Os teleloucos

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Como eu já observei antes, as tecnologias digitais são grandes conquistas do nosso tempo, mas ocorrem com uma velocidade tamanha que nossa sociedade não consegue se adaptar às mudanças que se fazem necessárias. Os bons modos costumam ser as primeiras vítimas, os canários que morrem na mina.

Quinze ou mesmo dez anos atrás, se eu encontrasse uma pessoa falando alto sozinha na rua, pensaria automaticamente se tratar de alguém com algum problema mental, passando por um transe ou forte estresse emocional. Especialmente numa cidade grande como São Paulo, sempre houve e haverá quem discurse para si mesmo ao livre, monólogos com o eu interior.

Mas hoje, oito em dez vezes em que encontrou uma cidadã ou cidadão falando alto ao ar livre, não é caso de monólogo interior: é diálogo mesmo, e às vezes até teleconferência. Em plena rua, ou na praça de alimentação do shopping, a pessoa grita, xinga, dá gargalhada, gesticula. Não é estresse, é telefonia celular.

Depois do susto inicial, percebemos os fones de ouvido (cada vez mais invisíveis) e o aparelho na mão (cada vez menor). Não é distúrbio de personalidade, é discussão de relacionamento. Ou fechamento de negócio. Ou negociação de dívida.

Acredito que muitos já tomaram grandes sustos que esses teleloucos. Topei com uma moça que berrava para o ar, amaldiçoando dez gerações de um tal “Luisão”. Roxa de raiva com o marido, ou namorado, sabe-se lá. Uma vez ouvi toda uma negociação do pagamento de algum produto, incluindo valores, endereço da entrega, número da conta e CPF. Eu e todo mundo num raio de cinco metros do cidadão.

Por outro lado, é interessante pensar que a telefonia, o ato de falar ao telefone, pode estar se extinguindo. O primeiro telefonema de Alexander Graham Bell foi há quase 140 anos, em 1876.

Hoje, o celular, ou smartphone, é cada vez menos um telefone. “Telefone” é apenas uma função, um aplicativo, em um aparelho que é nada mais nada menos que a internet de bolso. Há dezenas, centenas de apps mais interessantes que o telefone — no telefone. E as empresas também gostam, porque nos apps que não são telefone há muitas oportunidades: assinaturas, pacotes de dados, anúncios, etc.

O telefonema está mudando seu valor social. É comum hoje uma pessoa mandar um e-mail ou SMS perguntando “posso te ligar?”. A galáxia de apps do “telefone” permite que praticamente tudo seja tratado e acertado sem que uma palavra seja pronunciada, em voz alta ou baixa. Sem perdigotos. Bom para os roucos e mudos, os tímidos. Mas meio sem graça para os apaixonados.

Pode ser que em breve os loucos voltem a ser maioria falando sozinhos pelas ruas. Sem fone de ouvido, sem Google Glass. Perambulando aflitos, ou em êxtase místico. Monólogos espirituais sem sistema operacional. Conversar com Deus sem Facetime. Longas chamadas sem perda de sinal. [Webinsider]

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Sergio Kulpas (sergiokulpas@gmail.com) é jornalista e escritor.

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Uma resposta

  1. Legal o texto, Sergio.
    Creio que nesse falatório pela rua ou dentro de ambientes públicos como bancos, é um absurdo os vizinhos terem de aguentar esses mal educados que querem aparecer a qualquer custo. Isso é uma “caipirisse” que não tem tamanho.

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