O cinema não foi chamado de “sétima arte” à toa. Ele foi o maior meio de comunicação do século passado, graças à capacidade das câmeras de levar quem assiste a mundos diversos, em um processo de catarse sem precedentes.
Se, por acaso, alguém um dia me perguntasse porque o cinema foi uma das artes mais populares e profícuas do século 20, eu responderia, sem hesitação, que o que se vê nas telas de cinema é pura fantasia para quem assiste, necessária à vida de qualquer um, e porque a câmera tem o poder de levar a plateia a lugares às vezes impossíveis de serem visitados.
O grande mérito do cinema é, tal como na projeção da lanterna mágica, a habilidade de contar uma estória, levando quem assiste à imaginação de que tudo aquilo é real. Diz a lenda que, em uma das primeiras projeções dos irmãos Lumiére, o público ficou assustado com a cena da chegada de um trem na estação ferroviária. O susto teria sido causado pela sensação de que aquele trem iria invadir a sala onde o filme estava sendo exibido.
E basta observar que, logo depois, o cineasta Georges Méliès desenvolveu métodos de filmagem de efeitos fotográficos, que criavam a ilusão de fantasias impossíveis de serem vividas por qualquer ser humano em suas vidas fora dos cinemas.
Mas, foi nos estúdios de Hollywood onde a exploração da aventura e da fantasia atingiu a sua maior expressão nas telas, ao longo da década de 1920. Os cineastas americanos aprimoraram a noção do contar de uma estória (“story telling”), e também a elaboração de técnicas conhecidas como a suspensão da descrença (“suspension of disbelief”).
Essas técnicas foram, inclusive, a base de todos os recursos do cinema de animação, principalmente os desenvolvidos por Walt Disney. Quando ele Disney se envolveu na realização de um longa-metragem de animação, todo mundo achou que ele estava ficando maluco. Mas, Branca de Neve e os Sete Anões foi um absoluto sucesso de público. Ficou claro que Disney apostou na imaginação das pessoas que assistem um filme, sendo incapazes de dissociar animação de realidade.
É o transporte para um mundo de ficção um dos mais importantes processos de catarse, diante dos problemas e situações adversas que qualquer um vive no dia a dia. Ao assistir um filme fantasioso, o espectador é transportado para um outro universo, onde ele pode viver a vida do personagem, seus dramas e/ou suas alegrias. Dependendo do filme e de quem assiste, é possível sair do cinema com a alma lavada!
Os truques de fotografia
No filme musical da MGM “Royal Wedding” (no Brasil, Núpcias Reais), o genial Fred Astaire dança nas paredes e no teto, em uma cena antológica, feita com o auxílio de um set rotativo, ilustrado por um canal de animação e publicado no YouTube, que eu compartilho:
O estúdio da MGM foi também um dos articuladores na fusão de cenas com atores, junto com personagens das animações que eles tão bem desenvolveram, como as de Tom & Jerry. Em um desses filmes, Jerry dança com Gene Kelly e lá pelas tantas ele diz “eu estou dançando”. E estava mesmo. Os animadores da dupla conseguiram concatenar movimentos, usando técnicas de rotoscope, entre a animação e os atores.
O rotoscope é um método de animação, que usa cenas com atores para emular movimentos. A técnica foi extensamente usada pelos animadores de Walt Disney, vide, por exemplo, Cinderela, ou A Bela Adormecida.
Em Mary Poppins, o compósito de imagens de atores com animação atingiu o seu ápice, graças à engenhosidade de Ub Iwerks, que usou a iluminação com sódio, para eliminar os halos que podiam ser vistos nos contornos das cenas.
Iwerks, criador do Mickey Mouse original, foi também um pioneiro no campo da animação, criando o seu próprio estúdio na década de 1930, onde ele usou o processo de cores com dois negativos, denominado ComiColor, nome de fantasia do processo Cinecolor, durante o período prévio ao Technicolor, de 3 negativos.
Embora Iwerks não tenha tido o sucesso esperado, ele retornou para os estúdios de Walt Disney, onde desenvolveu vários novos projetos de superposição de imagens, usados por outros cineastas. Ele foi indicado ao Oscar na sua colaboração em efeitos especiais no filme Os Pássaros, de Alfred Hitchcock.
