Propriedade intelectual e radiodifusão na era Justin.tv

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Sempre achei o YouTube fantástico, mas também sempre tive aquela sensação de que ?faltava algo?, até que conheci a simplicidade do justin.tv, uma espécie de “YouTube” ao vivo, site em que qualquer um pode transmitir conteúdo em tempo real, bem como assistir e conversar com outras pessoas que estejam assistindo.

Quando viajar, basta o notebook com internet para assistir seu programa de TV favorito. Empresas já estruturam canais específicos no site. Profissionais de marketing já desenvolvem ações no portal. Mas de videocasts a internet está cheia, então qual a novidade do Justin.tv?

O conteúdo é variado. É o que se pode esperar do que é publicado ao vivo, que vai de desenho do “Bem 10” ao namoro de adolescentes menos tímidos (embora se possa fechar as salas e advertir sobre o conteúdo dos canais).

Mas o problema mesmo vem na retransmissão de conteúdos pagos ou até mesmo da TV aberta.

Quem não está assistindo os campeonatos estaduais de futebol na internet?

Para a TV paga é realmente o caos – basta um assinante esperto para retransmitir o conteúdo pela internet a centenas de milhares de pessoas que não têm condições para assinar os pay-per-view. E também para quem tem condições e está cancelando os serviços e correndo para frente do computador.

Ponto adicional? Chega de brigas com as companhias, aliás, apresento o ponto adicional da era do conhecimento:

Watch live video from Milagre.exemplo channel on Justin.tv

E na TV aberta? No que isto impacta ? Em tudo! Sabe aquelas jogadas comerciais dos campeonatos em não transmitir para as cidades onde é o jogo? Acabou. Sabe aquela parte mais “picante” de um talk show que você só pode ver se pagar? Já era. Aquele jornal regional que você não poderia assistir? Agora pode!

Não se pode controlar mais nada, pois a qualquer momento o conteúdo vaza para o Justin.tv.

Mas tudo isso é legal ? No Reino Unido as manifestações são para o Não.

Nos Estados Unidos a guerra começou com os problemas das ligas esportivas e NBA.

Bem, no Brasil, a Lei de Direitos Autorais (9610/1998) prevê que depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado.

Assim, ?espelhar? conteúdos de TVs fechadas na internet é considerado pirataria.

Mas e na aberta?

Igualmente, as TVs têm o chamado de direito “exclusivo de reprodução”, por radiodifusão. Eis que na transmissão via IP, a TV não tem como apurar sua audiência e com isso terá impacto financeiro em decorrência de uma utilização indevida de seu conteúdo (haverá diminuição no número de aparelhos ligados).

Além disso, a transmissão de conteúdos de TVs “ao vivo” na internet, embora polêmico, já é considerando execução pública pelo ECAD, sendo que sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas.

Assim mesmo que as TVs autorizassem o espelhamento, ainda assim, seriam devidos royalties aos proprietários dos conteúdos, pela ?execução publica virtual? (conceito do ECAD com o qual não concordo nem por aproximação).

Também, segundo o velho Código Brasileiro de Telecomunicações, Lei 4117/62, que define radiodifusão como serviço destinado a ser recebido direta e livremente pelo público em geral, compreendendo radiodifusão sonora e televisão, a interceptação de sinais ?fechados? seria crime. Vejamos:

Art. 56. Pratica crime de violação de telecomunicação quem, transgredindo lei ou regulamento, exiba autógrafo ou qualquer documento do arquivo, divulgue ou comunique, informe ou capte, transmita a outrem ou utilize o conteúdo, resumo, significado, interpretação, indicação ou efeito de qualquer comunicação dirigida a terceiro.
  § 1º Pratica, também, crime de violação de telecomunicações quem ilegalmente receber, divulgar ou utilizar, telecomunicação interceptada.

Destaca-se que no Brasil, também, embora posição minoritária, o ?gato sinal elétrico?, ou o ?gato de TV a cabo?, já foi considerado por algumas câmaras dos Tribunais como crime de furto, como despacho emitido pelo extinto TAC de São Paulo:

“Furto de energia. Agente que subtrai, por meio de ligações clandestinas, teletransmissões via cabo, de considerável valor econômico. Caracterização: o ilícito penal a que faz menção o art. 35 da Lei nº 8.977/95. pelo qual deve ser condenado o agente que subtrai, por meio de ligações clandestinas, teletransmissões via cabo de considerável valor econômico, é o disposto no art. 155, ?caput?, c.c. seu §3º, do CP. As imagens de um serviço de televisão a cabo somente chegam ao seu destino impulsionadas por ondas eletromagnéticas, configurando sua subtração, portanto, furto de energia” (TACrim, Apelação nº 1334393/2, Rel. Dr. Oliveira Passos, j. 26/06/2003).

E quem assiste ?

Muito se fala em receptação, previsto no art. 180 do Código Penal. Não entendemos que quem navega por canais do justin.tv possa ser punido por recepção. Não com o Código Penal que temos, de 1940! Aliás, existe toda um limiar investigativo no que diz respeito a estas atividades na internet. Me diga: quem pode precisar quem foram os usuários que acessaram o canal x em um período? Rapidamente?

Mas e com a “Lei do Senador Azeredo”, o que muda?

