Brasileiros no Orkut: “tamo invadino geral”

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No momento em que escrevo isto, caro leitor do Webinsider, vivemos um momento histórico na web: o número de brasileiros no Orkut acaba de ultrapassar o de americanos. Foi uma vitória suada, medida dia a dia desde a semana anterior, esperada com a emoção de quem acompanha a seleção às vésperas de uma final de Copa do Mundo.

E aconteceu: cinco meses depois de lançado, o sistema de relacionamentos do Google, criado e ocupado em sua maioria por americanos, passou agora a ser território predominantemente brasileiro. Claro que não é assim tão fácil: somos agora (10:46 da manhã do dia 24 de junho de 2004) 30,87% de brasileiros contra 30% de americanos. Esse número tem aumentado lentamente desde a noite de ontem – mas o jogo pode virar.

Não importa. É bem provável, aliás, que muitos de vocês estejam se perguntando: “mas o que eu tenho a ver com isso?” “Por que uma publicação séria como o Webinsider está dedicando tanto espaço a uma bobagem dessas?” A resposta é simples: porque não é bobagem.

O sucesso do Orkut em nosso país é apenas a etapa mais recente num processo de alfabetização e evolução digital que vem ocorrendo desde os primórdios da web no Brasil. Assim como os blogs, que no começo foram desprezados por se tratarem de “diários digitais de adolescente” e depois assumiram um status tão grande que até mesmo personalidades e intelectuais que têm algo a dizer hoje possuem blogs – e nem estamos falando dos novos escritores que têm sido revelados através da publicação de histórias nessa ferramenta.

Como toda novidade, o Orkut tem grandes vantagens – e muitos defeitos. Eu mesmo mencionei, num artigo escrito há alguns meses, a famosa “cadeia”, onde vão parar pessoas que adicionam muitos amigos de uma vez só. E naquela época eu ainda não conhecia o horror que é o spam das mensagens enviadas para os “friends of friends” (e também não sabia que existe um jeito fácil de acabar com esse problema, mas o tempo e um pouco de paciência fazem maravilhas).

Está todo mundo tão curioso para conhecer essa ferramenta que a procura por convites não pára. No meu último artigo a respeito, eu convidei os leitores que desejassem a me enviar e–mail pedindo admissão no Orkut. Até agora foram mais de cinqüenta pedidos, e continuo recebendo mais a cada dia. Outra coisa que vem sido discutida com freqüência e é fundamental comentar aqui é esse processo de admissão, considerado elitista e autoritário por muita gente que se recusa a entrar no Orkut. Concordo com essas pessoas, e justamente por isso reitero mais uma vez meu convite a quem quiser entrar em contato comigo. Demolir essas barreiras é fundamental.

E é justamente por isso que a notícia da ultrapassagem dos brasileiros no Orkut é tão importante. Porque se trata de demolir barreiras. Há algum tempo, um americano criou uma comunidade reclamando do que ele classificou de “invasão brasileira do Orkut”, alegando que o Orkut era criado por americanos e portanto cabia a eles a primazia do uso – a começar pelo uso do idioma inglês, que deveria ser o único a ser usado no sistema, na opinião dele. Claro que os brasileiros não deixaram passar essa afronta. Imediatamente foram criadas comunidades de repúdio ao americano (Nós Odiamos o Gary, entre algumas outras) e as flame wars começaram a proliferar.

Não foi uma situação agradável. Muita gente reclamou das trocas de insultos e principalmente do volume de spam de ambas as partes, enviados para quem não estava se metendo na pendenga e nem desejava isso. Coisas da web (quem nunca presenciou esse tipo de situação em fóruns ou listas de discussão que atire o primeiro e–mail), que infelizmente não ficaram de fora do Orkut. Essa é a dinâmica do mundo. A dinâmica da web difere pela sua velocidade, pela capacidade de estabelecermos mais e melhores contatos. Mas isso não quer dizer que ela seja necessariamente melhor ou pior que o mundo real.

Paralelamente a essa série de eventos, algumas pessoas mais antenadas começaram a perceber que o percentual de brasileiros estava crescendo tanto que em poucos dias chegaria a um nível superior ao dos americanos. Para que brigar, se o simples ato de convidar amigos já demonstrava claramente a capacidade de união e mobilização das pessoas? Foi então que o jornalista e músico Alex Antunes teve a idéia de uma flash party (misto de flash mob com festa) para comemorar o acontecimento. Juntamente com o jornalista e DJ Alexandre Matias e este que vos digita, começamos a trocar e–mails, dos quais nasceram dois manifestos e uma nova comunidade no Orkut. A comunidade atende pelo singelo nome de Tamo Invadino Geral, uma saudável brincadeira com a acusação de invasão que nos foi imputada.