O cenário fictício
Nem sempre é possível criar cenários ou incluir personagens do filme em um local específico. O mais importante método para resolver isso foi a criação do “Matte Painting”, processo para o cinema inventado pelo diretor pioneiro Norman Dawn, em 1907. Com este método cenários podem ser criados (pintados) em compósitos, fotografados diretamente na câmera ou montados posteriormente na pós produção.
Uma explicação mais didática deste processo é mostrada no vídeo compartilhado a seguir:
O processo de compósitos se tornou inacreditavelmente mais sofisticado com o advento das interfaces gráficas (CGI), usadas no cinema moderno, com o uso de computadores, e programas capazes de substituir as pinturas anteriormente usadas em compósitos.
O número de recursos gráficos atuais cresce a todo momento. Mas, o seu objetivo continua o mesmo: criar fantasia, incentivar a imaginação do público e propiciar a criação de uma atmosfera de aventura nas telas de cinema. Foi assim que o cinema arregimentou o seu público através das décadas, e por causa disso ele nunca irá morrer.
O reverso da medalha
Por ser uma atividade que sempre envolveu muito dinheiro e criação de celebridades, o cinema de Hollywood também teve o seu lado podre: corrupção, escândalos, gangsterismo e outras facetas que sujaram a imagem dos grandes estúdios, ao longo do tempo.
Hollywood foi também acusada de exagerar na ficção, e por causa disso apelidada de “La La Land” (terra da fantasia, no sentido pejorativo) ou “Tinseltown” (cidade de ouro falso), e essas acusações vieram principalmente de pessoas que se desiludiram da vida por lá.
Os grandes estúdios ganharam a fama de ter funcionários encarregados de abafar escândalos. Atores e atrizes tiveram as suas vidas pessoais destruídas, e muitos deles explorados pela ganância dos grandes poderosos.
Em tempos recentes, com o espalhamento da informação, certos escândalos se tornaram difíceis de abafar, como foi, por exemplo, o caso de atrizes que foram molestadas por produtores, para conseguir emprego, ou de atores que se valeram do prestígio para constranger colegas de trabalho.
Tudo isso, é claro, não é considerado literalmente pelo grande público, caso contrário o cinema como arte já teria morrido há muito tempo. Eu sou um que fui cineclubista em dois momentos diferentes da minha vida, e nunca vi nenhum comentário de um fã de cinema a respeito do lado podre dos estúdios.
Sorte nossa, que ainda somos capazes de assistir, por exemplo, O Mágico de Oz, e não levar em conta que Judy Garland foi explorada e constrangida por L. B. Mayer, talvez porque uma coisa se difere da outra: uma é a obra do cinema, e a outra é a ganância exploratória dos magnatas de estúdio. Fãs de cinema irão sempre lamentar o que de ruim a atriz passou, mas nem por isso deixarão de reconhecer o seu talento natural que ela trouxe ao cinema! [Webinsider]
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A Segunda Guerra Mundial, eterno pano de fundo em filmes e seriados
Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
2 respostas
Olá Paulo…
Sou suspeito para comentar essa sua brilhante matéria sobre o maior espetáculo da Terra criado pelo homem. O cinema possuí uma particularidade de permitir que o ser humano possa se desligar da realidade e do mundo, pelo período de exibição de um filme. A nossa mente entra em um efeito emersivo em que seus sentidos ficam integrados a trama naquela realidade. Neste planeta que vivemos existiram gênios como Einstein e tantos outros, mas os irmãos Lumière foram um dos maiores deles, pois com sua criação eles permitiram o ser humano viajar sem sair do lugar. O cinema pode ter mudado o formato de exibição, mas a sua essência nunca irá desaparecer. Parabéns Paulo por nós trazer essa janela sempre aberta para contemplar essas estórias !!!
Oi, Rogério,
Obrigado pela leitura e pelos elogios.
O conceito de “imersão” continua predominando, vide o Dolby Atmos e similares.
Mas, para isso é preciso assistir ao filme concentrado nas cenas, não é mesmo? Eu já me sentei em lugares onde alguém próximo fica comentando o filme o tempo todo. Deu vontade de mandar calar a boca! Uma vez, eu me sentei ao lado de alguém que lia as legendas em voz alta, para uma outra pessoa do lado, que devia ser analfabeta. Não é insuportável? Em mais de uma ocasião, eu tive me achar outro lugar no cinema para sentar.