Fitas magnéticas estereofônicas de 2 pistas

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Dentre as fitas magnéticas pré-gravadas para consumo doméstico destacam-se aquelas com 2 pistas de som estereofônico, a partir de gravações feitas no início da alta fidelidade. Quando transcritas integralmente para mídia digital são capazes de revelar a excelência do trabalho original das gravadoras.

 

Existe uma frase lindíssima, escrita no roteiro e apresentada no fim do filme clássico de Frank Capra “It’s a wonderful life” (no Brasil, “A felicidade não se compra”), que pode ser traduzida desta forma: “Lembre-se, nenhum homem que tem amigos é um fracassado”!

 

Pois eu fiz várias amizades com norte-americanos na Internet. Foram pessoas cujos hobbies, opiniões e gostos coincidiram com os meus, isso tanto na área de cinema, quanto de música. Perdi um desses amigos, que era professor e crítico de cinema, que faleceu um pouco antes de eu viajar para lá a trabalho, íamos nos encontrar pessoalmente.

Outro deles, participante do antigo fórum da Verve, sumiu com o tempo. Eu e ele ele trocamos inúmeras gravações de bossa nova, as dele coisas raras que ele havia comprado no Japão. O último desses meus amigos, eu o conheci via análises de discos da Amazon-US, e com ele nós já estamos alguns anos falando sobre música e gravações antigas.

Esse meu último amigo, Brian Williams, é um jovem conhecedor de música clássica, apaixonado por tape-decks e fitas magnéticas, colecionando ambas as coisas. Ele conhece também, e como eu, se interessa por gravações antigas feitas para audiófilos. Como ele mora próximo de Los Angeles, de vez em quando ele visita antigos colecionadores de fitas pré-gravadas, que, por qualquer motivo, querem se desfazer de suas coleções. Volta e meia ele acha raridades, que ele cataloga e transcreve para uma mídia segura.

Dias atrás, ele me manda informações sobre 3 fitas, duas ainda lacradas, com gravações da Capitol da década de 1950, com formato de som estereofônico, copiados em 2 canais.

Evolução das gravações em fita magnética

A gravação em fita magnética foi criada e desenvolvida na Alemanha nazista. Um militar americano (Jack Mullin) levou gravadores e fitas para a América como espólio de guerra, e posteriormente saiu demonstrando o sistema para estúdios diversos. Em 1947 ele fez uma demonstração na M-G-M, estúdio que anos depois seria pioneira do formato em filmes 35 mm Widescreen (1.75:1) com som estereofônico. Este mesmo processo foi também usado em películas CinemaScope, na década de 1950, pela Fox.

Na indústria fonográfica, a RCA introduziu a fita pré-gravada de 2 canais em 1955, e o formato perdurou até 1961, segundo historiadores, cedendo lugar às fitas de 4 canais, sendo 2 em cada direção. Este último se tornou uma espécie de formato padrão para o consumidor, e que durou décadas. Foi lançado próximo do fim da década de 1950.

Devido ao fim prematuro, as fitas de 2 canais se tornaram um item de colecionador, ou mais especificamente um formato profissional, só que em ambiente doméstico.

A estrutura mandatória do formato obriga que os canais sejam gravados em uma única direção, o que na prática poderia limitar o conteúdo completo de faixas, passados para os elepês. Abaixo se pode ver o design de gravação das fitas e as cabeças magnéticas correspondentes:

 

A vantagem imediata deste tipo fita é a manutenção da faixa dinâmica original, muitas vezes superior à dos elepês. Estes últimos sofrem com a compressão de áudio e queda de velocidade linear nos sulcos próximos ao selo. Nas fitas estes problemas não existem!

A reprodução e audição das fitas

Esse meu amigo conseguiu comprar um deck Fostex A-2, em excelente estado de conservação, e com ele as fitas de 2 canais foram transferidas para mídia digital, cuja cópia eu recebi de presente.

 

A combinação perfeita entre fitas e cabeças neste equipamento me mostrou a excelência que pode ser conseguida nestas fitas de 2 canais, ainda mais egressa de um estúdio como o da Capitol, pioneira da estereofonia na década de 1950.

