Como transformar a audiência em aliada

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Uma das características mais badaladas da internet é a divulgação boca a boca. A possibilidade de recomendar para seus contatos produtos e serviços que acha relevante.

Todavia, como se trata de uma sociedade em rede, você nem precisa conhecer essas pessoas. Hoje, conversas sobre atrações audiovisuais ocorrem globalmente. Ou seja, você pode acessar os Trend Topics do Twitter e conhecer quais os assuntos mais quentes do momento. A opinião individual alimenta o coletivo. O crítico de arte somos nós. Afinal, não estamos procurando novas formas de medir o sucesso?

O burburinho coletivo despertou sua curiosidade. Todavia, em muitos casos você não tem como alimentar esse desejo. A não ser por vias ilegais, já que muitas dessas obras vão demorar a chegar ao Brasil.

Agindo de forma fechada, as empresas perdem, inicialmente, duas audiências. Os mais afoitos já se acostumaram com a pirataria. Todavia, você também perde dinheiro porque não transforma o desejo despertado em novos consumidores. Isso porque ele pode rumar para a pirataria ou apenas deixar essa vontade de lado.

De toda forma, você perde o efeito multiplicador da internet. É como anunciar um produto numa loja e, chegando lá, o consumidor não encontrá-lo.

Como o conteúdo é ilegal, há quem assista, mas não comente. E essa pessoa pode ser influente para um determinado público.

Audiência global e restrições regionais

Se a audiência é global, por que restrições regionais? A Netflix, serviço norte-americano de locação de filmes, está chegando ao Canadá. Apenas a versão digital da Netflix, em que o espectador assiste o filme online (via streaming), será disponibilizado no novo mercado. A possibilidade de locação para receber o DVD por correio, bastante popular nos EUA, não estará disponível no Canadá.

O popular site de vídeos Hulu, que transmite séries nos EUA, já mira o exterior. No Brasil, o TV Terra é o site de vídeo mais popular (dados do Ibope Nielsen Online; o YouTube não foi citado, talvez por geralmente ser restrito a vídeos curtos). O canal do portal Terra transmite gratuitamente séries como Lost, Desperate Housewives, Grey’s Anatomy e Scrubs.

O produto cultural se torna cada vez mais digital e sem fronteiras. Há menos restrições e mais opções para o consumidor. Isso é apenas o começo. Até porque há quem veja ressalvas nessa nova economia.

Alguns produtores culturais acreditam que essa atitude destroi a janela, o intervalo de lançamento em plataformas distintas. No caso dos filmes, primeiro eles são lançados no cinema, depois DVD/Blu ray, TV aberta, canais pagos etc.

Diferentes maneiras de assistir Lost

Essa é uma forma obsoleta de lidar com o assunto. Tome como exemplo o seriado Lost. O programa possuía várias audiências. Foi um seriado de sucesso calcado no mistério, mas havia um público que esperava sem problemas para encontrar as resoluções do quebra-cabeça assistindo todos os episódios em DVD (o box de toda a temporada). Ou mesmo na Globo, com grande atraso em relação aos EUA.

Pense em hábitos de consumo, e não apenas na audiência como um bloco. Há quem espere ansiosamente a estreia de um filme no cinema. Outros optam por aguardar mais um pouco, para não enfrentar filas grandes. Há ainda os mais tranquilos, que vão assistir apenas em casa, meses depois.

Por outro lado… há aqueles que disputam ingressos de pré-estreia, que pagam até mais caro pelo prazer de ver em primeira mão. Esse é o público que baixa filmes e seriados da internet. Não se trata apenas de não pagar pelo produto, por optar pela versão “pirata”. Esse espectador também é um grande entusiasta, que quer ter o prazer de ter a experiência antes dos demais.

No cinema, nem todos os filmes ganham pré-estreia. Tem de existir demanda para isso (estratégia adotada apenas nos grandes lançamentos). Na internet, como há público para tudo e já que a audiência é global, não haveria problemas. O produto seria bem acolhido, mesmo sendo de nicho, destinado a um público segmentado.

Alguém poderia dizer: “Ah, mas esse povo vai querer ver seriados norte-americanos sem legenda?” Bem, você não está seguindo meu raciocínio aqui. Primeiro, há quem assista em tempo real, via serviços de streaming (ilegal). Isso porque estamos falando de um audiência seleta, que provavelmente estudou outras línguas. Segundo, olhe com atenção o que está acontecendo agora.

As legendas colaborativas dos filmes

Muitas pessoas fazem o trabalho de tradução “de forma ilegal” pouco depois da exibição desses programas. Muitos criam legendas durante a madrugada! O trabalho não é solitário, mas sim coletivo. Alguns traduzem, outros sincronizam as legendas com o vídeo. Por que você não poderia criar um serviço para facilitar isso?

