Princípios de um jornalismo independente

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Com Luciene Santos.

A maioria das ideias sobre os princípios que movem o jornalismo estão envoltas em mitos e equívocos. A noção de que os jornalistas devem ser protegidos por um muro entre o negócio e a notícia é um mito. Que a independência requer jornalistas neutros é outra. No artigo The Elements of Journalism, Bill Kovach e Tom Rosenstiel são categóricos: “O conceito de objetividade foi tão mutilado que agora é geralmente usado para descrever o problema em que foi concebido para corrigir”.

Por quê? Na redação já não se fala mais sobre jornalismo. No novo século, uma das perguntas mais profundas para a sociedade democrática é se uma imprensa independente sobreviverá. A resposta vai depender se os jornalistas têm a convicção para articular o que significa uma imprensa independente. Precisam descobrir se, como cidadãos, conseguem cuidar do resto de nós como guardiões do interesse público. Com o advento do cabo e da internet, a colisão de interesses atingiu um patamar dramático.

Pela primeira vez em nossa história, a notícia cada vez mais é produzida por empresas de fora do jornalismo, e essa nova organização econômica não se acanha em usar o jornalismo como muleta para vender seus produtos, serviços e ideologias. Estamos diante da possibilidade da notícia independente ser substituída por autointeresses mercantilistas travestidos de informação. Estamos vendo isso em alguns lugares como Singapura, onde o jornalismo se rebaixou ao nível da censura econômica.

A notícia é controlada para incentivar o capitalismo e desencorajar a participação dos cidadãos na vida pública. Algo semelhante acontece nos Estados Unidos, onde agências de notícias de propriedade de grandes corporações são usadas para promover produtos de países ligados ao conglomerado, através de ação de lobby contra corporações rivais. Ou simplemente o uso da notícia travestida de publicidade para aumentar seus lucros. O filme Morning Glory revela que até Holywood já notou a decadência desse tipo de jornalismo.

A questão aqui não é apenas a perda do jornalismo como referencial público. O que está em jogo é se, nós como cidadãos, temos acesso à informação independente que torne possível fazer parte no governo de nós mesmos. Se perdermos a imprensa como instituição independente, perdemos a liberdade para monitorar os outros poderes e instituições da sociedade. Para os jornalistas e cidadãos, essa falta de clareza enfraqueceu o jornalismo.

O jornalismo amordaçado enfraquece toda a estrutura de sociedades democráticas, haja vista o caos político e econômico na Itália. Muitos fatores podem explicar a atual situação de ingovernabilidade do país após as recentes eleições do parlamento. É uma bomba relógio manter qualquer relação promíscua entre uma mídia espetacularizada e um sistema político distante das aspirações sociais. Nesse modelo, os eleitores votam como consumidores e não como cidadãos. A Europa está escandalizada!

Elementos do jornalismo

Na pesquisa realizada por Bill Kovach e Tom Rosenstiel com jornalistas, chegou-se a nove elementos de jornalismo bem claros com os quais os profissionais da área concordam e que os cidadãos têm o direito de esperar. São princípios que oscilaram muito ao longo do tempo, mas têm sido evidenciados através dos anos e podem servir de parâmetro de notícias que as pessoas precisam para ser livres e se autogovernarem.

  1. Primeira obrigação do jornalismo é a verdade.
  2. Sua primeira lealdade é com os cidadãos.
  3. Sua essência é a disciplina da verificação.
  4. Seus praticantes devem manter uma independência daqueles que cobrem.
  5. Deve servir como um monitor independente do poder.
  6. Deve proporcionar um fórum para a crítica pública e de compromisso.
  7. Deve se esforçar para fazer o significante, interessante e relevante.
  8. Ele deve manter a notícia abrangente e proporcional.

Através dessas nove tarefas é possível a seus praticantes exercer a sua consciência pessoal? Alguns leitores vão pensar que alguns itens deveriam ser incluídos nessa lista. Onde está a justiça? Onde está o equilíbrio? Onde está a figura do preconceito? Depois de sintetizar o que aprendemos, tornou-se claro que uma série de ideias familiares e até mesmo úteis é demasiado vagas para elevar o nível dos elementos essenciais do jornalismo. Outros podem dizer que essa lista não traz nada novo.

Práticas de verificação

Se você pedir um jornalista para listar os fundamentos da sua profissão é quase certo que ele fará uma menção sobre precisão. No artigo sobre os elementos do jornalismo, Bill Kovach e Tom Rosenstiel afirmam que “a essência do jornalismo é uma disciplina de verificação.” Mas como é que os jornalistas realmente fazem a verificação de informações diariamente? O que faz com que isso varie tanto de um profissional para outro?

Enquanto há uma longa tradição de precisão de medição notícias, não existe muita pesquisa no sentido de examinar os processos pelos quais os jornalistas conseguem atingir esse objetivo. Essa constatação foi feita por pesquisadores canadenses no livro recém-publicado “Verificação como um ritual estratégico.” Os pesquisadores descobriram que a verificação é amplamente vista como essencial e central para o trabalho de um jornalista socialmente responsável.

Mas, ao mesmo tempo, os meios para alcançar a precisão variam muito de um jornalista para o outro. Na prática jornalística não há um padrão único para verificação de informações colhidas pelos profissionais de imprensa. “Cada fato não é tratado da mesma forma, criando uma barreira de uma conduta profissional”, observa Craig Silverman, do The Poynter Institute University, uma escola de jornalismo que busca formar jornalistas dentro de uma filosofia de engajamento social do profissional.