Para quem quiser ter uma noção da qualidade do áudio (e da música também) basta clicar no vídeo abaixo. Ele traz uma transcrição para big band da “Suite Quebra Nozes”, gravada pela orquestra de Les Brown, para o álbum da Capitol “Concert Modern, de 1958:

 

 

Bem verdade que o YouTube não faz justiça ao áudio original, mas o ouvinte pode ter uma boa ideia da clareza de captura dos instrumentos da banda de Les Brown, da dinâmica que impressiona a quem ouve, e neste caso, da perfeita mixagem conseguida pelos engenheiros da Capitol.

Fitas magnéticas de estúdio antigas podiam perfeitamente capturar de 60 até mais de 70 dB de faixa dinâmica. O ruído de fundo da fita, se esta estiver em bom estado, é muitíssimo superior ao do elepê, que tem um desagradável ruído de massa na maioria das prensagens comerciais, daí o audiófilo daquela época dar a sua preferência à coleção de fitas pré-gravadas.

Processamento

Depois de remasterizar o conteúdo, os arquivos foram a mim enviados e abertos com o Adobe Audition versão 3.0, software que eu uso faz anos. Com ele eu consigo examinar o ruído eletrônico de qualquer gravação, lembrando que é perfeitamente possível achar a presença de ruído de fundo contidas no conjunto fita-cabeças magnéticas de leitura.

Uma vez achado o ruído, faz-se uma amostragem do mesmo, que é salva na memória na forma de um filtro. Antes da aplicação deste filtro deve-se ouvir uma prévia do áudio e compará-la com o som original.

Na maioria das vezes, a aplicação do filtro torna-se eficaz e em algumas situações, até necessária. Uma vez em ambiente digital, o áudio pode ser processado pelo computador com enorme precisão. Isto é possível porque cada onda dos transientes que compõem a música é submetida ao cálculo da diferença de amplitude da onda original, quando acrescida do ruído de fundo. Após o filtro de ruído ser aplicado, o resultado computado preserva apenas a música, o ruído é totalmente eliminado.

Eis aqui uma amostragem típica de um perfil de ruído, capturado pelo Adobe Audition:

 

 

O aumento da relação sinal/ruído beneficia significativamente a reprodução da música. E nos momentos de silêncio a ausência de ruído é importante e pode ser imediatamente notada.

No meu entendimento, não se deve jamais fazer uso de limitadores ou compressores de sinal.

Para preservar o resultado desta limpeza, pode-se usar o Compact Disc (CD-R), que foi originalmente desenhado com uma taxa de amostragem extensa o suficiente para conter qualquer gravação analógica. Com 90 dB ou mais de faixa dinâmica, é perfeitamente possível preservar o conteúdo dessas fitas de melhor qualidade, e esta é uma experiência que eu cansei de viver!

Até hoje eu fico admirado com o trabalho desses pioneiros do som estereofônico, e fiquei fã de carteirinha dos engenheiros daquela época. Preservar este trabalho, cinema ou música, merece o esforço de qualquer um que se importe com o que foi feito.

Eu vejo de tempos para cá serviços de masterização de fitas de 2 canais, a partir de matrizes de estúdio, tanto para uso do consumidor quanto para uso de estúdios. Como o produto costuma ser caro, só mesmo o colecionador para fazer uso dele.

O meu amigo, entretanto, descobriu essas fitas antigas ainda intactas, e em bom estado de conservação, algo raro em se tratando de fitas magnéticas. E bota sorte nisso…  Outrolado_

. . .

 

 

A torre da Capitol Records

 

O Hammond B3 no Rock

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Mais lidas

0 resposta

  1. Então Paulo só um adendo, trabalho atualmente com um console de Áudio digital (padrão Broadcast), da Marca Alemã Lawo, modelo MC56. Roda em sua base e software operativo, com o sistema Linux. Ocorre que toda sua calibração para operação, e saída de áudio digital, trabalham numa faixa a -21 db LUFS (Loudness Units Full Scale) a fim de seguir as normas da Anatel para execução de áudio digital no sistema AAC. Então como vê o áudio do sistema digital é muito sensível a sobremodulação, ao contrário do áudio analógico que suporta picos acima de 0 dB sem muita distorção. E ainda existe no digital o famosos fator da taxa de amostragem (bitrate). Creio que o Áudio Digital continua em fase de maturação, e que quanto maior a qualidade, mais gigantesco fica o arquivo, mas isso é assunto para outra matéria certo ? Abração.