Pense nas vantagens. As pessoas não precisam baixar o arquivo, ele está disponível online. Basta apertar o play e pronto. E o público que não sabe inglês, o esperanto não oficial, pode esperar as legendas, que serão criadas pelos usuários mais engajados. Agora imagine: se as pessoas pudessem comentar um seriado e apontar para um único endereço? Seria ruim aparecer como um dos links mais compartilhados no Twitter?

E seria uma audiência… eterna, já que, por ser legal, você não teria porque mudar o servidor. Afinal, não é um produto ilegal.

Em termos de SEO, também existiram vantagens. Grande parte dos comentários apontaria para o mesmo endereço. Com isso, o link apareceria em destaque nos mecanismos de busca (Google, Bing…). Ou seja, quem procurar informações sobre esse programa chegaria a esse site.

Aí o mais descrente poderia dizer? “E por que alguém iria traduzir de graça?” Crie vantagens para ele. Note que as pessoas não deixam de sinalizar que contribuíram no processo de criação de legendas para arquivos “piratas”. Seus pseudônimos aparecem no começo dos vídeos baixados via programas de compartilhamento de arquivos (P2P).

Já imaginou se fosse criado um ranking das pessoas que mais contribuíram? Muitos se contentariam com isso, com a visibilidade obtida. Até porque eles não precisariam mais se “esconder”.

Os colaboradores mais assíduos poderiam se tornar editores, monitorar as mudanças nas legendas para evitar vandalismo (isso já ocorre na enciclopédia colaborativa Wikipédia). Estamos falando de fãs, que se dedicariam com afinco ao programas que apreciam. Se eles pudessem levar essas informações para outras redes sociais, melhor ainda. Já imaginou poder mostrar esses dados no Facebook? Novamente, audiência global.

Compartilhe o lucro

Mas, claro, não seja pão duro. Compartilhe o lucro. Destine uma percentagem da propaganda aos internautas mais engajados. Como você já tem o material traduzido, será mais fácil lançá-lo em DVD/Blu Ray. Afinal, tem um público que aprecia colecionar esses produtos. Então, destine aos tradutores mais assíduos uma margem do que foi negociado. Ou seja, você o transforma em parceiro. Por que ele optaria pela pirataria se ele é seu sócio nos negócios?

E se você fosse inteligente, faria uma parceria com o Torrent (e outras tecnologias que surgirem). Daria uma de descolado e não tentaria destruir o que já existe. Afinal, a culpa é toda sua. Deu poucas oportunidades ao consumidor. Mas aí eu sei que você estaria sendo progressista demais.

Talvez não tenha percebido, mas ao adotar essas táticas você está criando comunidades em torno dos seus produtos culturais. Poderá não apenas alimentar os fãs, com produtos especiais como chat com os atores, exibição de bastidores etc. Mas vai criar multiplicadores, pessoas que poderão recomendar para seus contatos o que eles apreciam. Você não joga contra o boca a boca, mas facilita essa atividade.

Não precisa tenta recriar a roda. Pode linkar para fóruns de fãs, wikis temáticos. Você se transformou num hub de conteúdos atrelados ao seu show. O lento ainda pode perguntar: “O que eu ganho com isso?” Você pode mapear o consumo de mídia, saber que tipo de conteúdo é mais apreciado e em que gadget (TV, computador, tablet, celular etc.)

Ou seja, poderá descobrir quais são os grandes hits em todas as telas, mas também poderá identificar conteúdo de nicho, aquele que funciona apenas na tela do celular, por exemplo. Com isso, poderá lançar novos programas já com base nessas informações.

Ademais, poderá criar um ranking geral de audiência, bem como fazer recomendações pessoais (“pessoas que gostam desse programa também assistem tais shows”). Ou seja, fará com que ele frequente rotineiramente seu espaço. Esse deveria ser a maior preocupação de todo bom empresário: converter clientes em fregueses. E ainda retomaria o direito de criar filtros para ele, poderá ser visto como um curador de conteúdo.

Buscando absorver e não negar as novas possibilidades criadas pelo mundo digital, você cria um laboratório colaborativo de produtos multimídia.

Para além do conteúdo, essa nova economia pode diminuir seu risco de prejuízo. Você investe muito dinheiro em programas que muitas vezes são cancelados após a exibição de poucos episódios? Burrice. Pense na convergência entre os meios. Esqueça a TV. É um veículo massificado, e nem todos os programas vão conquistar uma bela audiência. Se o programa “não funcionou” na TV, por que ele não poderia migrar para outro meio?

Lembre-se: você já criou uma comunidade. O programa pode continuar sendo financiado por assinatura dos membros desse grupo. Ou ser pago via publicidade e licenciamentos diversos. O mais importante é que você não precisa ir atrás da audiência, você já sabe quem admira esse programa. Ademais, você deixa de ser o vilão, a empresa malvada que acabou com um programa que a audiência gostava.

