Louis Armstrong, o menino de origem humilde que reinventou o Jazz

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Louis Armstrong foi reconhecido aqui como a personificação do Jazz, e era mesmo. Foi com ele que eu aprendi o real significado deste gênero de música. Louis revolucionou o Blues, base até hoje da improvisação jazzística.

 

Eu acho que eu devia ter cerca de 13 ou 14 anos de idade, quando eu comecei a entender e “sentir” o estilo de música chamado de Jazz. Foi meu compadre, que trocava trompete na época, quem me ensinou os primeiros passos naquela direção. O primeiro músico a me mostrar o mais puro sentimento jazzístico foi, por coincidência, nada menos do que Louis Armstrong, uma mistura de dor e alegria, que perdurou até o fim da sua vida.

O mais inacreditável desta história é que anos mais tarde eu comecei a ler livros sobre o Jazz, e aí tomei conhecimento da história de grande dificuldade deste grande músico: filho de William Armstrong e Mary (Mayann) Albert, ele nasceu em 4 de agosto de 1901, mas teve uma infância de menino pobre, em um bairro ultra perigoso de New Orleans. O pai abandonou sua mãe com Louis ainda menino.

Dizem seus biógrafos que Louis logo cedo foi trabalhar para ajudar a mãe, que havia se prostituído. Ganhou algum dinheiro em uma família do lado judeu de New Orleans e com ele comprou o primeiro trompete. Mas, logo a seguir, aos 11 anos de idade, foi preso por arruaça na rua e enviado ao “New Orleans Home for Colored Waifs”, uma espécie de orfanato para negros. Foi neste local que ele conheceu Peter Davis, que o ensinou a tocar trompete corretamente.

 

Louis Armstrong, ao lado da mãe e da irmã.

 

A história a seguir é longa e pode ser encontrada em qualquer site com dados biográficos, como o Wikipedia ou no próprio site da memória do músico, com uma linha de tempo bem resumida.

Basta dizer que a reputação de Louis Armstrong como um trompetista diferenciado não chegou logo a surgir. Quem o acompanhou desde início relata de Joe “King” Oliver, que se tornara seu mentor, usava um lenço no trompete, de modo a impedir Louis e outros de saber o que ele estava fazendo com o instrumento.

Louie foi apelido de Satchel Mouth (boca de caçapa ou boca de sacola), ou pela corruptela Satchmo ou Satch, que ele usou artisticamente a vida toda.

Louis Armstrong se iniciou como solista nas orquestras onde atuou, algo inédito na época. Seu som, bastante forte e distinto dos demais trompetistas, deu a ele uma assinatura que o tornou um grande inovador. As notas agudas, altíssimas, passaram a simbolizar uma forma moderna de interpretar o Blues, com todo o sentimento jogado em cada nota tocada.

Diz a lenda que durante a gravação de Heebie Jeebies ele deixou cair a partitura com a letra, e para não parar a gravação ele começou a cantar a letra com sílabas desconexas e sincopadas, método este denominado de Scat Singing. Na realidade ele não foi o primeiro músico a usar este recurso, mas por causa da maneira como ele cantou, acabou sendo reconhecido como o pai do Scat Singing jazzístico. E posteriormente foi seguido por muitos outros cantores, copiando o seu estilo e colaborando com novas linhas de execução, vide Ella Fitzgerald, por exemplo.

 

Gravações com orquestra

Durante a década de 1930 Louie gravou com orquestra. O processo técnico daquela época era rudimentar (o corte da matriz era feito direto em um disco de cera), mas começou a ser recuperado, primeiro com a antologia da RCA com o título A Rare Batch of Satch, editado no Brasil.

Na década de 1990, todos os fonogramas foram submetidos ao então novo processo de redução de ruído “NoNoise”, da Sonic Solutions, e compilados novamente com o título Laughin’ Louie, título de uma das músicas.

