Jornais pedefados lembram a internet de 95

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Nicolau Centola

No último dia das bruxas fomos todos surpreendidos pelo anúncio de que o Grupo Estado passaria a oferecer o conteúdo dos jornais O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde na web apenas no formato PDF (formato de documento portátil), abandonando o tradicional HTML.



Nem todos foram surpreendidos, na verdade. A notícia da mudança para o formato já vinha circulando à boca pequena faz tempo. Sem considerar a demissão sumária de toda a equipe do online, podemos analisar esta mudança em dois universos.



Em primeiro lugar, em uma análise simplificada, considerando o formato web, a mudança traz mais desvantagens do que vantagens. Arquivos PDF são muito mais pesados que os equivalentes em HTML, o que força o internauta a ficar conectado mais tempo, usar mais banda e esperar o download de cada arquivo. Para se ter uma idéia, a primeira página do caderno de Informática do Estadão do dia 3 de novembro pesava 1,3MB. Uma página normal em HTML não pesa mais que 100KB (normalmente é muito menos que isso).



O Acrobat Reader, o software mais usado no mundo para leitura de arquivos PDF, é proprietário da Adobe Systems, o que obriga o usuário a baixar o programa e aprender a usá–lo. Parece simples, mas na verdade não é. Existem internautas que nunca usaram o programa ou não têm interesse em instalá–lo. Além disso, o software hoje é gratuito, mas nada nos garante que um dia ele passe a ser pago.



Se pensarmos na linguagem internet, o maior problema do uso de PDF está na falta da capacidade de uso da principal característica da web: os hyperlinks. OK, é possível inserir links em um arquivo PDF, mas esse recurso é raramente utilizado a contento. No caso específico dos jornais, não existe esta opção, o que torna a “navegação” linear. Ou seja, deve–se baixar página por página até se encontrar a matéria desejada. Se não há links, não há notícias correlatas, conteúdo exclusivo, arquivos de áudio e vídeo, muito menos flash.



Os arquitetos da informação do Grupo Estado perceberam este furo no dia 4 de novembro, quando inseriram na home page dos jornais uma lista com os títulos das matérias e links para as páginas PDF correspondentes. Uma solução inócua, pois contempla somente as principais notícias do dia. O resto tem que ser encontrado na unha mesmo. Mesmo porque não existe ferramenta de busca, e em breve, se você não lembrar o dia, o caderno e a página que foi publicada a matéria desejada, prepare–se para perder muito, mas muito tempo mesmo procurando. Além disso, o arquivo ficará disponível apenas por sete dias.



Para isolar ainda mais o conteúdo dos jornais da rede, o conteúdo do PDF não é adicionado aos sites de busca. Ou seja, não perca seu tempo procurando no Google. Nada está lá. Fico imaginando como encontrar algo destes jornais daqui a alguns anos. E pérolas como uma reportagem sobre Jorge Luís Borges, construída em forma de labirinto, como uma metáfora da própria obra do escritor? Tudo isso está lá, mas ninguém mais tem acesso. Ou seja, o Grupo Estado tornou–se uma torre de Babel, com seus andares falsos e calabouços intermináveis.



Desse jeito fica difícil encontrar as tais “várias vantagens” que o Grupo Estado sugere em sua nota de divulgação das mudanças. Vejamos algumas supostas vantagens. “Os jornais, tais como foram impressos, estarão disponíveis a partir de qualquer computador com acesso à internet”. Ah, tá, que bom. Se não estivessem, ficaria complicado.



Para o Grupo, “as novas edições, em PDF substituem as páginas anteriores, em HTML, que deixavam de fora partes importantes dos conteúdos dos dois jornais, como páginas de cotações e os cadernos de classificados, entre outros”. Peraí, as cotações estão na home do Estadão.com.br em tempo real (não os números do dia anterior) e os classificados têm uma seção específica. Será que eles estão querendo dizer que os classificados do Estadão não estavam na versão online, ou que agora eles não estarão mais? Quer dizer que quem quiser comprar um carro, por exemplo, vai ter que procurar em dois lugares nos sites do Grupo, um deles em um formato que não permite uma busca por palavras–chave?



Além disso, “os assinantes também terão acesso irrestrito ao arquivo dos jornais a partir de 1995”. Seria um banco de dados realmente valioso, se existisse uma ferramenta de busca. Hoje o que temos disponível são sete dias de jornal, sem possibilidade de busca interna. “Com o novo formato, passam a ter acesso à mesma edição que circula na Capital, o que inclui as notícias que chegaram após o fechamento da primeira edição e a cobertura completa dos jogos da rodada, entre outros conteúdos”. Eu imagino que o mínimo que se deveria fazer, em qualquer formato, é a atualização das notícias que chegaram após a primeira edição. Se isto não era feito antes, outro ponto negativo.



Mas a análise mais profunda que devemos fazer é na mudança da estratégia web do Grupo Estado, uma das primeiras empresas da grande mídia a se preocuparem com a influência das novas tecnologias na produção de informação. Ainda em 1993, assessorado por um grupo da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra, na Espanha, o Grupo definiu sua estratégia baseada no modelo de turbina informativa, cuja principal característica é transformar a empresa jornalística em empresa informativa.



Neste modelo, todas as unidades produtoras de informação (impressa, rádio e web) trabalham em sinergia para potencializar o alcance em mercados informativos internos e externos. O centro deste informaduto seria a Agência Estado, que teria um papel agregador das informações geradas pelas diferentes fontes, utilizando todas as vantagens que o meio digital, principalmente a internet, oferece para o processamento destas informações, distribuindo–as em diferentes canais.



Obviamente a tão esperada sinergia e cross media nunca ocorreu de fato, exceto em momentos pontuais, por diversos motivos estruturais. O que mais nos choca nesta nova diretriz dos jornais do Grupo Estado é que esta notícia de certa forma joga uma pá de cal neste modelo, que consumiu praticamente uma década e investimentos consideráveis. Ao tomar uma decisão que certamente foi motivada por uma economia de escala e que terá conseqüências desastrosas, o Grupo Estado dá um passo atrás, voltando conceitualmente à internet de 1995, quando reinava a simples transposição de conteúdo para um meio novo, sem agregar recursos multimídia e nem hipermidiáticos.



Um verdadeiro tiro no pé, já que ao definir uma estrutura incompatível com o meio de distribuição, o Grupo Estado inibe o acesso ao conteúdo de seus jornais, o que com certeza reduz as possibilidades de utilização econômica deste material no futuro. A cada mês os jornais impressos perdem considerável fatia de assinantes, pelo simples fato do formato estar errado, ou seja, focada no factual do noticiário, sem conseguir produzir uma análise crítica do fato jornalístico.



Na internet o leitor também não encontra mais nada além do que ele pode comprar por apenas R$ 2,20 e ter em mãos um jornal inteiro. Não vejo um futuro promissor para o grupo. Nem ousaria imaginar o que a próxima década irá nos reservar, mas com certeza com a decisão do último dia 31, eles jogaram dez anos no lixo. [Webinsider]



Artigos de autores diversos.

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