– E quem vai arcar com o prejuízo?

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Fui a uma burgueria em Recife e, ao pedir um sanduíche, percebi que a carne estava muito mal passada. Eu até gosto de carne meio crua, mas desde que seja pelo menos passada. Fui comendo o sanduíche pelas beiradas (literalmente), até que o sangue bovino começou a escorrer por todos os lados e então percebi que era inviável continuar.

Resolvi, portanto, chamar o garçom para encaminhar minha reclamação. O garçom consentiu que a carne estava crua, mas alegou que era “novato” e chamou um garçom mais experiente. O outro garçom, o dito “mais experiente”, também concordou que a carne do sanduíche estava crudelíssima, mas, mesmo sendo o tal “mais experiente”, não sabia como proceder e chamou o gerente.

O gerente, por sua vez, disse:

– Não está mal passada. Está à moda da casa.

Para quem não sabe, o termo “à moda da casa” é uma espécie de carta-curinga dos funcionários de restaurantes para justificar qualquer problema com a comida.

Reafirmei para o gerente que esta muito mal passada, mas o mesmo insistiu em utilizar a carta-curinga tirada da manga. Aleguei que os seus próprios subordinados (os garçons) haviam consentido, assim como todas as pessoas que estavam comigo na mesa, mas meu esforço foi em vão. Os garçons, a propósito, ficaram constrangidos em ter que assumir, na frente do próprio chefe, que o sanduíche estava cru.

Resolvi, então, promover uma enquete no estabelecimento para analisar o estado da carne do meu sanduíche. Abordei os clientes de mesas vizinhas, permiti que eles manipulassem o sanduíche e analisassem. Todos os clientes abordados consentiram que estava crua mas o gerente, que observou tranqüilamente a execução da enquete, ignorou o resultado e insistiu na carta-curinga “à moda da casa”.

Coincidentemente, percebi que o proprietário do estabelecimento estava presente e relatei a minha frustração para ele. O proprietário conversou com o gerente, que logo veio recolher meu sanduíche.

Alguns minutos depois, para minha surpresa, um garçom veio entregar o meu mesmo sanduíche (aquele todo mordido pelas beiradas), mas agora com a carne muito bem passada. Esta atitude me impressionou pois, pelo pouco que eu sei, um dos princípios básicos de higiene em cozinhas industriais é que, uma vez que o alimento é manipulado (tocado ou comido) pelo cliente, não é permitido que retorne à cozinha.

Esta precaução deve ser tomada pois, se o cliente tiver alguma doença, a cozinha será contaminada e, conseqüentemente, os alimentos dos outros clientes. No caso de um burgueria, entendo que esta questão seja ainda mais crítica, pois todos os sanduíches compartilham de uma mesma chapa (que não é eleitoral, mas culinária).

Neste caso, além de mim e meus colegas terem provado, o sanduíche passou nas mãos de vários clientes durante a realização da enquete. Expliquei isso para o gerente e orientei que o correto era que ele tivesse providenciado outro sanduíche, mas a sua resposta foi:

– E quem vai arcar com o prejuízo?

Esta é uma pergunta típica de funcionários que não têm real comprometido com o negócio. É até compreensível quando vêm de funcionários de baixo escalão, mas inadmissível quando vem do próprio gerente do estabelecimento.

O custo marginal de produzir mais um sanduíche é infinitamente inferior ao custo intangível de prejudicar a imagem de uma empresa e de “conquistar” um cliente insatisfeito, que pode e tem um terrível efeito viral.

Este caso relatado serve para ilustrar alguns dos problemas comuns em bares e restaurantes, em decorrência da mão de obra desqualificada. Segundo dados do Sebrae, 76% dos funcionários de bares e restaurantes não recebem treinamento profissional.

Dentre os problemas relatados, podemos destacar:

Atendimento ao cliente: a antiga máxima “o cliente tem sempre razão” precisa ser reforçada com os funcionários, afinal, quem paga os salários não é o patrão, e sim o cliente.

Gestão de riscos: ao se deparar com uma situação crítica, é necessário fazer uma análise dos riscos antes de tomar uma decisão. No caso relatado, oferecer um novo sanduíche compensa o risco de “conquistar” um cliente crítico do estabelecimento.

Gestão de pessoas: um gestor de pessoas é um líder e suas ações precisam ser inquestionáveis como forma de ser respeitado pelos seus subordinados. Portanto, um gerente que atende mal o cliente, terá dificuldades em orientar corretamente a sua equipe de garçons.

Branding: todo o esforço de construção de uma marca pode ser jogado fora se pessoas despreparadas estiverem à frente de um negócio. No caso relatado, quem acabou arcando com o prejuízo não foi o cliente, nem o gerente, e sim o proprietário.

