50 anos de My Fair Lady no cinema

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28 de junho de 1965: abria no cinema Vitória da Rua Senador Dantas, no centro do Rio de Janeiro, o filme My Fair Lady, em cópia novinha de 70 mm, inaugurando na cidade este então moderno sistema de projeção. E isso foi apenas o início de uma mudança radical importante nos demais cinemas da cidade, que passaram a reformar telas e aparelhagem, de forma a acomodar a projeção de bitola larga dotada de seis canais de som estereofônico, seguindo o padrão Todd-AO.

Com a ajuda do leitor do site in70mm João Carlos Reis Pinto eu consegui fazer uma pesquisa no que sobrou do jornal carioca Ultima Hora, redescobrindo datas e eventos sobre a exibição de filmes 70 mm na cidade.

Em anos recentes, conversando com o pioneiro do formato 70 mm Orion Jardim de Faria eu soube que a primeira instalação do Vitória foi feita com projetores Philips DP-70, comprados pelo grupo Severiano Ribeiro à época de um exibidor do sul, que parece não quis montá-los em um de seus cinemas. Sorte nossa, porque o DP-70 era um primor de qualidade, e depois se tornou a base do Incol 70/35, que eventualmente substituiu os Philips do Vitória e foi instalado no restante dos cinemas da cadeia GSR.

My Fair Lady havia sido exibido em teatro no Rio de Janeiro, encenado por Bibi Ferreira e companhia, no Teatro João Caetano, se não me engano. Meus pais me levaram ainda menino para ver a peça, muito bem montada, por sinal. O título “Minha Bela Dama”, bem que poderia ter sido literalmente transcrito para o filme, mas no cinema o título brasileiro simplesmente não colou, como pode ser visto na captura do anúncio no jornal publicado na época:

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O anúncio do jornal é da segunda semana de exibição. No entanto, ela durou por 21 semanas, como prova a captura a seguir:

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Na América, a CBS comprou os direitos da peça, com música e libreto da dupla Lerner e Loewe, e encenada por Rex Harrison e Julie Andrews na Broadway. A Warner Bros comprou os direitos de filmagem, na figura do carismático Jack Warner, remanescente da fundação do estúdio.

Em 1964 abriu-se uma mega produção, mas logo de cara uma polêmica foi criada: Jack Warner preteriu Julie Andrews, que além de atriz era cantora, e contratou Audrey Hepburn. Até hoje, eu não consigo ver esclarecida esta escolha, mas tudo faz crer que Mr. Warner não tinha confiança na projeção do nome de Andrews para vender o filme, visto que ela era uma atriz iniciante. Depois, vendo que a voz de Hepburn não encaixava de jeito algum nas cenas, o estúdio chamou a cantora Marni Nixon para dublar a atriz.

Durante as filmagens a voz de Audrey Hepburn foi gravada ao vivo, mas substituída posteriormente na pós-produção do filme. Testemunhas afirmam que Audrey Hepburn teria ficado uma fera quando soube que os seus esforços de cantora foram em vão, mas Hollywood era assim mesmo, e por coincidência Marni Nixon já havia sido chamada para fazer o mesmo em produções de outros filmes, como West Side Story (United Artists) ou The King And I, da Fox.

Tudo isso seria evitado se Julie Andrews fosse chamada para repetir o seu papel do palco. A inquestionável qualidade da sua interpretação pode ser observada na versão em CD do Lp gravado na época:

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Em compensação, a personificação de Eliza por Hepburn ganha um tom particularmente atraente, obviamente impulsionado pelos méritos artísticos da atriz. Na época do lançamento do filme, duvido muito que a plateia tivesse se dando conta de que Audrey Hepburn havia sido dublada.

Já com Rex Harrison a história é outra: ator de forte presença tanto no cinema quanto no palco, o papel de Higgins na peça foi escrito por Alan Jay Lerner com o ator inglês em vista. E como Harrison não era cantor, inventou-se de fazê-lo recitar as letras de forma a tornar factível a composição de música e letra. De fato, é até hoje difícil de imaginar quem poderia ter feito este papel melhor. O personagem muda no decorrer da estória de um homem narcisista, coisa muito comum no meio acadêmico, para um professor que não desiste da batalha de tornar a sua aluna uma mulher com requintes de excelência. É o discurso e o epítome da função do verdadeiro educador, nas palavras do dramaturgo George Bernard Shaw, e ditas por Harrison com total convicção.

O momento mais dramático e eloquente do papel de Higgins é falado com inigualável maestria pelo ator: Eliza, mostrando cansaço e esgotamento, diz que não consegue alcançar o que ele quer ensinar, mas ele se senta ao lado dela e faz um discurso memorável, que culmina com a frase no original “…and conquer you will!”, se referindo à fé que ele professor tem de que sua aluna é capaz e o seu esforço bem sucedido!

Tal diálogo mostra a essência da peça e do filme: transformar um ser humano sem futuro em outra pessoa completamente diferente e confiante em si própria. George Bernard Shaw se baseia na mitologia grega, ao escrever sua peça “Pigmalião”, mas a adapta à sua visão otimista de que qualquer ser humano pode alcançar o que quiser, desde que se esforce para tal (e melhor ainda se tiver disposto um professor ou mestre que entenda este princípio e o guie pelo árduo caminho do aprendizado).