A seguir, eu mostro a gravação de High Society, minha favorita. O leitor irá notar que a gravação começa com uma pequena introdução falada sobre a música, comum naquela época. Nota-se também uma disparidade de virtuosidade entre Louis e os demais membros da orquestra:

 

 

Uma das músicas contidas no álbum da RCA é Laughin’ Louie, que deu título ao segundo disco. Trata-se de uma brincadeira feita com a orquestra, que o estúdio decidiu registrar. A impressão inicial é que todo mundo lá dentro estava intoxicado, frente ao monte de besteira ditas uns para os outros. Só que lá pelo final da brincadeira, Louis pega o trompete e dá um show de virtuosidade, tocando notas quase impossíveis de alcançar:

 

 

A maturidade do músico

Vários dos seus companheiros de conjunto, primeiro orquestra, depois grupos menores como o Hot Five, por exemplo, sabiam que desde o início Louis Armstrong fazia uso de maconha. Aliás, não foi o único, e eu tive a chance de ver Dizzy Gillespie fumar um baseado atrás do palco do Super Bruni 70, quando ele deu um show por lá.

Depois de fumar, sempre antes das execuções, Louis começava a falar para os outros “I am ready, I am ready” (Estou pronto…) e entrava excitado onde quer que fosse. Não só isso, mas se alguém prestar atenção o grande Stachmo frequentemente virava os olhos para cima, buscando inspiração. Os místicos atribuem este tipo de olhar como “a busca do alfa cerebral”, ou algo parecido.

Infelizmente, a busca de inspiração e energia nas drogas o levou a seguidos infartos do miocárdio, tanto que nos anos finais ele já evitava fazer força e não tocava mais.

Mesmo assim, continuou fazendo sucesso com as suas interpretações vocais. A Kapp Records gravou com ele o disco “Hello Dolly”. O disco foi lançado em 1964, mas em 1969, Gene Kelly dirigiu uma mega produção com o mesmo título. O filme foi realizado em Todd-AO e apresentado em Cinerama 70 mm. A única cena decente deste filme, na minha opinião, é justamente quando Louis aparece em cena.

Em um dado concerto, o público começou a gritar pedindo “Hello Dolly”, e Louie pergunta a um dos músicos “que diabo de Hello Dolly é isso?”, quando então o músico lembra a ele que a música tinha sido gravada para a Kapp. Daí para frente, ele não esqueceu mais, o disco havia sido um tremendo sucesso de vendas!

Louis Armstrong no Brasil

Louie viajou para diversos países e continentes, levando consigo o grupo All Stars de um dado momento. Aqui no Rio ele se apresentou para um Maracanãzinho lotado. Infelizmente, isso aconteceu em 1957, e eu nem sonhava saber o que era Jazz.

Por aqui ele se encontrou com músicos locais e foi recebido pelo Presidente da República Juscelino Kubitscheck, o famoso JK. Com toda a justiça, ele foi recebido como a personificação do Jazz, e era mesmo.

 

Eis aí um flagrante com a cantora Angela Maria, de grande prestígio no Rádio:

 

Uma vida difícil, compensada por triunfos pessoais

Joe Muranyi, clarinetista de um dos seus últimos All Stars, confirmou uma frase atribuída a Louis Armstrong, a respeito da segregação racista no sul norte-americano contra os negros. Louie disse a ele: “Lá estava eu em Oklahoma, com dois mil dólares no bolso, e nenhum lugar para comer”.

Muitos músicos de Jazz negros, principalmente aqueles acompanhados por músicos brancos, tiveram muitas dificuldades de se apresentar em cidades sulistas da América, e Louis Armstrong não foi exceção. O fato foi tema de uma cena do filme “Bird”, dirigido por Clint Eastwood, sobre a vida complicada do saxofonista Charlie Parker.

Por sorte, Louis sempre foi reconhecido como o pioneiro, que ele de fato era, homenageado por vários de seus pares:

 

https://youtu.be/Ueed8Xt46vI

 

Louis Armstrong, com o peso da idade e dos problemas cardíacos, passou a tocar as suas célebres notas agudas com uma duração maior e menos cadenciada. Gary Giddins, scholar e historiador, observa isso, e afirma que ele passou a tocar para fazer os anjos chorarem!

Eu fui um que não nunca tive vergonha de contar que verti lágrimas quando, em 6 de julho de 1971, o grande Satchmo finalmente descansou, aos 69 anos de idade. No dia que isto aconteceu eu estava, por coincidência, ouvindo e testando um rádio FM que havia acabado de instalar.