Novamente, nem todos gostaram da idéia. Um conhecido meu respondeu ao meu e–mail de convite para a comunidade dizendo que não havia solidarizado com a causa. Respondi me desculpando por tê–lo incomodado com algo que não era de seu interesse, mas depois a pergunta me bateu: mas que causa é essa, afinal? Existe realmente uma causa?

Não necessariamente. O que houve foi uma sucessão de discussões e alguns mal–entendidos de ambas as partes. Claro, como em todo grupo, há radicalismos. Se a unanimidade é burra, como dizia Nelson Rodrigues, às vezes a discordância não fica atrás. Há quem acredite que essa ultrapassagem dos brasileiros em cima dos americanos seja o símbolo de uma “tomada” do Orkut. Não é verdade. O Orkut é um sistema que faz parte de uma empresa, o Google. Por acaso, em determinado momento, essa empresa passou a ter em seu sistema de relacionamentos um número maior de usuários estrangeiros (para eles, claro). Mas o Orkut continua sendo gerenciado em sua maior parte por americanos. Portanto, pensar que os brasileiros automaticamente podem mandar no sistema porque são maioria não procede (se fosse assim, para traçarmos um triste paralelo, os índios teriam rechaçado os portugueses no século XVI, pois eles estavam em vantagem numérica, pelo menos nos primeiros anos do Descobrimento).

Mas isso quer dizer que toda essa comemoração de nada significa? De jeito nenhum. Só o fato de que os brasileiros são maioria no Orkut prova que, ao contrário do que nosso pessimismo terceiro–mundista nos leva tantas vezes a declarar, somos mais fortes do que pensamos. Porque temos a capacidade de nos mobilizarmos. Pode ser por uma coisa aparentemente sem utilidade, mas mesmo assim já é um bom começo.

Ultrapassar os americanos num sistema que eles mesmos criaram é uma vitória bastante significativa: não se trata de um joguinho bobo para ver quem chega primeiro (evidente que alguns pensam assim, é normal), mas de um fato: brasileiros se mobilizam mais, melhor e mais rápido. Se isto ocorre numa comunidade de relacionamentos, imagine o que uma smart mob como essa poderia fazer.

No rastro dessa euforia, alguns já estão pedindo o fim do predomínio do idioma inglês no Orkut. Outros, mais radicais, querem que agora toda a interface do sistema seja traduzida para o português. Outros ainda, mais sensatos, defendem uma personalização (como já existe no Yahoo e no próprio Google), para que cada um escolha seu idioma de interface.

Eu também tenho uma proposta: por que nós, brasileiros, neste momento de comemoração, ao invés de colocarmos o dedo na cara dos americanos e tripudiar deles, simplesmente não convidamos os membros das nações que estão logo atrás de nós no Orkut? Neste momento, Irã, Índia e Estônia estão bem atrás de nós, mas lentamente começam a se desenvolver e criar comunidades interessantíssimas (de assuntos tão vitais quanto Matemática e Semiótica, passando por uma comunidade dedicada à figura de Albert Einstein) exclusivamente em seus idiomas.

Por que não chamá–los para que eles venham a ser nossos amigos? E por que não os incentivamos para que também eles cresçam digitalmente através do Orkut?

Afinal, é para isso que sistemas de relacionamento como o Orkut servem. Para unir, e não para dividir. Ultrapassamos os americanos? Que ótimo! Mas por que não fazemos alguma coisa de útil com isso agora? [Webinsider]

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Update (25/06, 00:25) – Mais uma comunidade foi criada no rastro dessa virada. Trata–se da The Geovirtual Manifesto, feita para congregar todos que desejarem entrar, de todos os países, para trocar idéias em todos os idiomas, numa babelização sem fronteiras nem proibições. Se vai dar certo, só o futuro dirá. O que vale é tentar.

Fábio Fernandes é jornalista, tradutor e escritor. Na PUC-SP, é responsável pelo grupo de pesquisa Observatório do Futuro, que estuda narrativas de ficção científica e a forma como elas interpretam e são interpretadas pelo campo do real.

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