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Músicas e letras belíssimas. Lupiscínio e ar irmãs Batista

Músicas e letras belíssimas nos mais diversos gêneros têm o poder de nos emocionar na alegria e na tristeza.

À medida em que a gente cresce e depois começa a reparar no que se está ouvindo, duas coisas passam a ser perceptíveis: a primeira, no tom alegre ou melancólico da melodia, e a segunda, no sentimento expresso pelo autor da música e da letra.

A minha ligação com a música já nasceu comigo. A minha mãe me contava que quando eu atingi nove meses de vida eu comecei a chorar sem parar e sem motivo aparente. Mas, um belo dia, a minha tia, irmã dela, e a sua cunhada, chegaram em casa com o disco 78 rpm com a música de Lupiscínio Rodrigues “Vingança”, cantada por uma das irmãs Batista. Quando o disco tocou, eu parei imediatamente de chorar e prestei atenção no som que vinha da vitrola. Este incidente, que me fora relatado quando criança, virou uma espécie de folclore familiar.

Por isso, eu posso dizer que a sensibilidade para a música já nasceu comigo. Quando eu já era menino, a mamãe me deixava com uma pilha de discos 78 rpm, e a minha babá (pois é, eu tive uma…) ficava ao lado tomando conta. O toca-discos tinha uma tecla com o rótulo “Repeat”, que eu acionava várias vezes para ouvir de novo a mesma música. Na volta, a mamãe perguntava para a babá se eu tinha dado trabalho, e ela então contava que eu havia passado a tarde toda ouvindo música!

E isso é hereditário: a minha filha mais velha toda vez que a gente tocava certos discos ela dizia “de novo”, e ouvia aquilo um monte de vezes!

Na fase de adulto, e já com uma ideia do que esperar da vida, eu ficava admirado de ter gostado de uma música tão deprimente quanto Vingança. A resposta foi óbvia: porque soava bem!

Lupiscínio, um mestre compositor, diz na letra que a sua ex-amada foi achada enchendo a cara em um bar, sendo o “remorso” a possível causa do seu desespero, mas nem assim ele lhe deixou de desejar a tal “vingança”, clamando pelos santos para que ela se concretizasse!

A tristeza e a depressão na música brasileira

O drama de Lupiscínio foi pouco, perto do pessimismo depressivo do compositor Antônio Maria. Em “Ninguém Me Ama”, ele já começa assim:

Ninguém me ama, ninguém me quer

Ninguém me chama de meu amor

A vida passa, e eu sem ninguém

E quem me abraça não me quer bem

E lá pelo fim da música, ele emenda:

E hoje descrente de tudo me resta o cansaço

Cansaço da vida, cansaço de mim

Velhice chegando e eu chegando ao fim

Nat King Cole gravou esta música para o disco A Meus Amigos, inclusive com uma versão em espanhol no disco americano. E porque ele faria isso? Porque a melodia é primorosa, e a letra, bem, ela narra a realidade de uma pessoa solitária, que acaba a vida sozinha!

Uma letra cujo pessimismo sempre me deixou surpreso foi a da belíssima música de Natal criada por Assis Valente, com o título “Anoiteceu”.

Logo no início ela diz:

Anoiteceu, o sino gemeu

E a gente ficou feliz a rezar

Papai Noel, vê se você tem

A felicidade pra você me dar

Mas, no fim, arremata:

Já faz tempo que eu pedi

Mas o meu Papai Noel não vem

Com certeza já morreu

Ou então felicidade

É brinquedo que não tem

O compositor, com um repertório de músicas lindas, e que teve importante presença na Rádio Mayrink Veiga, suicidou-se aos 46 anos, deixando um bilhete com palavras amargas.