É aí que encontrávamos toda a polêmica e a possível punição criminal nítida para quem assistisse ou recebesse conteúdos, eis que no seu artigo 285-B, a lei previa que:

Art. 285-B Obter ou transferir dado ou informação disponível em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, sem autorização ou em desconformidade à autorização, do legitimo titular, quando exigida:

Pena ? reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Parágrafo único. Se o dado ou informação obtida desautorizadamente é fornecida a terceiros, a pena é aumentada de um terço.

Dava para entender o porquê do “não ao projeto”. Recebeu sem querer um e-mail com pirataria? Ninguém mandou, será punido! Na hipótese acima, receber um e-mail com conteúdo protegido, mesmo que ?não solicitado?, poderia levar o usuário à punição. Este artigo foi modificado, e hoje está:

Art. 285-B. Obter ou transferir, sem autorização ou em desconformidade com autorização do legítimo titular da rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, protegidos por expressa restrição de acesso, dado ou informação neles disponível.

Assim, a questão do Justin.tv ainda continua afeta ao Direito Autoral e ao crime previsto no artigo 184 do Código Penal, a violação do direito do autor:

Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
§ 3o Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Destaca-se também que os criadores de canais estão lucrando com publicidade, pois fica fácil pinçar um BBB pago e vincular na página um banner de um produto ou serviço, levando os méritos e atraindo audiência às custas alheias, nítida concorrência desleal.

Deste modo, embora o Justin.tv não esteja sob a égide da legislação brasileira, nada obsta que hajam quebras de sigilo judicialmente para se apurar os dados dos criadores dos canais, para processos cíveis e criminais. Como fazer isso como eficácia e eficiência, e como investigar tais delitos, é outra história.

Fechar o Justin.tv? A história já demonstrou não ser possível, ou você não se lembra do Napster, Kazaa, Limewire, Orkut, You Tube…

Se a briga, no Brasil, ainda é pelo ponto adicional, liberado recentemente é impossível prever o futuro da radiodifusão com a popularização dos modernos videocasts, como o Justin.tv. [Webinsider]

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José Antonio Milagre (@periciadigital) é Perito e Advogado especializado em Tecnologia da Informação. Site: www.legaltech.com.br.

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7 respostas

  1. Parabéns pelo brilhante comentário a cerca do assunto.
    Já me tenha ocorrido refletir sobre a matéria em foco, mas sem atentar com profundidade ou me importar de imediato quanto aos efeitos quanto ao impacto dessa evolução cibernética já está causando nos meios de telecomunicação.
    A sua alusão civil e criminal grandiosamente perfeita, merecedora de despertar a atenção de todos os jurisconsultos e profissionais afins…
    Quanto a sua pergunta no final a respeito futurista, te digo que já é muito presente, eu mesmo tenho observado os diversos “sites de interfaces” onde redirecionam os canais retransmissores e constatados que esses vêm crescendo em números e qualidades assustadoramente.
    Com a minha explanação acima, podeis perceber que acabei de confessar que ocasionalmente sou um receptador de sinais tele comunicativo, e quem não o é também que me atire a primeira pedra.
    A verdade é que o computador e a internet é apenas um meio e os diversos seguimentos de arte e diversão é que são transformados, ou melhor, evoluem junto com a sociedade como um todo.
    Agora, a comercialização dos produtos (obras artísticas) é quem são afetados diretamente e indiretamente os criadores e demais artistas.
    Mas a sociedade é assim mesmo, evolui sempre, a par e passos seguindo rumo das grandes transformações e aperfeiçoamento humano.
    As transformações causam impacto mas a própria sociedade dá asas as acomodações, pois são novas realidades e temos que enfrenta-las, pois não há transformação sem ser traumática.
    E aqui já disse tudo se acomoda e assim o rádio quando veio disseram que acabaria o jornal, não acabou. Por sua vez a televisão quando veio disseram que acabaria o rádio, não acabou. Do mesmo jeito o cinema se acomodou juntinho com a televisão até passou a ser mais divulgado e não acabou…
    Hoje o grande vilão é o computador que luta ferozmente com o seu grande general que é a internet, e o pessoal do comércio sabem bem disso e até eles mesmos já estão tirando proveitos da situação, ou não sabemos que os próprios canais televisivos já não estão procurando veicular seus programas pela internet.

  2. Boa noite,
    Gostaria de saber a sua opinião sobre a cobrança do Ecad sobre as rádios Web que também são concessionárias do serviço de radiodifusão.
    Um abraço
    Fernando

  3. Não vejo problema algum em retransmitir o sinal de tv. O que mais me incomoda é o pegar sinal ilegalmente e vender assinaturas premium como se eles fossem proprietários do conteúdo.
    Isso sim é pirataria.

  4. Um coisa q a tempos me pergunto:

    Pq as tvs abertas não transmitem sua programação ao vivo em seus sites oficiais?

    não seria mais uma opção para assistir sua programação?

    no q iriam perder?

    o fato da globo estar (um pouco tarde) colocando seus vídeos de forma nao-linear (programas já exibidos) não impede de colocar sua programação ao vivo….

    acho q isso só dá brecha para a pirataria ou como diz na matéria, puxar um gato…rs

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