Vale a pena visitar no site da Biblioteca Nacional os periódicos antigos sobre cinema. Destaque para a revista Cine Repórter, com informações históricas dos fornecedores de material para salas de exibição e cabines.
É profundamente lamentável, mas um número enorme de dados sobre os antigos cinemas está há décadas difíceis de achar, até mesmo em livros sobre o assunto. Uma das mais significativas decepções que eu tive foi quando eu comecei a pesquisar sobre as cabines dos cinemas.
Um grande exibidor carioca, como, por exemplo, Severiano Ribeiro, não guardou um inventário de projetores, segundo eu fui informado quando estive em visita à sede da empresa. Depois, conversando com dois de seus ex-funcionários, eu percebi que a situação era pior do que eu pensava. Isso sem falar que o acesso ao próprio sindicato dos operadores se mostrou infrutífero.
Sem acesso a uma biblioteca especializada em algum assunto é impossível fazer pesquisa bibliográfica. E foi assim que eu quase não consegui fazer trabalho satisfatório nesta área. Por sorte, eu conheci o Ivo Raposo, que corajosamente edificou uma réplica do Metro-Tijuca e até hoje eu o considero uma das pessoas com o melhor volume de conhecimento sobre cabines em geral e sobre as instalações dos cinemas daqui do bairro.
E em um dado momento eu tive o privilégio de conhecer e fazer amizade com Orion Jardim de Faria, um dos mais importantes realizadores da área de cinema no Brasil. Orion sabia tudo de cinema, de produção à exibição. E foi com essas pessoas, junto com o Milton Leal, ex-presidente do sindicato dos operadores, que eu aprendi o que sei até hoje sobre o assunto.
Em anos recentes, o meu leitor João Carlos Reis Pinto me faz um contato via in70MM, e me manda uma generosa contribuição, que ele havia achado: o acervo digitalizado do jornal Última Hora. Através dele eu fiz uma penosa pesquisa, coletando anúncios e datas de filmes projetados em 70 mm no Rio de Janeiro, e no final publiquei esses meus resultados. De certa forma, eu fiquei aliviado nesta pesquisa, porque os meus tempos de 70 mm já se vão muito longe, em grande parte dele eu estava afundado nos estudos e depois na família e no trabalho, ficando assim a memória de qualquer um mais do que falha nos detalhes e datas. O parque de exibição de filmes em 70 mm no Brasil foi enorme, particularmente no eixo Rio – São Paulo.
A digitalização do periódico Cine Repórter
Embora existam indícios de que estariam digitalizadas várias publicações sobre cinema, o fato é que muito pouco deste acervo pode ser achado.
A Biblioteca Nacional Digital (clique em Hemeroteca Digital) possui um acervo considerável do periódico Cine Repórter, abrangendo os números entre 1946 até o início de 1962 (deste ponto até 1966 com poucos números digitalizados).
O leitor pode ter uma ideia da estrutura da revista, que era dedicada principalmente ao mercado exibidor, lendo um número publicado em 1958. O número mostra, por exemplo, que o fabricante de poltronas da marca Kastrup foi o fornecedor de todos os cinemas da cadeia Metro, 3 no Rio e 1 em São Paulo. Algumas dessas poltronas foram salvaguardadas em Conservatória, pelo Ivo Raposo.
A Hemeroteca da Biblioteca Nacional também mostra os números da revista Cinearte, entre 1926 e 1942, mas estes são mais dirigidos aos fãs de cinema do que para a montagem das cabines e salas de exibição. A propósito, entre os anúncios da Cinearte eu achei um sobre o Leite de Colônia, produto de limpeza de pele que é vendido até hoje. A fábrica ficava aqui perto, na Rua Félix da Cunha, Tijuca, e pertencia à família Studart. Na minha época de menino, ao passar por lá, sentia-se o cheiro forte do produto se espalhar pela rua toda. A fábrica ficou longo tempo fechada, e depois cedeu lugar a um edifício qualquer.
Foi muito mais em Cine Repórter que os artigos e anúncios mostravam o movimento nas salas exibidoras.
Na década de 1950 as primeiras aparelhagens com leitor magnético de 4 pistas começaram a ser instaladas nos cinemas, para exibir filmes em CinemaScope com este tipo de trilha. Foi nesta época que a marca americana Simplex teve nos modelos X-L o seu grande momento no mercado exibidor carioca, particularmente nas instalações do grupo Severiano Ribeiro.