Higiene: a higiene é uma exigência básica de um restaurante, não devendo ser considerada um critério de diferenciação. Em um mercado tão competitivo, um estabelecimento que não preze pela higiene em benefício dos seus clientes está fadado ao fracasso.

Para resolver este problema, duas ações simples podem ser realizadas:

Treinamento: os funcionários devem passar por um treinamento, de preferência realizado por uma empresa especializada. Todos precisam receber orientações de higiene e os funcionários que tenham contato direto com o cliente (recepcionistas, garçons, maitres e gerentes) devem ter treinamentos de atendimento e orientações sobre procedimentos para resolução de conflitos.

Além disso, o gerente precisa ter um treinamento específico para gestão de pessoas. Em épocas de pico, um dos erros comuns é a contratação emergencial de funcionários temporários, sem que haja tempo para realização dos treinamentos. Para resolver isso, deve-se planejar antecipadamente os picos e fazer as contratações com tempo hábil para preparação dos funcionários.

Mistery shopping: uma estratégia pouco utilizada para analisar a qualidade do atendimento é o Mystery Shopping [2], também conhecido como “cliente oculto”. Esta técnica, de caráter observacional, tem o objetivo de obter uma análise do ponto de vista do consumidor em uma situação real, e é realizada através de visitas pessoais ao ponto de venda, realizada por um profissional qualificado e treinado que, ao se fingir de cliente, observa os itens relevantes a serem investigados.

O Mystery Shopping também pode ser protagonizado por um dos proprietários do estabelecimento e, até mesmo, por um funcionário. Nestes casos, é necessário que os protagonistas não sejam reconhecidos pelos funcionários. Este tipo de ação é realizada principalmente por restaurantes que tenham diversas filiais ou franquias. Um restaurante que tenha filial em outro Estado, por exemplo, envia um funcionário para que este se passe por cliente e analise o atendimento, sem ser reconhecido pelos outros funcionários.

Para finalizar, gostaria de deixar esta enquente:

O que é melhor? Uma comida boa e atendimento ruim, ou comida ruim e atendimento bom?

Resposta: comida boa e atendimento bom. [Webinsider]

.

Murilo Gun (murilo.gun@gmail.com) é empresário e comediante. Mantém o blog Murilo Gun.

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21 respostas

  1. meu patrao desconta dos funcionarios quando o cliente pede um sanduiche e este vai embora por demorar a ser feito ou se o cliente pede “vai ali e volta ja” e nao vem buscar,gostaria de saber de advogados se esta conduta é legal afinal o funcionário nao tem culpa se o cliente vai e não volta

  2. trabalho como garçom , em hoteis e buffets e as vzs tbm em restaurantes, logo apos os pedidos desejo a todos um exelente almoço ou jantar e hora da sobremesa os convido a irem a parte doce do restaurante o buffet de sobremesa,ao final da refeiçao pergunto a todos se estado tudo a seu gosto.mas infelizmente a nem todos se da para atendelos dessa forma ,por se acharem que tem sempre razao acabam sendo grosseiros mal educados , existem tipos de corte de carne que nao se da para faze-lo bem passado, por ex , medalhao, chateaubriand, torunedo,o que nao e o seu caso lanches , hamburgueres sim ,o que nao deveria nem discutir tem e que trocar,muitos nao sabem ,nao perguntam e depois reclamam ,esse negocio de cliente tem sempre razao sim associada a educaçao, e respeito ,pode ser.procuro sempre atende-los da melhor forma e estar sempre atento, para que nao seja chamado por assobio, estalar de dedos,me diga da se para atender bem pessoas assim, e dificil ,embora nao os atendo mal.procuro ter paciencia.obs claro que tbm existe muitos garçons despreparados , na mais simples ocorrencia chamam o chef .coisas que podem ser resolvidas damelhor forma.bom esta eminha humilde opiniao..abraços.

  3. Otima materia…mas dizer que o cliente sempre tem razão..nao concordo. Vou relatar dois casos que aconteceu comigo…Uma cliente de outro
    estabelecimento queria usar o banheiro do restaurante, veio ate o caixa e perguntou se teria que pagar por isso, eu disse que não, mas que a preferencia era para os clientes do estabelecimento, entreguei a chave para ela, mas mesmo assim ela foi ate o balção pediu um refrigenrante veio ate o caixa pagou, abriu a latinha e derramou o refrigerante em minha cabeça….o cliente tem razão?
    Em outro caso, o cliente chegou e pela situação parecia que estava discutindo com a esposa, o garçom foi ate a mesa para atende-lo e mto educado cumprimentoue entregou o cardapio, dai pediu uma cerveja o garçom foi buscar e em menos de um minuto e gritou ” Oh seu merda, vai demorar com essa cerveja”…será que tem sempre razão?
    Eu creio que a razão esta na educação, e não as pessoas sairam de suas casas e iriem descarregar suas neuroses nas pessoas que estão trabalhando.
    \e qto ao hamburguer…mto incompetente esse gerente, nem tinha que discutir o assunto…e nem deixar o cliente terminar de reclamar, era jogar o hamb, no lixo e trazer outro novo…