Da memória, ficou a imagem do trompetista, cujo som sempre foi inconfundível. Mesmo tendo evoluído como ouvinte, passando a ter em casa discos de hard bop e outros gêneros do Jazz, nunca deixei de apreciar a imensa contribuição de Louis Armstrong. Muitos trompetistas e vocalistas de Jazz nunca deixaram de reconhecer que sem ele todos eles não teriam existido.  Outrolado_

. . .

O Hammond B3 no Rock

 

Afinal, quem criou a Bossa Nova?

 

Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim

 

Ed Lincoln e a sua fase na Musidisc

 

A torre da Capitol Records

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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0 resposta

  1. Prezado Paulo
    Você sempre tira “bons coelhos” da cartola !
    Que bela homenagem ao Armstrong. Mas quero aproveitar esta matéria, para enaltecer os grandes representantes de cantores pretos (como manda a correta ortografia); Ray Charles, Stevie Wonder, Barry White e uma centena de tantos outros. O Nosso Criador soube dar um diferencial e esses célebres representantes da música, com suas vozes icônicas. E não poderia deixar de citar os grandes grupos musicais da época de 70 (da soul music), que deram origem ao ritmo Discotheque. Mas não vamos aqui tornar interminável o comentário relembrando seus nomes e seus grandes sucessos. Mas diante de tantas boas lembranças Paulo, não podemos nos abster de citar que vivemos em um mundo desigual, em que prevalece a truculência, a desigualdade e a discriminação racial, a qual existem seres (que não podem ser chamados de humanos), que na sua ignorância, tentam subjugar essas pessoas que são “seres humanos” como George Floyd. Um abraço

    1. Caro Rogério,

      Todas as principais amizades da minha vida tiveram a música como núcleo iniciador, e eu nunca deixei de respeitar o gosto açheio, porque as artes em geral são campos afetivos muito pessoais.

      Falando em racismo, Louis Armstrong foi vítima de intensa crítica por seus pares negros, que passaram a chama-lo de “Uncle Tom” (personagem negro subserviente, que ganha a vida se humilhando para entreter os brancos). Eu acho inacreditável que depois de tanta luta no passado, o racismo continue a ser o alvo de atenção do público norte-americano. Eles lá usaram a morte do George Floyd para desencadear uma onda de protestos que não vão levar a nada, porque é a cultura do povo que precisa ser mudada. Infelizmente, existem americanos imaturos e preconceituosos, que ainda resistem a mudanças. Mas, não é assim também no esporte, quando atletas negros são xingados por torcidas igualmente sem educação ou maturidade?

  2. Prezado Paulo
    Você sempre tira “bons coelhos” da cartola !
    Que bela homenagem ao Armstrong. Mas quero aproveitar esta matéria, para enaltecer os grandes representantes de cantores pretos (como manda a correta ortografia); Ray Charles, Stevie Wonder, Barry White e uma centena de tantos outros. O Nosso Criador soube dar um diferencial e esses célebres representantes da música, com suas vozes icônicas. E não poderia deixar de citar os grandes grupos musicais da época de 70 (da soul music), que deram origem ao ritmo Discotheque. Mas não vamos aqui tornar interminável o comentário relembrando seus nomes e seus grandes sucessos. Mas diante de tantas boas lembranças Paulo, não podemos nos abster de citar que vivemos em um mundo desigual, em que prevalece a truculência, a desigualdade e a discriminação racial, a qual existem seres (que não podem ser chamados de humanos), que na sua ignorância, tentam subjugar essas pessoas que são “seres humanos” como George Floyd. Um abraço

    1. Caro Rogério,

      Todas as principais amizades da minha vida tiveram a música como núcleo iniciador, e eu nunca deixei de respeitar o gosto açheio, porque as artes em geral são campos afetivos muito pessoais.

      Falando em racismo, Louis Armstrong foi vítima de intensa crítica por seus pares negros, que passaram a chama-lo de “Uncle Tom” (personagem negro subserviente, que ganha a vida se humilhando para entreter os brancos). Eu acho inacreditável que depois de tanta luta no passado, o racismo continue a ser o alvo de atenção do público norte-americano. Eles lá usaram a morte do George Floyd para desencadear uma onda de protestos que não vão levar a nada, porque é a cultura do povo que precisa ser mudada. Infelizmente, existem americanos imaturos e preconceituosos, que ainda resistem a mudanças. Mas, não é assim também no esporte, quando atletas negros são xingados por torcidas igualmente sem educação ou maturidade?

