NewsGames, jogue com a notícia para calibrar a mira informativa

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Com Geraldo A. Seabra*

O jogo deixa para trás a velha inocência da diversão e lazer e passa a funcionar como suporte de elevação do poder de busca e produção de informação. Fazer uma boa calibragem da mira informativa muda realidades e projeta soluções para problemas reais do cotidiano, no qual as iniciativas governamentais são pífias ou irrelevantes. 

Embora a segunda década do século 21 esteja apenas no começo, algumas análises são pontuais para entender a quebra de paradigma imposta pela sociedade em rede, que tem o ano de 1985 como seu marco histórico. Passados quase 30 anos, muitos ainda se questionam como lidar com o advento da informação hiperfragmentada. Todos os dias somos atropelados por um turbilhão de informações. Mesmo após a quebra de paradigma em “2001: uma odisséia no espaço” (um filme de 1968), ainda pensamos o mundo sob uma lógica renascentista, como afirma Henry Jenkins no livro “Cultura da Convergência”. Especialista em mídia do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachuttes), Jenkins ressalta que a grande mudança é termos deixado de reverenciar Leonardo Da Vince como aquele homem que detinha todo o saber de uma sociedade.

Passamos do modelo de informação centralizada para um modelo segmentado, coletivo e colaborativo. Em vez de pessoas “bem-informadas” devemos nos comportar como cidadãos monitorizadores. Alguém que vasculha o universo caótico e passa a filtrar informações necessárias para uso pessoal ou pela comunidade na qual faz parte. Neste novo paradigma informacional, devemos agir de forma pontual e objetiva, em contraste com a necessidade de compreensão profunda de tudo que acontece ao nosso redor. Mas como agir de forma pontual e objetiva se 99% da informação que realmente interessa não está disponível aos usuários da internet?

De acordo com o artigo “O buscador calcula o conteúdo e a relevância, mas você decide”, de autoria de Luiz Picolo, temos acesso, na verdade, a apenas 1% de todo o conteúdo das buscas feitas no Google. É uma parcela insignificante do que existe nos bancos de dados de toda a rede. A web oculta (o conteúdo que não podemos acessar) representa 75% de todas as informações presentes na web. Ou seja, os bancos de dados que não podem ser acessados pelos buscadores ou simplesmente conteúdos que não podem ser indexados. Restam-nos, então, 25% de conteúdo da web visível. Desses, apenas 10% são indexados pelos buscadores. Este percentual cai para a casa de um dígito, devido ao fato de o conteúdo ser subdividido em várias páginas. Como a maioria das pessoas não vai além da terceira, a busca pela informação que realmente interessa fica pelo caminho.

Calibrando a nossa mira informativa

Então, o que podemos fazer para calibrar a nossa mira informativa se 75% das informações que realmente interessam estão ocultas em bancos de dados públicos e privados, fortemente trancados? Na verdade temos acesso apenas a informações que não mudam realidades, situação que o blog Target NewsWeek já alertava ao transformar a busca pela informação que interessa em um jogo lúdico de análise das cinco melhores notícias de cada da semana. Basicamente, a informação visível circula um tipo de conteúdo superficial, aquele que mantém o mundo girando na mesma direção.  Que ninguém se iluda: a internet aperfeiçoou, sim, muitos procedimentos, mas não mudou a maioria dos modelos de produção. Em muitos casos, a economia ainda é movida a engrenagens, literalmente.

Em geral, a informação disponível ao público está ligada ao universo factual (notícias, serviços e entretenimento) e a normatizações de governos, “gentilmente” reproduzidas pela mídia. Contudo, nesse estágio informacional intermediário (quando a maior parte da web está oculta), não existe uma fórmula mágica pré-estabelecida de calibragem, mas um processo de seleção de informação que ainda está sendo moldado, o qual todos teremos que dominar. Esse processo é formatado na nossa ação coletiva, que passa pela mediação de curadores de blogs, redes sociais e comunidades virtuais. Ainda se juntam a essa lista grupos de discussão e agregadores de conteúdo (como o popular iTunes).

O sistema sob demanda ajuda o usuário a calibrar a mira informativa. Como estamos ainda numa fase de transição entre dois modelos, a maior parte da sociedade, inclusive a americana, aposta ainda na lógica renascentista de acúmulo pessoal de informação. Mas, como diz Pierri Lévy, “ninguém sabe tudo, afinal todo conhecimento reside na humanidade”. Nessa fase da “web trancada” dividimos o nosso tempo aprendendo a filtrar em atividades úteis e de diversão. Mesmo brincando estamos desenvolvendo novas habilidades que nos serão úteis mais adiante nesse processo de aumento da nossa capacidade de interagir ativamente. Ao contrário do que muitos pensam, os novos fãs dos games residem no âmago dessa sociedade em rede.

No terceiro setor (serviço e entretenimento) eles contribuem fortemente para a ampliação desse novo Modelo de Informação Personalizada. No caso dos games, a comunidade de fãs já é responsável pela produção colaborativa de pelo menos 60% do conteúdo de muitos jogos comerciais. Segundo Jenkins, a noção do novo ativador cultural deve ir além do mero papel de atrair novos fãs para consumir produtos da indústria cultural. Mas o de estimulá-los a serem co-criadores da propriedade midiática. O jogo deixa para trás a velha inocência da diversão e lazer e passa a funcionar como suporte de elevação do poder de busca e produção de informação, que muda realidades e projeta soluções para problemas reais do cotidiano, onde as iniciativas governamentais são pífias ou irrelevantes.