  4. resposta para não ter colocado o nome do estabelecimento pode ser de ordem legal, mas deveria colar ?nome ao boi?, poque dessa forma poderia estar contribuíndo para a melhora do serviço citado.

    Escreví um artigo sobre essa questão de percepçao e expectativa do ponto do vista do cliente.

  5. A dificil arte de se fazer importante para o cliente.
    Dizem que uma das grandes virtudes do vendedor (numa analogia ao gerente) está em se mostrar como uma peça-chave na relação, pendendo inclusive para a máxima de que ?na compra do produto da minha empresa, você me leva de brinde?.

    Penso em como seria caso o meliante tivesse uma abordagem diferente e ?burlado? o comportamento padrão de resopnder que está na moda da casa visto que era nítida a insatisfação com o produto.

    Talvez chegaria muito próximo do que o Jan Carlzon comenta em seu livro ?A Hora da Verdade? onde o ?poder? está com o pessoal da linha de frente numa inversão da pirâmide hierárquica padrão?
    Tambeem achoo isso e é muitoo interessante ;

  6. O cliente sempre tem razao e sinceramente nao entendi pq nao colocou o nome e endereco do lugar, tanto no artigo quanto os comentarios que citam outros lugares e situacoes…

  7. A dificil arte de se fazer importante para o cliente.
    Dizem que uma das grandes virtudes do vendedor (numa analogia ao gerente) está em se mostrar como uma peça-chave na relação, pendendo inclusive para a máxima de que na compra do produto da minha empresa, você me leva de brinde.

    Penso em como seria caso o meliante tivesse uma abordagem diferente e burlado o comportamento padrão de resopnder que está na moda da casa visto que era nítida a insatisfação com o produto.

    Talvez chegaria muito próximo do que o Jan Carlzon comenta em seu livro A Hora da Verdade onde o poder está com o pessoal da linha de frente numa inversão da pirâmide hierárquica padrão…

  8. Adorei o artigo e complemento:

    O que determina se gostamos ou não? Atendimento? Produto? Marketing?

    A semana foi cansativa. Ontem sai com meus amigos. Estávamos procurando um lugar agradável, com boa música, bebida estupidamente gelada e um bom papo. Inerente a um bom lugar está o atendimento.

    Adoro brasilidades. Então, fomos a um lugar que toca chorinho e bossa nova. Chegamos lá e nos sentamos. Fizemos o pedido e fomos prontamente atendidos. Após um minuto conversando, vejo que tem algo de errado no copo. Chamo a atendente e ela constata que há algo estranho. Peço para que ela troque a bebida, porém o que recebo em resposta é: Não vou trocar. Ou você bebe ou vai pra outro lugar.. Fiquei pasmo com a resposta.

    Ficamos constrangidos, eu e meus amigos, com a arrogância e presunção. Parecia que estávamos fazendo favor de estar ali. Ainda perplexos com as palavras da atendente, quis contornar o problema. Falei que já freqüentava o estabelecimento a algum tempo e que sempre levava muitas pessoas lá. Mas ela continuou a dizer grosserias.

    Pedimos a conta e quando íamos embora ela disse: Obrigado, Não volte mais! E eu disse: ?Desculpe por perturbar o seu habitat.?

    Moral da história: Todos falam muito bem do lugar, o produto na maioria das vezes está em boas condições de uso, mas o atendimento vai acabar com o estabelecimento.

    Alguém pode me dizer, por que ninguém se aproxima de rinoceronte?

  9. @Maria
    Desculpe mas o cliente tem sempre razão sim, e esse deveria ser o objetivo de todos os negócios. Clientes que predatórios não são clientes e sim risco e devem ser gerenciado como outros riscos. Porém mesmo um cliente predatório pode ter um grande poder de influencia, e pode trazer mais clientes. E pra esse caso não existe resposta pronta é parar e analizar até que ponto vale a pena deixar um cliente se aproveitar de uma situação.

    Veja o exemplo do macdonalds, eles jamais questionam simplesmente trocam. Pois o custo de um sanduiche é muito inferior a custos de marketing.