O Simplex X-L continuou sendo a base dos projetores montados pela Strong, com o nome de PR-1014 (ou Simplex 35), largamente usado nas salas tipo cineplex stadium.
Os projetores Simplex originais foram usados nas instalações dos cinemas da cadeia Metro, com cabeças magnéticas Westrex R10. Dois desses projetores estão devidamente preservados na réplica do Metro-Tijuca, em Conservatória. Segundo especialistas, o Simplex era um projetor “feito para durar”. E foi mesmo!
Na revista Cine Repórter aparecem também anúncios de diversos fabricantes brasileiros, entre eles os projetores Triumpho, empresa criada por Rocco Canteruccio, associado a Cosmo Lamanna, em São Paulo:
Pode-se ver também o anúncio dos projetores Incol, bem antes do modelo 70/35, usado para Super Cinerama e 70 mm plano:
Triumpho e Incol competiram durante anos pela instalação em cabines de cinema, com capacidade de enfrentamento das melhoras marcas norte-americanas, como Simplex, Century, ou dos projetores ingleses Gaumont-Kalee.
Recomendada para estudiosos e fãs de cinema
Se não fosse pelas pessoas acima mencionadas neste artigo, eu estaria a ver navios, literalmente, sem ter noção da herança cinematográfica que foi deixada para trás. A ausência constrangedora de um museu de cinema foi decisiva neste processo.
A iniciativa de Conservatória fez o Ivo Raposo se preocupar em mostrar aos visitantes uma série de projetores, dois dos quais da marca Prevost para 35 e 70 mm, os quais eu tive a chance de ver funcionando, quando estavam instalados em uma das cabines do Ivo.
Em duas ocasiões distintas eu vi projetores em exposição, um deles na entrada lateral do supermercado Extra e outros dois no UCI da Barra da Tijuca, que eu pretendo mostrar em artigo próximo. O do Extra eu não cheguei a me aproximar para ver que projetor era aquele e/ou porque ele foi colocado ali.
Só isso não basta, no que me concerne a ideia de exibição de projetores deveria estar inserida no contexto de um museu com esta finalidade.
Enquanto isso, eu recomendaria a todos os interessados em pesquisa de cinema a vasculhar a hemeroteca do site da Biblioteca Nacional. É bom lembrar que acervos similares são pagos e de difícil acesso a quem precisa. Portanto, aproveitem. Outrolado_
. . .
Leia também:
A minha primeira experiência em uma sala de cinema com Dolby Atmos
Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
12 respostas
Me chamo João, ex-operador de cinema nas épocas de 1970, trabalhei com todos esses aparelho que vocês mostraram, tenho orgulho disso, vocês deveriam mostrar mais modelos, sei que existiram dezenas delas, eu queria saber os tipos de carvão positivo e negativo que existiam na época, quem eram os fabricantes e o endereço, por favor, pois vou fazer um trabalho sobre maquinas de cinema, e seria importante mostrar o tipo de iluminação da lanterna, por favor, me ajudem, trabalhei no cine Windsom, com uma máquina Italiana, no cine Olido trabalhei com o modelo Phillips, no cine Rio Branco trabalhei com a máquina Incool, trabalhei com a máquina Simplex X-L, todos operadores gostavam dessa máquina, tinha máquinas pequenas e monstros, nós operadores viviamos
no mundo do cinema, qual o endereço de vocês, teria o prazer de visita-los, matar as saudades,
Caro João,
Este texto foi publicado em 2019, segundo eu vi nos arquivos, uma época em que tinha mais informações do que hoje, e neste momento a sua melhor fonte de informação sobre o carvão usado em lanternas seria o Ivo Raposo, que, como você já soube, construiu a réplica do Metro-Tijuca e tem continuamente um acervo de vários projetores, desde a bitola de 8 mm até 70 mm.
Eu me lembro que o Ivo comentou comigo que um senhor, cujo nome me esqueço agora, era um distribuidor de carvão para os cinemas do Rio de Janeiro, e que, em 1963 em diante, construiu os Cinemas Veneza (localizado na Avenida Pasteur, Urca) e Comodoro (que ainda está na Rua Haddock Lobo, e virou igreja). Esses dois cinemas foram equipados com aparelhagem Incol, o Veneza depois instalou depois os Incol 70/35, para os filmes em 70 mm. Infelizmente, o Orion Jardim de Faria já faleceu anos atrás, e ele teria sido a sua melhor fonte quanto ao proprietário desses cinemas.