Nem a Bossa Nova se livrou desta herança

Justiça seja feita, quando o movimento da Bossa Nova começou, vários dos seus compositores tinham intenção de deixar a tristeza e a depressão para trás (“Chega de Saudade”) e celebrar a contemplação da vida carioca, o que de fato fez parte das raízes do movimento e da criatividade de seus compositores. O Rio de Janeiro da década de 1950 tinha a sua beleza natural aliada ao espírito pacífico e cordial dos seus habitantes, o que contaminou as músicas da Bossa Nova.

Mas, se observarmos bem, na letra da antológica Garota de Ipanema, por exemplo, Vinícius de Moraes constata e relata a sua solidão, e a sua tristeza:

Ah, por que estou tão sozinho?

Ah, por que tudo é tão triste?

Somente no final, ele se redime:

Ah, se ela soubesse que quando ela passa

O mundo inteirinho se enche de graça

E fica mais lindo por causa do amor

Garota de Ipanema é uma música contemplativa, como a maioria das músicas da época. A alma do poeta nos diz o que ele está admirando, ao lado da constatação da sua solidão.

Outro exemplo está na linda composição dos irmãos Valle “Eu preciso aprender a ser só”. O título da música já diz tudo, e na letra vem:

Eu assim tão só

E eu preciso aprender a ser só

Poder dormir sem sentir teu calor

A ver que foi só um sonho e passou

Mais adiante, a constatação do sofrimento sem fim de uma pessoa apaixonada:

Ah, o amor

Quando é demais ao findar leva a paz

E no final, o apelo:

Por Deus entenda que assim eu não vivo

Eu morro pensando no nosso amor

As harmonias de todas essas músicas desmentem, de certa forma, o conteúdo pessimista. Há sempre um tom contraditório na melodia, diferente dos antigos sambas-canções do passado.

O Blues é só tristeza!

A palavra “Blue” se refere à tristeza. Uma das primeiras vertentes da música jazzística é o Blues. Ele foi a base de tudo o que veio pela frente. Na fase pré Louis Armstrong, as cantoras de Blues, vide Bessie Smith, as músicas eram choradeira pura. Louis mudou a forma de tocar o Blues, associando a beleza musical como contraste. Uma das suas maiores expressões musicais foi o uso constante das chamadas “Blue Notes”, que são notas semitonadas, ligeiramente diferentes das notas da escala musical, ficando entre uma nota e outra, e encarnando o espírito do Blues.

O historiador e crítico Gary Giddins disse uma vez que Louis Armstrong passou a tocar mais lento com o correr da idade, mas ele tocava notas de fazer os anjos chorarem. Não só os anjos, eu já vi gente chorando ao ouvir as blue notes em tons agudos tocadas por Armstrong.

Tanto o Blues quanto o Fado têm a mesma conotação de tristeza. As fadistas que eu vi cantando se vestiam de preto, parecia que estavam de luto!

Não sei quanto ao Fado, mas o Blues é a decorrência óbvia da situação dos negros escravizados. Antes dele, existiam as chamadas “canções de trabalho” (Work Songs), e depois os “Spirituals”, ou relativos às músicas espirituais, cantados nas igrejas. Não foi, portanto, de se admirar que muitas cantoras modernas de Jazz tivessem começado cantando em corais de igrejas.

O Blues já foi modificado algumas vezes, mas essencialmente ele é um tipo de música que evoca os sentimentos mais nobres de qualquer ser humano, daí talvez nunca ter morrido no gosto dos seus apreciadores.

Finalmente, é importante observar que na música erudita também todos os sentimentos afloram, seguindo movimentos distintos e autores que colocam as suas extremadas emoções em suas composições. Cabe à quem ouve sentir ou não as mensagens ali contidas, e isso vai depender muito da sensibilidade de cada um!  [Webinsider]

 

 

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Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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3 respostas

  1. Como é bom poder ter acesso a essas pérolas da boa música dos tempos idos….! E, concomitantemente, conhecer um pouco da sua vivência musical!
    Sem sombra de dúvida esse universo que permeia sua existência possibilita que uma rede de informações chegue a cada um de nós que tem sede de cultura musical!

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