No final da década de 70, início dos anos 80, eu e meu irmão Walter, produzíamos curtas com uma antiga câmera Super 8. Escolhíamos um tema, quase sempre o velho mocinhos contra bandidos, chamávamos os amigos, cada um trazia uma roupa: ou yankee ou confederado, árabe ou legionário e começávamos a filmar cenas de batalhas sangrentas e heróicas, imaginadas pela nossa atenta “cultura” hollywoodiana de TV. Naquela época havia apenas cinco canais no Brasil.

Depois, quando conseguíamos juntar algum dinheiro, coisa que podia demorar um, dois ou três meses, íamos à Fotóptica do Shopping Iguatemi e deixávamos o filme Ektacrome para revelar. O rolinho de Super 8 tinha no máximo uns cinco minutos.

O carro você estacionava quase na porta da loja, que tinha um vidrão enorme. Bom, então o negativo ia para não sei aonde.O prazo era de uns 25 dias no mínimo para revelar. A gente ficava ansioso sem saber se tinha ficado bom, se não tinha queimado etc. Chegávamos a esquecer as coisas que tínhamos gravado, de tanto tempo que demorava.

Naquela época, as referências audiovisuais eram: ver TV até cansar, na Globo e no máximo um seriado antigo da Bandeirantes/Record, ir ao cinema com carteirinha falsificada, escutar discos, ver revistas e livros, um projetor de slides… nada mais que eu lembre.

Bom, voltando… Aí chegava o filme revelado… tinha que ir buscar lá no shopping… Depois, com o filme em mãos, precisávamos descolar um projetor de filme Super 8, tínhamos que convencer um tio avô a emprestar o projetor… (15 dias, 30 dias, 45 dias ) em média.

Com o projetor em casa aí sim, podíamos assistir a nossa produção audiovisual. A galera que participou do filme tinha que ir lá em casa para assistir, era longe… Mas era bom demais, sonhávamos em ser mini Bonis, novos Walter Clarks, poderosos Roberto Marinhos ou corajosos Jacques Cousteaus e aí revolucionaríamos o mundo com nossas imagens.

Estou contando esta história do arco da velha para chegar aqui, hoje, onde nossos sobrinhos de 14 anos gravam um vídeo com câmera DV, editam, publicam na web e passam o link por msn para os amigos com a mesma velocidade que, naquele tempo, abríamos o estojo no colégio, puxávamos a carteira Silvapen e fazíamos um desenhinho de um story board.

O Brasil mudou, mas algumas coisas continuam iguais, como por exemplo a distribuição de conteúdo na TV aberta e fechada, ainda na mão de grandes grupos econômicos, políticos e religiosos. Mas existe uma revolução silenciosa que começou com uma palavrinha deliciosamente sonora: streaming, que lembra screaming, ice cream, screening…

Streaming é um óleo Singer que faz com que vídeo e áudio passem entre as paredes das casas, dos fios, dos continentes e permite que a gente produza, edite, publique e assista filmes e vídeos com uma independência jamais sonhada neste Brasil das concessões impossíveis.

Com crescimento da banda larga no Brasil chegando o quase a 1,5 milhões de usuários, começamos a quebrar a sólida formação rochosa da ditadura da TV aberta e fechada.

Os equipamentos de gravação e edição estão bem acessíveis, os computadores muito mais potentes e a banda esta mais numerosa e tocando mais alto. Na classe A e B, turbinada com banda larga, só assiste TV quem quer. Isto já se refletiu nos índices de audiência do Ibope, que apontam uma queda de audiência no horário nobre nas casas mais abastadas.

Ainda não se utilizou o verdadeiro poder do vídeo na web, uma das maravilhas da internet comparável a chegada do messengers e do e–mail. Nenhuma tecnologia jamais controlou tantos como a TV aberta. Ou como diria Churchill, “nunca tantos foram controlados por tão poucos”.

Chegou a hora de mudar. No seu próximo projeto de site, não esqueça de trazer um sofá confortável, contratar um bom produtor independente, um servidor de streaming confiável e deixar a banda passar. Vai ser um excelente teste para o que vem por aí: a TV digital. [Webinsider]

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Marcelo Godoy

<strong>Marcelo Godoy</strong> (marcelogodoy@newtv.com.br) é diretor da <strong><a href="http://www.newtv.com.br" rel="externo">NewTV</a></strong> e um dos organizadores do <strong><a href="http://www.mobilefest.com.br" rel="externo">Mobilefest</a></strong>.