Na medicina, erros são invariavelmente letais, catastróficos ou irreversíveis. Na publicidade não deveriam ser vistos da mesma forma?
Sempre me questiono até que ponto a comunicação deve ser aberta à subjetividade e interpretação. É claro que é um universo que muda constantemente, porque o consumidor muda constantemente. E para que a comunicação seja efetiva, ela deve observar e acompanhar essas mudanças.
Isso me faz acreditar que a publicidade tem muito em comum (ou deveria ter) com a medicina. Alguns pontos são tão parecidos que achei interessante traçar um paralelo entre esses dois universos aparentemente tão distantes:
Paciente vs. cliente
Esquecendo as definições de dicionário, qual a diferença entre os dois? Em essência, é difícil encontrar pontos em que os dois não sejam quase gêmeos:
- Sofrem de algum problema, podendo (ou não) saber que problema é esse.
- Sabem que o conhecimento que possuem não é suficiente para resolver a situação.
- Têm consciência de que existem especialistas no assunto, e que estes, com certeza são a opção mais racional para solucionar o problema.
Nos últimos anos, presenciamos grandes contas descentralizando suas verbas, fazendo rateios e realocando os investimentos em diversas agências, cada uma com sua ?especialidade?.
Caso vs. campanha
Um paciente, ao longo do tempo pode representar diferentes casos, cada um com peculiaridades e tratamentos próprios. Assim são também os clientes: ao longo do tempo, cada cliente deve desenvolver produtos ou serviços diferentes, com necessidades e planos distintos.
Consulta vs. reunião de briefing
Ouvir, perguntar, questionar, descobrir.
Saber qual a situação, do ponto de vista de quem passa por ela, é fundamental e o início de um processo. Quanto mais detalhista e minucioso for o profissional que realiza essa etapa, mais informações relevantes para os próximos passos serão obtidas, economizando tempo, trabalho e esforço de toda a equipe. Uma lógica simples, mas pouco habitual nas agências de comunicação.
Exames vs. pesquisas
Poucas relações são estabelecidas baseadas na confiança plena entre duas partes, e pode ser comprovado nas relações médico/paciente e agência/cliente.
Isso não significa que devemos ignorar todas as informações gentilmente concedidas ou sabiamente extorquidas de cada um deles. Significa sim ir além e se propor a descobrir mais, mais e cada vez mais.
Toda informação está sujeita à subjetividade e interpretações, pelo simples fato de clientes e pacientes serem acima de tudo humanos. Por isso nada como ter opções para confrontar e confirmar fatos.
Assim como exames, pesquisas têm métodos, características e objetivos próprios. Com isso, quanto maior o número de exames/pesquisas diferentes, maior é a assertividade para cada situação.
Diagnóstico vs. entendimento
?Determinação do problema baseado na observação, comparação sistemática entre suspeitas e evidências apresentadas?.
Uma definição, tanto para a medicina quanto para a publicidade.
Em ambos os universos (medicina e propaganda), essa etapa é de extrema importância por ser uma ?divisora de águas?. Deste ponto em diante, tudo se conecta no campo da ação e não mais na teoria.
É claro que novos fatos podem surgir a cada novo passo, podendo fazer este, um processo recorrente e inconstante.
Outra semelhança é a seriedade e frieza necessária para conduzir um bom entendimento: uma má interpretação pode levar a tomadas de decisão equivocadas, o que pode ser fatal para pacientes ou clientes.
Prognóstico vs. estratégia
Uma recomendação correta só pode ser feita com base na plena compreensão de um caso. Da mesma forma, a estratégia só pode ser adequada se estiver alinhada com a compreensão das reais necessidades de cada cliente.
Tratamento vs. tática
O tratamento certo para a doença certa. Cada tática tem características e efeitos próprios, exigindo uma análise detalhada para saber quando e como usar cada uma.
É claro que assim como na medicina, na publicidade existem tratamentos mais genéricos que surtem efeito. Porém, são os mais propensos a efeitos colaterais e seqüelas e isso é um preço muito alto.
Observação vs. acompanhamento
Ter a certeza de que tudo deu certo deve ser fundamental. Toda ação naturalmente provoca uma reação – e saber se essas reações foram as esperadas tem um peso importante para efeito de correção e aprendizado.
Qualquer equívoco, desatenção ou fator-surpresa que possa ocorrer é detectado nesta parte do processo. E é aqui também que os motivos dessas diferenças devem ser questionados exaustivamente até que as respostas apareçam.
Erros na publicidade não são penalizados com a perda do direito de exercer a profissão, ou com a cassação de uma licença.
Talvez seja esse o motivo de ainda existirem tantos profissionais no mercado que vejam espaço para decisões baseadas em feeling só porque ninguém vai morrer no final. [Webinsider]
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Pedro Gonçalves
<strong>Pedro Gonçalves</strong> (phbgoncalves@gmail.com) é formado em publicidade e propaganda e trabalha como mídia na <strong><a href="http://www.agenciaclick.com.br" rel="externo">AgênciaClick</a></strong>
3 respostas
Excelente artigo.
Parabéns realmente retrata a realidade.
…diagnosticar as ?enfermidades? e tratar os ?pacientes? vale tanto para as pessoas quanto para as organizações. Ver as empresas como um todo, de forma orgânica, levou-nos, num primeiro momento, a brincar com a metáfora da clínica, que hoje é levada muito a sério.
http://www.clinicademarketing.blogspot.com
Excelente artigo! Em nossa profissão infelizmente não existe algo como um CRM. É uma pena. Vemos muitos casos de pacientes mal diagnosticados, entorpecidos de remédios caros e desnecessários (para movimentar a indústria farmacêutica vs. veículos de massa), onde o paciente é tratado como mais um número (vrs falta de responsabilidade com a verba do cliente).
Ganham os profissionais sérios que são indicados a dedo por seus próprios clientes.