pioneiro da bitola 70 mm no Brasil, construiu e instalou seus próprios projetores Incol 70/35, portanto pessoa de referência no tocante a este tipo de assunto.
Neste encontro, ele então me fala sobre a ausência de resolução em lentes anamórficas, que ele chamou de “ausência de corte”. De fato, a fotografia com lentes esféricas, plana, apresenta um detalhamento nos contornos que a lente anamórfica, principalmente daquela época não consegue. Em tempos recentes, vários diretores apelaram para o Super 35 mm, o “scope plano”, para só depois tirar cópia de distribuição em Panavision (2.35:1).
No lado da trilha sonora do filme, nenhuma surpresa: a M-G-M contava com um estafe dedicado à música e à gravação da trilha sonora. Em Sete Noivas, a trilha musical foi escrita de forma brilhante por Gene de Paul, com letras de Johnny Mercer, este último tendo tomado todo o cuidado de inserção dos versos dentro do contexto do filme.
No que tange à gravação, o estúdio usava o que tinha de melhor, seja em arranjos, captura dos instrumentos, etc. E a edição em Blu-Ray apenas confirma tudo isso, com transcrição em áudio de alta definição, excelente dinâmica e com diálogos direcionais preservados, que se deslocam para o lado do ator na tela.
Os extras originais do DVD foram desta vez transcritos com uma imagem melhor, dois deles com trilha de alta resolução em 5.1 canais. O destaque vai para o curta “MGM Jubilee Overture”, rodado originalmente para comemorar os 30 anos de existência do estúdio.
Embora a versão em DVD não esteja ruim, esta é notoriamente superior, imagem e som. O fã de cinema poderá aproveitar a oportunidade para assistir o maestro Johnny Green, à frente da orquestra sinfônica que deu vida aos musicais da M-G-M. Green foi também um aficionado que fez diversos testes de captura do áudio, para uso em trilhas estereofônicas.
O filme
A trama de Sete Noivas Para Sete Irmãos se concentra na lenda do Rapto das Sabinas, quando mulheres do povo sabino foram abstraídas para se casarem e formarem a primeira geração de patrícios romanos. Entretanto, o título provisório original fala em “Sobbin’ Women”, se referindo a mulheres em pranto, que no roteiro acontece logo após as futuras noivas serem raptadas.
Na realidade, não é difícil perceber que o roteiro se concentra muito mais no tratamento díspar das mulheres, diante das uniões tortas com seus maridos, coisa do tipo “lugar de mulher é na cozinha”. O tom moralista em torno deste disparate vai até próximo do fim do filme onde todos os personagens da família se dão conta de que esta atitude machista está completamente equivocada, e injusta com suas consortes.
Stanley Donen relata que Sete Noivas foi tratado como filme classe B, em favor de Brigadoon, que recebeu melhor orçamento. Tanto que a produção de Sete Noivas foi deslocada para dentro dos chamados “soundstages”, que eram galpões fechados usados para certos tipos de filme.
Quem nunca viu o filme pode até achar que são filmagens ao ar livre, mas foram sets montados com a ajuda de painéis pintados, ou seja, praticamente um filme “de estúdio”. Algumas raras cenas em locação foram feitas com a equipe secundária de filmagem, a chamada “B unit”.
Com a introdução recente do CinemaScope o filme foi rodado duas vezes, mas segundo Stanley Donen, a cópia em widescreen (1.75:1) nunca foi distribuída para qualquer cinema, portanto, segundo ele, uma perda de tempo desnecessária.
Do elenco, quatro dos sete irmãos eram todos dançarinos profissionais: Tommy Rall (Frank), Jacques d’Amboise (Ephraim), Marc Platt (Daniel) e Matt Mattox (Caleb).
Howard Keel, no papel de Adam, era cantor barítono de grande presença nos vários musicais da época, e Jane Powell contribui com significativa beleza e presença na frente da câmera com uma voz de soprano impecável. As noivas e os outros irmãos foram em sua maioria dublados por cantores profissionais.
Dentre as noivas, Julie Newmeyer (depois com o nome artístico de Julie Newmar) ficou famosa na televisão da década de 1960, incarnando o papel de Mulher Gato no seriado Batman. É a que está à direita na foto.
O início do CinemaScope foi uma época gloriosa para os filmes da M-G-M que usaram este formato. É profundamente lamentável que em uma época onde se tem a chance de assistir estes filmes em alta definição, a Warner tenha se restringido de lança-los para o público brasileiro, coisa que não aconteceu quando os mesmos musicais foram lançados aqui em DVD.
E o pior é que a série Archive Collection é distribuída com qualidade de imagem otimizada, aumentando assim mais ainda o prejuízo do consumidor brasileiro.
A toda hora nos dizem que os vídeos em disco estão decadentes e/ou com venda baixa, mas a realidade em outros mercados mostra exatamente o oposto, avançando no disco Blu-Ray 4K com total respaldo do consumidor. Que coisa, hein?
Outrolado_
Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.