O legado da Copa

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thiago_silva_david_luizA Copa dos estádios superfaturados talvez deixe um legado positivo que os militantes e ativistas à frente dos protestos não terão condições de reconhecer – ou talvez admitir.

A primeira consequência da Copa foi nos estimular a falar sobre o Brasil. Os olhares do mundo estão aqui para o evento. As coisas que acontecem aqui rapidamente repercutem internacionalmente. E isso nos torna mais autoconscientes.

Os xingamentos à presidente, o pênalti cavado pelo Fred, J.Lo sambando na abertura aumentam de importância porque a circulação de informação está intensificada: nós nos vemos e nos medimos a partir do feedback que o olhar deles nos mostra.

(Parece que houve um consenso entre os “especialistas” de que o Fred no primeiro jogo forjou a falta que levou ao pênalti que desempatou o jogo e abriu caminho para a virada brasileira. Eles parecem dizer também que esse ato, antiesportivo, resume e expõe as fraquezas da nossa alma mulata, que só saberia ganhar trapaçeando. Essas observações possivelmente falam mais sobre eles do que sobre o ato em si. Me pergunto por que não falam da malandra simulação do defensor que também desequilibra fingindo não o fazer?)

thiago_silva_david_luiz_youngEstaremos, neste mês, em uma espécie de câmara de ressonância; as mensagens pingue-pongueiam e repicam mais rápido e intensamente e a gente pode ouvir o que é dito de formas diferentes e refletir sobre isso. E mesmo a conversa sendo sobre futebol, ela acaba relacionada a assuntos maiores.

Porque estamos conversando, estamos também nos expondo mais do que o normal. Vejo isso acontecendo no Facebook: amigos escrevem que estão reavaliando suas amizades dentro do serviço por causa das opiniões que elas estão emitindo.

Esse choque de perspectivas pode parecer negativo, mas tem valor porque revelam posicionamentos e também porque o atrito de opiniões enriquece a conversa com possibilidades, dúvidas e crítica. Temos tido chances de sobra para debater e para nos rever.

Um dos assuntos gerando debate são os protestos contra a realização da Copa. Esse tema é fascinante por suas contradições. Aqui estão dois casos:

  • Manifestantes defendem a legitimidade de ações, mesmo das violentas, ao mesmo tempo em que denunciam o posicionamento violento da polícia.
  • Os ricos que puderam comprar ingressos para a cerimônia de abertura também fizeram sua parte protestando contra o governo popular que trouxe a Copa para eles assistirem no Brasil.

De uma maneira ainda difícil de se entender, esses dois grupos se tornaram duas moedas do mesmo lado. E isso é positivo também porque estamos olhando para essas contradições e não apenas vivendo sob a proteção das certezas.

Mas continua no ar a grande dúvida: por que são poucos os que protestam se a maioria está também irritada com o riso mal disfarçado dos canalhas que prometeram e descaradamente não entregaram, mas embolsaram o dinheiro?

Em certa medida, esses milhões de brasileiros irritados talvez não aceitem a ideia de ter protestos que façam a gente passar vergonha publicamente. Seria como quando a família recebe visitas e a gente evita brigar na frente deles.

O silêncio desses brasileiros parece estar dizendo que a faxina pode acontecer quando os convidados forem embora.

Mas sinto que há ainda um motivo maior do que esse para estarmos comportados e até leves em relação ao evento: um sentimento de respeito pelo Felipão e pelo grupo que ele escolheu para representar o Brasil na competição.

Além de Neymar Jr, as peças-chave do elenco são dois zagueiros, David Luiz e Thiago Silva. Eles compartilham a responsabilidade ingrata e humilde de defender a retaguarda do time. Cordiais fora de campo, são guerreiros quando vestem a farda.

Se houve tanto desmando, tanta sacanagem para o Mundial acontecer, a equipe liderada por eles tem demonstrado querer deixar o melhor exemplo – não por hipocrisia, mas apenas porque essa é a parte que cabe a eles realizar.

Apesar de jovens, parece que eles aceitaram a responsabilidade simbólica de defender o orgulho do futebol brasileiro em uma Copa jogada em casa.

Se os burocratas e os políticos deram maus exemplos, a nossa seleção tem se comportado bem dentro e fora de campo. Ganham seus jogos, aguentam o tranco, mas sem sacrificar o espírito travesso do futebol reinventado no Brasil. O nosso não é um time retranqueiro ao mesmo tempo em que não se descuida da defesa.

Fico pensando como eles provavelmente são exemplo de vitória e de transformação para os jovens do país que têm origens semelhantes às deles. A admiração desses outros brasileiros parece brotar não do futebol bonito, mas daquilo que esses “meninos do Felipão” conquistaram com seu trabalho.

Se os jogadores estão fazendo a parte deles e em campo estão mostrando que podem vencer, por que não retribuir esse gesto?

Será que fora da lógica da luta de classes a gente pode olhar para essa malha mais complexa de possibilidades e ver que há um poder simbólico a ser conquistado coletivamente caso essa equipe vença em casa. E que mesmo que não seja sangrando na rua, mas assistindo TV e torcendo, isso pode não ser um ato de alienação política, mas uma escolha? [Webinsider]

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Juliano Spyer (www.julianospyer.com.br) é mestre pelo programa de antropologia digital da University College London e atua como consultor, pesquisador e palestrante. É autor de Conectado (Zahar, 2007), primeiro livro brasileiro sobre mídia social.

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