As versões principais em vídeo

Os direitos sobre My Fair Lady foram readquiridos pela CBS e teve nada menos do que quatro versões em disco. A primeira, em caixa de luxo, foi lançada na época do Laserdisc (vídeo disco da Pioneer, década de 1980), feita a partir da restauração da película. Nova versão em disco foi editada em DVD, transpondo-se os extras feitos para o LD.

Na era Blu-Ray, uma enorme decepção: a primeira versão na mídia foi editada com uma indesculpável negligência, imagem e som!

Como foi usado o novo negativo 70 mm de preservação produzido pela restauração do filme ainda na década de 1980, foi o restaurador Robert A. Harris quem primeiro notou a discrepância de contraste entre o centro e os cantos da imagem. Em sua crítica publicada na internet anos atrás, ele cita uma das falas do filme, quando a mãe de Higgins o encontra na corrida de Ascott: “Que surpresa desagradável”!

Pior foi o som, e nem o restaurador havia notado. Quem na realidade notou primeiro foi um amigo meu o Fernando Blanco, que percebeu a exagerada ênfase artificial de baixa frequência em cenas cantadas e na trilha sonora em geral. Na cena de “With a little bit of luck” em particular o desequilíbrio é insuportável. E eu não só confirmei isso, como postei um comentário no fórum do site Blu-Ray.com recentemente, ao qual o restaurador Robert Harris respondeu dizendo que o som da nova edição havia sido retrabalhado.

A reedição de 50 anos

De fato, na segunda e espero definitiva para o momento, edição em Blu-Ray, o negativo Eastmancolor original de câmera foi revisitado e corrigido em cada fotograma, agora com programas bastante sofisticados. Todo o desgaste deste negativo foi compensado, inclusive com a recuperação completa do contraste. Os níveis de preto estão excelentes, o que ajudou a preservar corretamente as cores. A impressão visual que passa agora é a de estarmos vendo um filme moderno.

Foi feita uma varredura em 8K de resolução, o que facilita a restauração digital, e depois reduzida a 4K para a elaboração do intermediário digital, do qual foi tirada a nova versão em Blu-Ray.

A diferença de contraste, cor e enquadramento pode vista nas capturas abaixo dos créditos do filme. Na nova versão o enquadramento foi corrigido de 2.39:1 para 2.20:1, portanto dentro da relação de aspecto (A.R.) normal para filmes 70 mm Super Panavision.

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Com o áudio, os restauradores tiveram o bom senso de voltar ao filme magnético daquela época e transcreve-lo no padrão de 96 kHz e 24 bits, norma na maioria dos estúdios atuais. E esta trilha de 6 canais foi retrabalhada para ser posteriormente transcrita em Dolby TrueHD em 96 kHz de resolução, que está no disco. O resultado é estupendo: percebe-se uma maior claridade nos diálogos e a orquestração com um balanço tonal que lembra a exibição original em 70 mm do cinema.

Nota-se também uma mudança importante na mixagem, em relação à primeira restauração. Na cena da corrida de Ascott, o som do filme havia sido modificado para 5.1 canais, com o efeito sonoplástico da marcha dos cavalos indo do surround direito para as caixa frontais e desaparecendo no surround esquerdo. Na nova versão 7.1, o som vai do canal direito para o esquerdo e desaparece no surround back mono, o que está de acordo com o formato Todd-AO, cujo surround era mono.

Os diálogos, agora restaurados, são direcionais, localizados entre os canais frontais esquerdo e direito, de acordo com a presença dos atores na tela. Evidente que não é possível ter cinco canais frontais nas instalações de home theater, mas nada impede a simulação correta deste formato, desde que com a correta instalação e ajuste dos canais frontais.

Comentários finais

Parece maluquice um usuário investir dinheiro e preocupação em novas versões de filmes clássicos ou modernos, mas em alguns casos eu tenho certeza de que vale muito a pena. Eu só lamento que uma parte deste prejuízo caia na mão de quem compra, e não há, que eu tenha visto, um programa de retorno e troca das edições mal feitas, como foi o caso da primeira edição em Blu-Ray.

Pode ser também que muita gente não note os problemas de áudio e vídeo que apareceram na primeira versão. Para o colecionador e cinéfilo tais deficiências são inaceitáveis, em se tratando da estatura de um filme como My Fair Lady.

Milhares de dólares são gastos na preservação deste tipo de filme, e não é à toa que isto é feito. Pelo menos do meu lado, eu só posso ser grato à Paramount do Brasil, por ter tornado este título prontamente disponíveis nas revendas, nos dispensando de aborrecimentos e custos com importação.

Claro que não é possível mais comparar a imagem do original em 70 mm, como projetado nos padrões da década de 1960, mas a preservação do filme em vídeo de alta resolução dá chance àqueles de gerações recentes de assisti-lo, não só o público em geral, mas estudantes e aficionados pelo cinema.

My Fair Lady é um filme lento, não é jamais um musical do jeito que era feito nas décadas anteriores, mas é uma obra que mostra a genialidade de George Bernard Shaw, a competência dos atores envolvidos e os cuidados da produção. É um filme típico de estúdio, que ainda exibe a velha Hollywood, capaz de criar Londres em cenários magníficos, e importar atores para dar crédito às filmagens.

Julie Andrews “vingou-se” de Jack Warner ao agradecer a ele de público pelo Oscar de melhor atriz recebido de sua participação no filme Mary Poppins, naquele mesmo ano. Warner foi flagrado pelas câmeras da cerimônia com uma sonora gargalhada. E não foi para menos! [Webinsider]

 

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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