O estudo foi proposto porque se observou que as rotinas de verificação são altamente individualizadas e idiossincráticas. Para reunir os dados, os pesquisadores entrevistaram 28 jornalistas canadenses que trabalham para jornais de língua francesa e inglesa. Metade dos quais tinha sido premiada recentemente por algum trabalho. A outra metade foi selecionada com base na escolha semialeatória de 14 notícias, a partir de um grupo de textos produzidos com tamanho proporcional ao conjunto de artigos premiados.

Regras de precisão da notícia

Os autores da pesquisa se reuniram com os jornalistas e discorreram sobre as práticas de verificação ainda usadas atualmente para produzir notícias. Enquanto uma busca concentrada na precisão é vista por muitos jornalistas como o centro da sua nova identidade profissional, práticas de regras informais para se alcançar a precisão de notícias são bastante tímidas e altamente diferenciadas. Nos últimos anos uma tendência positiva tem sido desenvolvida dentro do universo do jornalismo.

É o uso crescente por redações de conteúdos gerados pelos usuários, prática que resultou em organizações que criaram um processo de verificação mais bem definido, como os modelos em andamento na AP da Association Press e no iReport da CNN.  Outro fenômeno é o uso da chamada mídia cruzada, que cada vez mais comum no Brasil. Um estudo conduzido pela  E.Life em 2012 mostrou que 50% dos usuários de internet no Brasil assistem à TV enquanto acessam redes sociais.

Uma tendência confirmada em outro estudo realizado pelo IBOPE, no ano passado. Revela que 43% dos brasileiros assistem à TV e usam redes sociais simultaneamente, e que 29% comentam na rede o que estão assistindo. São dados que demonstram que as pessoas buscam se informar melhor à revelia do compromisso das empresas com a qualidade daquilo que produzem. Mas os cenários estão mudando, pois  as novas tecnologias transformaram a newsgathering em uma prática muito eficiente e rápida.

Os resultados da pesquisa sugerem uma diversidade de estratégias de verificação, às vezes espelham métodos das ciências sociais (triangulação de fontes, análise de fontes primárias de dados ou documentos oficiais, semiobservação participante), e diferentes relações de equivalência ou pontos cegos, e limitações de consciência crítica dos próprios jornalistas. Os profissionais entrevistados apoiam a proposta de se criar normas de verificação, mas dentro de uma série de compromissos pragmáticos.

Alguns resultados da pesquisa:

  1. Na verificação de nomes. Uma prática quase universal entre os jornalistas entrevistados é a de pedir às suas fontes para soletrar o seu nome para garantir a ortografia correta, seja no início ou no final da entrevista. Alguns jornalistas também verificam se os nomes batem em relação às fontes oficiais.
  2. Pedido das fontes para ver pré-publicação. Apesar de algumas evidências na literatura essa revisão parcial por parte da fonte da matéria antes da publicação é um tabu que ainda paira nas redações (Stoltzfus 2006; Carr, 2012); contudo, existe um forte sentimento de que é uma prática que deve ser desencorajada entre os jornalistas.
  3. Em citações. Em métodos para verificar a exatidão de citações variam muito. Alguns repórteres gravam e transcrevem rotineiramente suas entrevistas, enquanto alguns gravam, mas raramente transcrevem. Já outros raramente usam toda a gravação. Apenas são verificadas citações usando gravações se houver uma preocupação específica, como a dificuldade de audição, ou a ameaça de litígio por crime de difamação.
  4. Conhecer a história pessoal da fonte. Os fatos relativos à história pessoal de uma fonte não são considerados para requerer a verificação, ou simplesmente não são verificadas porque não há nenhuma maneira prática de fazer isso.

O compromisso dos jornalistas de verificação deve ser comparado ao juramento feito por um médico: ‘de não prejudicar’. Usando a linguagem ‘identidade profissional’ no lugar de ética profissional, a verificação pode encarada como um ritual estratégico. “Como algo que legitima o papel social do jornalista como sendo diferente de outros comunicadores” Tuchman (1972). Afinal, o jornalismo independente oferece algo único para qualquer cultura – informação confiável, precisa e abrangente de que cidadãos necessitam para seres livres.

Um jornalismo que é solicitado a fornecer algo diferente subverte a cultura democrática. Se dentro do universo maior da comunicação, o jornalismo está desaparecendo, quem irá substituí-lo? A publicidade? O entretenimento? O e-commerce? A propaganda? Ou alguns novos híbridos de tudo isso junto e misturado? E qual será a consequência disso para as próximas gerações? A Itália já sabe quando a notícia independente deixa de ser o verdadeiro alimento que mata a fome da consciência humana.

Referências

The Poynter Institutehttp://about.poynter.org/about-us/mission-history

Artigo The Elements of Journalism – http://www.journalism.org/node/72

Livro Verification as a Strategic Ritual – http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/17512786.2013.765638

[Webinsider]

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Geraldo Seabra, (@newsgames) jornalista e professor, mestre em estudos midiáticos e tecnologia, e especialista em informação visual e em games como informação e notícia. É editor e produtor do Blog dos NewsGames.

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Uma resposta

  1. Geraldo,

    você poderia revisar a redação do princípio 7? Acho que ela ficou truncada e não diz o que você pretendia escrever.

    Abraços.

    Alberto

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