Agora, você também me chama para ser sócio dos negócios. Se o programa vai acabar ou não, isso agora também tem a ver comigo. Eu posso ir atrás de mais pessoas para manter o show vivo, posso criar campanhas mais úteis em defesa do que gosto.

Além disso, nem todos os produtos podem ser interessantes para exibição em TV (aberta ou paga). Não havendo demanda publicitária, perdeu dinheiro. Na internet, provavelmente ele vai encontrar sua audiência.

Vamos além. Seria possível trabalhar com shows sociais. Por que coibir as criações feitas pelos fãs (fan made)? Na verdade, colabore para que isso ocorra. Você não apenas obtém visibilidade, alimentado a devoção dos fãs, como poderá descobrir novos talentos. Um sistema de ranking mostraria as melhores tramas paralelas criadas por fãs. Com esse dados, você poderia encontrar novos roteiristas. E novos caminhos para o seriado, já que os roteiristas oficiais poderiam estar sem boas ideias.

E, como os serviços que exibem publicidade apresentam mensagens contextualizadas (vide o sistema do Google), a propaganda exibida, mesmo o vídeo sendo assistido em outro país, será contextualizada. Ou seja, aumentará seu lucro.

Estou no Brasil visitando um site estrangeiro, mas o anúncio que verei será relacionado ao meu país. Eu nem preciso criar essa plataforma de publicidade, ela já existe. Se as empresas de mídia forem ainda mais inteligentes, vão liberar o conteúdo para vários aparelhos, principalmente mobile. Os anúncios poderão ser ainda mais eficientes atrelados à geolocalização.

Estaremos criando grandes conglomerados de mídia, já que os produtos estarão concentrados? Esse poderia ser um dos desdobramentos. Mas, para falar a verdade, grandes grupos de mídia já existem.

Todavia, além dos produtos regionais, o lançamento dos artistas da “terra”, há outras formas de reciclar enlatados. Com o crescimento da classe C, há mais demanda para o lançamento de seriados em versão dublada. Nem seria uma prática de país “subdesenvolvido”. Em muitos países europeus, inclusive, séries e filmes estrangeiros também ganham versão dublada. Ademais, um seriado cancelado em seu país de origem poderia ganhar versões específicas. Você nem precisaria fazer exibições teste. Bastaria observar a audiência por país e ver onde existe demanda pelo produto.

Isso sem falar em assinaturas, recolher imposto respeitando a geolocalização do consumidor etc. Esse imposto recolhido poderia financiar produções locais, por exemplo. Na França, os sucessos de Hollywood ajudam a pagar produções locais.

Um brainstorm

Claro, tudo que escrevi acima foi um brainstorm. Nada disso pode dar certo. As transformações não são lineares. Ao mudar uma peça, o todo se modifica. Muitas vezes, a inovação vem de lugares inesperados. Mas o que proponho aqui não é antever o futuro, mas tentar absorver práticas atuais e tendências incipientes.

Ademais, a capacidade de encarar riscos está ligada ao que tem se tem a perder. Se sinto que minha posição é consolidada, serei mais refratário à mudança. Mesmo que, a longo prazo, isso possa significar minha decadência. Na dúvida, prefiro o aconchego da zona de segurança.

De toda forma, não adianta você se abraçar a conceitos antigos sem senso crítico.
“A longo prazo, todos estaremos mortos” (John Maynard Keynes, economista inglês). Achar que a resposta para os tempos atuais é endurecer as leis de direitos autorais, transformar fãs em criminosos…

A indústria cultural da forma como conhecemos está em fase de transição. Você decide se quer se portar como ditador ainda afeito ao poder, que não pensa em fazer concessões, mesmo o povo reclamando das condições em que vive. Ou pode atender o clamor popular e flexibilizar seus conceitos. Ainda será visto como um déspota esclarecido.

Tentar controlar toda a cadeia produtiva do entretenimento não é mais possível. Não aprendeu com o erro das gravadoras? Claro, há muito o que criticar na relação que elas mantinham com os artistas. Todavia, elas também atuavam como mecenas, ajudando principalmente os artistas iniciantes. Agora, vivem em crise. Constroem nomes que, depois que o contrato acaba, vão lucrar (e muito) sozinhos. Já o prejuízo dos artistas que não vingaram – e são muitos! – é todo delas.

Pior: hoje as gravadoras são vistas como o inimigo até por artistas novatos. Repetiu-se o mesmo que ocorreu com a pirataria: transformaram essa postura combativa num ato político. Agora, todos os músicos são punks (pelo menos na atitude) e adotam a doutrina faça você mesmo. [Webinsider]

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<strong>Charles Cadé</strong> (contato@charlescade.com) é jornalista, assessor de comunicação, consultor de projetos online e mantém o site <strong><a href="http://www.charlescade.com.br" rel="externo">Charles Cadé</a></strong>.

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