A propósito, se você foi operador no Windsor, deve ter trabalhado, imagino, com os Philips DP-70. Anos atrás, eu recebi algumas fotos da antiga cabine do Windsor, com os Philips ainda lá. Veja em: https://www.in70mm.com/news/2012/windsor/index.htm
Bem, eu vou repassar o seu pedido para o Ivo Raposo, e ele, tenho certeza, vai te ajudar no seu projeto. Encaminhei o e-mail que você deixou no site, assim, por favor aguarde o contato dele. Caso você queira fazer uma visita a ele, só indo a Conservatória, RJ, mas isso você acerta com ele, ok?
Sobre esse assunto, escrevi um artigo nessa revista: https://issuu.com/recam/docs/revista_mercosur_audiovisual_web
Abs
Rafael
Oi, Rafael,
É um absurdo negligenciar a memória impressa, uma das poucas que nos restam. E eu te parabenizo pela iniciativa de fazer qualquer tentativa em sentido contrário.
As bibliotecas brasileiras são surrealistas. Quando eu fui na Biblioteca Nacional tentar copiar anúncios em jornal da época do 70 mm não me deixaram entrar com câmera ou celular, cobravam por qualquer imagem e ainda te obrigavam a ir ao Banco do Brasil pagar aquela taxa.
Lá em Cardiff, se eu precisasse de um CD-ROM do Index Medicus a bibliotecária ia na estante e me dava. Aqui no Hospital Universitário a bibliotecária queria me cobrar pelo uso, mesmo sabendo que eu era professor na Faculdade de Medicina. Na época, eu recorri a uma bibliotecária do Centro de Ciências da Saúde, que me conhecia desde que o prédio foi inaugurado em 1973. Mas, como ela me fez uma cortesia de me ceder os discos, eu fiz outra consertando o computador que estava na mesa dela. Chega???
Essa maluquice só acabou quando a CAPES, se não me enganou, cedeu o login do Index Medicus para leitura e download. Eu havia insistido com o diretor do HU em cabear o nosso laboratório, e isso foi um dos benefícios resultantes que conseguimos.
Eu não acredito que país ou instituição que emperre ou negue a pesquisa acadêmica possa se colocar na fronteira de qualquer coisa, mas eu não precisaria dizer isso justamente a você.
Sobre esse assunto, escrevi um artigo nessa revista: https://issuu.com/recam/docs/revista_mercosur_audiovisual_web
Abs
Rafael
Oi, Rafael,
É um absurdo negligenciar a memória impressa, uma das poucas que nos restam. E eu te parabenizo pela iniciativa de fazer qualquer tentativa em sentido contrário.
As bibliotecas brasileiras são surrealistas. Quando eu fui na Biblioteca Nacional tentar copiar anúncios em jornal da época do 70 mm não me deixaram entrar com câmera ou celular, cobravam por qualquer imagem e ainda te obrigavam a ir ao Banco do Brasil pagar aquela taxa.
Lá em Cardiff, se eu precisasse de um CD-ROM do Index Medicus a bibliotecária ia na estante e me dava. Aqui no Hospital Universitário a bibliotecária queria me cobrar pelo uso, mesmo sabendo que eu era professor na Faculdade de Medicina. Na época, eu recorri a uma bibliotecária do Centro de Ciências da Saúde, que me conhecia desde que o prédio foi inaugurado em 1973. Mas, como ela me fez uma cortesia de me ceder os discos, eu fiz outra consertando o computador que estava na mesa dela. Chega???
Essa maluquice só acabou quando a CAPES, se não me enganou, cedeu o login do Index Medicus para leitura e download. Eu havia insistido com o diretor do HU em cabear o nosso laboratório, e isso foi um dos benefícios resultantes que conseguimos.
Eu não acredito que país ou instituição que emperre ou negue a pesquisa acadêmica possa se colocar na fronteira de qualquer coisa, mas eu não precisaria dizer isso justamente a você.
Oi, Paulo. Existiram muitos periódicos brasileiros dedicados ao mercado exibidor e distribuidor, mas infelizmente poucos foram inteiramente preservados e quase nenhum está digitalizado, como o Cine Repórter. Mas eu faço parte de um projeto que, em breve, digitalizará outras revistas muito importantes, como Projeção e O Exibidor. Outra mais antiga e fundamental, Cine Magazine, tem uma coleção completa na Biblioteca Nacional, que consultei em papel e até hoje infelizmente não foi digitalizada.