Jogando com informação

Nessa nova sociedade, ressalta Henry Jenkins, crianças e jovens aprendem jogando com informação. Ou seja, todos nós estamos aprendendo lições valiosas ao buscar entretenimento através das redes sociais associadas aos games baseados em informação. Portanto, demonizar a cultura dos games é adiar ainda mais o nosso futuro, seja qual for a sua narrativa. Afinal, suportes lúdicos podem emular, além de entretenimento, informação e notícia. Sendo assim, segue Jenkins, seria um erro prepararmos nossas crianças em escolas tradicionais, onde ainda incentivamos a uma espécie de aprendizagem autista, em alusão ao restrito sentido de aprendizagem hiperindividualizada.

Em vez disso, devemos orientá-las como participar da produção coletiva do conhecimento. O americano Will Wright, autor do game Spore, cria conteúdo que motiva a participação dos fãs dos games criados por ele. Partindo de intervenções simples, os jogadores, de qualquer idade, vão participando coletivamente dando contribuições cada vez mais relevantes. O que, à primeira vista, parece-nos como um mero passatempo, na verdade, trata-se de um novo modo de encarar o que é trabalhar e brincar, que não separa mais a razão pura da razão lúdica, o trabalho do lazer. Isso resolveria a questão de como lidar com a web visível. Mas, e como trazer à luz ¾ de informação da web oculta?

Em um bom italiano, “lascia perdere” (ou deixa perder, numa tradução literal). Mesmo porque, nós nunca vamos poder acessar o seu conteúdo. Nem o Google pode ser chamado mais de o “oráculo digital”, pelo fato de a internet estar dividida em duas: web visível e web oculta. Então, a célebre frase “não está no Google não existe” cai por terra, ironiza Luiz Picolo. Mas os 75% da web oculta (pesquisas científicas e P&B, dados de patentes de produtos, segredos militares e transferência de tecnologia) não esconde grande parte da informação que realmente interessa? Sim, é verdade! Contudo, o seu valor reside, sobretudo, numa sociedade fechada, aquela da qual Leonardo Da Vince faz parte. Numa sociedade em rede, a informação de fluxo é a mensagem! E o conteúdo novo, o motor dessa nova sociedade pautada por códigos abertos.

Sob esse novo prisma, os jogadores de NewsGames (games baseados em notícia) são os primeiros exploradores e tenham a chance de experimentar a odisséia de produzir conteúdo relevante a partir do envolvimento pessoal com a informação. Se não vamos ficar mais refém da busca pela informação oculta, caberá aos novos desbravadores a tarefa de produzi-la. Mas onde? Dentro do tabuleiro de mapas geoprocessados sob a demanda das redes sociais. Lá, a gestão da informação relevante se dá em tempo real na busca de solução de problemas comuns. Eis a grande revolução tão aguardada! Nesse caleidoscópio lúdico dos games como informação, os jogadores irão produzir conteúdo novo para se informar, mudar realidades e informar quem ainda mora na periferia da informação que interessa.

Afinal, quando nos envolvemos pessoalmente com a informação que nos interessa elevamos a nossa capacidade crítica a patamares que vão além da nossa condição atual. Uma das virtudes dos NewsGames é permitir o cruzamento de informação dentro do tabuleiro de jogo. Ao cruzar informações de fontes diferentes chegamos mais perto do que nunca da verdade escondida. O resultado dessa megaoperação cognitiva é a grande  revolução  tão  aguardada  pela humanidade. Mas é ingênuo pensar que apenas as interfaces e narrativas dos games tenham por si só a capacidade de promover a revolução cognitiva que o homem atual necessita para atingir o status de homem pós-humano.

Antes de chegarmos até aqui, fomos homem Alalus, homem de Neanderthal, homem de Cro-magnon, Homo Sapiens… Não foi fácil ser o que somos hoje. Foi uma longa e dura jornada até a invasão humana 100 mil anos atrás. O homem pós-humano não virá com o vento, teremos que pagar um alto preço. Mas qual a conta a pagar? A mesma que fez o homem desafiar o medo e conquistar a Lua no final dos anos 60. Assim, a trilogia de Matrix é apenas uma metáfora que está longe de explicar o que realmente seremos. Pelos menos, Nando Reais já nos deixou a dica: “…o chão é a certeza de um imóvel, prefiro as pernas que me movimentam…”

* Geraldo Seabra, jornalista e professor, mestre em estudos midiáticos e tecnologia, e especialista em informação visual e em games como informação e notícia. Na área acadêmica lecionou no UniBh, Unipac Lafaiete e Funorte. No mercado trabalhou em diversos órgãos de imprensa: Rádio Itatiaia, Rede Minas de Televisão, Rádio Alvorada, Agência de Publicidade CMK3, Revista AMIRT, Diário de Belo Horizonte e Jornal Sabará em Minas. Nascido em Belo Horizonte, está radicado atualmente em Treviso (Itália), onde atua como editor e produtor do Blog dos NewsGames.

[Webinsider]

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Luciene Santos, jornalista e especialista em games como informação e notícia. É co-autora do e-book “Do Odyssey 100 aos NewsGames – uma Genealogia dos Games como Informação”. Nascida em BH, está radicada atualmente em Treviso (Itália), onde atua como apresentadora da WebTV do Blog dos NewsGames.

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