  10. Usar bom senso é inteligente. O cliente sempre tem razão? Não, principalmente nos dias atuais em q o cliente muitas vezes premedita a situação, quando possível (não é o caso do seu hamburguer), para levar vantagem.

    Já fui mal atendida em alguns estabelecimentos. O q fiz? Um boca a boca negativo eficiente e nunca mais retornei.

  11. Murilo, bom artigo. Infelizmente a situação, apesar de parecer bizarra, é comum. Só não concordo que o cliente SEMPRE tenha razão: o bom senso deve prevalecer. O que temos são situações onde a razão está do nosso lado (empresário) e optamos por assumir o ônus em nome da boa relação com o cliente. Mesmo assim há casos onde o cliente simplesmente não vale a pena (me refiro à situações particulares e não ao seu hamburguer).

    Exigir seus direitos (com bom senso) é um DEVER de qualquer cidadão em qualquer situação. Não importa o produto ou o valor pago. Vejo, porém, que quando assumimos a postura de reclamar quando necessário, acabamos por ser taxados como chatos, reclamões e similares. Fico perplexo por ver que as pessoas preferem comer carne crua a reclamar e mais perplexo ainda quando aqueles que reclamam são criticados na linha do deixa prá lá. Nessas horas penso que a maior parte dos clientes merece carne crua.

    Abs!

    PS: Na enquete, se tivessse apenas as duas opções da pergunta, prefiro a comida boa. Digerir um mau atendimento é mais fácil.

  12. Problemas sempre vão existir. Um carro 0km pode dar problema e nenhuma empresa/cliente está livre disso. A grande questão, o que diferencia profissionais de amadores, é como lidam em face dos problemas.

    Isso deveria ser assunto mais do que batido em qualquer curso ou treinamento para profissionais que lidam com atendimento ao público.

    Quem presta um serviço não deve sequer deixar o cliente saber qual ginástica você vai fazer para resolver o problema dele, ele apenas vai ficar muito satisfeito se o problema for resolvido, de preferência com rapidez.

  13. Empresa séria, deixa o cliente justo satisfeito a qualquer custo, especialmente os mais críticos, porque são justamente estes que vão a médio e longo prazo atestar contra ou a favor determinado estabelecimento, por sua reconhecida credibilidade.

    Se a lanchonete fosse séria, trocaria o sanduba sem pensar meia vez, evitando desconforto, constrangimento e insatisfação. Ao contrário, a chance de ganhar um cliente e com isso indicações, é latente e pungente.

    Problemas sempre vão existir. Um carro 0km pode dar problema e nenhuma empresa/cliente está livre disso. A grande questão, o que diferencia profissionais de amadores, é como lidam em face dos problemas.

    É como conhecer o caráter da pessoa pela forma que ela trata a faxineira, o cozinheiro, o porteiro e não pela forma cínica e subserviente com que trata seus superiores.

    Empresa séria, resolve. Rápido e com prazer.

    Excelente matéria, parabéns.

  14. Uma comida boa, um atendimento excelente. Essa é a chave da questão. Não adianta ser bom, tem que ser excepcional.

    Uma comida boa segura o cliente… até que ele não descubra que existe um concorrente igual ou melhor. Enfim, minha opinião se resume em: quando se tem uma comida boa e um atendimento exemplar, mudar pra que?

  15. Simplesmente perfeito o seu comentário!

    Gostaria de compartilhar uma experiência freqüente.

    Tenho costume de freqüentar os mesmos restaurantes por muito tempo, e isso me traz alguns probleminhas. Com o passar do tempo acabo criando amizade com os garçons (normalmente os que eu gosto do atendimento).

    Depois de um tempo percebo que a qualidade cai consideravelmente, pois os garçons se sentem a vontade com a situação. Deixam de servir corretamente, demoram mais na entrega do pedido, etc. enfim, relaxam e acabam perdendo o cliente! Isso já aconteceu algumas vezes.

    Acho que independente da afinidade cliente x funcionário tem que haver o profissionalismo, isso vale para todas as profissões.

    Concordo com tudo o que você falou, mas acho a frase o cliente tem sempre razão muito forte! Tem casos e casos, não podemos levar essa expressão sempre ao pé da letra. Tem pessoas que abusam por ser cliente.

    []s

  16. Essa máxima de o cliente tem sempre razão acho q já caiu faz tempo.
    Eu acho q o bom senso sempre deve ter razão.
    Eu não quero um cliente inescrupuloso no meu estabeleciemento cheio de razão(e olha q existem muitos). Desses eu fujo. Mas claro q sem destratar.
    No seu caso, o bom senso diz: troque o sanduiche e não cobre do cliente! Ganharia vários pontos com todos.

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