Oi, Paulo. Existiram muitos periódicos brasileiros dedicados ao mercado exibidor e distribuidor, mas infelizmente poucos foram inteiramente preservados e quase nenhum está digitalizado, como o Cine Repórter. Mas eu faço parte de um projeto que, em breve, digitalizará outras revistas muito importantes, como Projeção e O Exibidor. Outra mais antiga e fundamental, Cine Magazine, tem uma coleção completa na Biblioteca Nacional, que consultei em papel e até hoje infelizmente não foi digitalizada.
Que magnífica reportagem, nos fazendo ter a sensação que entramos em um túnel do tempo. Os empresários deste pais não imaginam o potencial de uma sala de cinema em municípios pequenos, até como uma fonte de lazer e cultura para a população. Geraria empregos; tirariam jovens, casais, famílias de casa, da frente da TV, computador, vídeo game etc… Se eu tivesse capital e morasse numa dessas cidadezinhas, arriscaria fácil a abertura de uma sala de cinema. Nem que por questões de custo não exibisse os Blockbusters. Os equipamentos poderiam ser encontrados de cinemas desativados. Sabe Paulo nas grandes metrópoles as salas de cinema só resistem em Shoppings. Mas se alguém se dispuser, ainda existe espaço para explorar este tipo de entretenimento fora dos grandes centros. Creio que daria certo. Não custa nada algum empresário abraçar esta ideia !
Rogério, o problema maior de manter um cinema é o custo operacional, muito mais difícil em cidades pequenas. Isto é particularmente verdadeiro para os classificados como “cinemas de rua”. Além disso, o aluguel de cópias acaba dando prejuízo ao exibidor, caso não consiga compensar a despesa com o aumento de receita, que foi basicamente o motivo pelo qual muitos cinemas fecharam as portas ao longo do tempo.
A minha filha esteve recentemente em Camboriú, e me mandou mensagem quando passou por um museu localizado na cidade (https://www.misbc.com.br/), contendo peças de um exibidor local. Sabe-se que Camboriú chegou a ter uma sala de Cinerama 70. Pela foto que a minha filha me mandou, um dos projetores em exposição me pareceu ser um Cinemeccanica, provavelmente modelo Victoria-10 (https://www.misbc.com.br/copia-localizacao?lightbox=dataItem-jwbnjj1f4). O dono do museu revela pelo YouTube que só sobrou uma sala, que fica próxima ao museu, e acho que já é muito.
Que magnífica reportagem, nos fazendo ter a sensação que entramos em um túnel do tempo. Os empresários deste pais não imaginam o potencial de uma sala de cinema em municípios pequenos, até como uma fonte de lazer e cultura para a população. Geraria empregos; tirariam jovens, casais, famílias de casa, da frente da TV, computador, vídeo game etc… Se eu tivesse capital e morasse numa dessas cidadezinhas, arriscaria fácil a abertura de uma sala de cinema. Nem que por questões de custo não exibisse os Blockbusters. Os equipamentos poderiam ser encontrados de cinemas desativados. Sabe Paulo nas grandes metrópoles as salas de cinema só resistem em Shoppings. Mas se alguém se dispuser, ainda existe espaço para explorar este tipo de entretenimento fora dos grandes centros. Creio que daria certo. Não custa nada algum empresário abraçar esta ideia !
Rogério, o problema maior de manter um cinema é o custo operacional, muito mais difícil em cidades pequenas. Isto é particularmente verdadeiro para os classificados como “cinemas de rua”. Além disso, o aluguel de cópias acaba dando prejuízo ao exibidor, caso não consiga compensar a despesa com o aumento de receita, que foi basicamente o motivo pelo qual muitos cinemas fecharam as portas ao longo do tempo.
A minha filha esteve recentemente em Camboriú, e me mandou mensagem quando passou por um museu localizado na cidade (https://www.misbc.com.br/), contendo peças de um exibidor local. Sabe-se que Camboriú chegou a ter uma sala de Cinerama 70. Pela foto que a minha filha me mandou, um dos projetores em exposição me pareceu ser um Cinemeccanica, provavelmente modelo Victoria-10 (https://www.misbc.com.br/copia-localizacao?lightbox=dataItem-jwbnjj1f4). O dono do museu revela pelo YouTube que só sobrou uma sala, que fica próxima ao museu, e acho que já é muito.