  3. Caro Compadre ( com maiúscula mesmo), confesso que chorei ao ler seu artigo e lembrar da emoção de ter estado no show do Satchmo no Maracananzinho. Vendia sorvete Kibon nas arquibancadas e logo nos primeiros acordes aquele som me tomou ! Larguei a caixa de sorvete e pus-me a dançar ao som daquela música…..inesquecível ! Consegui ir ao camarim, queria ver o trompete! O próprio Louis entregou-me e disse algo que não entendi mas imaginei, toque ! Soprei, soprei e nada, nenhum som…todos a volta riram muito. Sai com a sensação de que estivera diante de alguém com uma força hercúlea e eu um fracote ! Tinha que aprender , tinha que comprar aquele instrumento! Daquele momento em diante passei a azucrinar a vida de meu amado pai até conseguir um trompete. Não tinha como pagar aulas, assim aprendi o pouco que sei com o melhor de todos Louis Armstrong em seus discos, bem , mas isso é uma outra história.
    Obrigado Dr. Paulo, obrigado Compadre, obrigado Amigo por me trazer essas velhas e boas lembranças …..

    1. Caro Dr. José Carlos Diniz,

      Sou eu quem precisa agradecer, e o fiz, em primeiro lugar, na forma deste texto. Eu sou um privilegiado por te-lo conhecido em uma fase de formação da minha vida, seus bons exemplos e seu gosto pela música me inspiraram para o resto dos meus dias. E é, portanto, impossível até hoje ouvir o nosso ídolo Louie, sem lembrar de você.

      Para os demais, você é e será sempre o Doutor Diniz, para mim você é e será sempre o Zezinho, da minha adolescência. Seus filhos, Barbara e Bernardo, meu afilhado, sempre me deram muito orgulho por se terem tornado ambos adultos de excepcional qualidade. Que mais um padrinho poderia desejar, ao ver seu afilhado determinado a abraçar a profissão médica com a competência, generosidade e a atenção que seus pácientes mececem?

      Grande abraço do
      Paulo Roberto.

  4. Caro Compadre ( com maiúscula mesmo), confesso que chorei ao ler seu artigo e lembrar da emoção de ter estado no show do Satchmo no Maracananzinho. Vendia sorvete Kibon nas arquibancadas e logo nos primeiros acordes aquele som me tomou ! Larguei a caixa de sorvete e pus-me a dançar ao som daquela música…..inesquecível ! Consegui ir ao camarim, queria ver o trompete! O próprio Louis entregou-me e disse algo que não entendi mas imaginei, toque ! Soprei, soprei e nada, nenhum som…todos a volta riram muito. Sai com a sensação de que estivera diante de alguém com uma força hercúlea e eu um fracote ! Tinha que aprender , tinha que comprar aquele instrumento! Daquele momento em diante passei a azucrinar a vida de meu amado pai até conseguir um trompete. Não tinha como pagar aulas, assim aprendi o pouco que sei com o melhor de todos Louis Armstrong em seus discos, bem , mas isso é uma outra história.
    Obrigado Dr. Paulo, obrigado Compadre, obrigado Amigo por me trazer essas velhas e boas lembranças …..

    1. Caro Dr. José Carlos Diniz,

      Sou eu quem precisa agradecer, e o fiz, em primeiro lugar, na forma deste texto. Eu sou um privilegiado por te-lo conhecido em uma fase de formação da minha vida, seus bons exemplos e seu gosto pela música me inspiraram para o resto dos meus dias. E é, portanto, impossível até hoje ouvir o nosso ídolo Louie, sem lembrar de você.

      Para os demais, você é e será sempre o Doutor Diniz, para mim você é e será sempre o Zezinho, da minha adolescência. Seus filhos, Barbara e Bernardo, meu afilhado, sempre me deram muito orgulho por se terem tornado ambos adultos de excepcional qualidade. Que mais um padrinho poderia desejar, ao ver seu afilhado determinado a abraçar a profissão médica com a competência, generosidade e a atenção que seus pácientes mececem?

      Grande abraço do
      Paulo Roberto.

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