  2. Então Paulo só um adendo, trabalho atualmente com um console de Áudio digital (padrão Broadcast), da Marca Alemã Lawo, modelo MC56. Roda em sua base e software operativo, com o sistema Linux. Ocorre que toda sua calibração para operação, e saída de áudio digital, trabalham numa faixa a -21 db LUFS (Loudness Units Full Scale) a fim de seguir as normas da Anatel para execução de áudio digital no sistema AAC. Então como vê o áudio do sistema digital é muito sensível a sobremodulação, ao contrário do áudio analógico que suporta picos acima de 0 dB sem muita distorção. E ainda existe no digital o famosos fator da taxa de amostragem (bitrate). Creio que o Áudio Digital continua em fase de maturação, e que quanto maior a qualidade, mais gigantesco fica o arquivo, mas isso é assunto para outra matéria certo ? Abração.

  3. Paulo bom dia.
    Eis aqui o autêntico exemplar em estado de arte, para gravações Broadcast em audio Hi-Fi, que até os dias atuais é muitas vezes superior ao vinil, até porque de uma fita Master de Open Reel, que dava origem a uma madre de vinil. Pena que esse sistema foi abandonado, e esquecido até sumir. O pior que nos estúdios atualmente se padronizou o formato de gravação digital pelo sistema Pro-Tools e outros, mas qualquer profissional da área que trabalhou com sistema de Open Reel multipistas, é unânime em afirmar que qualquer sistema digital, nunca vai chegar no qualidade perfeita que uma gravação Open Reel pode te oferecer. Mas isso hoje é considerado velharia, a exemplo dos melhores projetores de cinema de 70 mm de película já fabricados. Como dizem Paulo, é a evolução tecnológica (mas no meu ponto de vista técnico foi uma evolução para baratear, e não para melhorar tanto sistemas de áudio, quanto de vídeo.

    1. Oi, Rogério,

      A edição digital tem as suas vantagens, uma delas eu tento mostrar neste texto, mas é impensável achar que a fita magnética não tenha tido o seu mérito histórico e atual. Na minha última e derradeira passagem pelo estúdio de mixagem da Som Livre, quando ele ainda estava no prédio de Botafogo, eu assisti os técnicos usarem fontes de sinal de fitas de 2″, para mixar um DVD. Essas mesmas fitas foram usadas para arquivamento, até mesmo de gravações digitais.

      A fita magnética sofreu ataques no passado, particularmente por aqueles que endossavam o corte direto de Lps, e a gente ficou influenciado por esta mística durante anos. Hoje, comparando uma coisa com outra nota-se que aquelas afirmações não tinham base alguma!

  4. Paulo bom dia.
    Eis aqui o autêntico exemplar em estado de arte, para gravações Broadcast em audio Hi-Fi, que até os dias atuais é muitas vezes superior ao vinil, até porque de uma fita Master de Open Reel, que dava origem a uma madre de vinil. Pena que esse sistema foi abandonado, e esquecido até sumir. O pior que nos estúdios atualmente se padronizou o formato de gravação digital pelo sistema Pro-Tools e outros, mas qualquer profissional da área que trabalhou com sistema de Open Reel multipistas, é unânime em afirmar que qualquer sistema digital, nunca vai chegar no qualidade perfeita que uma gravação Open Reel pode te oferecer. Mas isso hoje é considerado velharia, a exemplo dos melhores projetores de cinema de 70 mm de película já fabricados. Como dizem Paulo, é a evolução tecnológica (mas no meu ponto de vista técnico foi uma evolução para baratear, e não para melhorar tanto sistemas de áudio, quanto de vídeo.

    1. Oi, Rogério,

      A edição digital tem as suas vantagens, uma delas eu tento mostrar neste texto, mas é impensável achar que a fita magnética não tenha tido o seu mérito histórico e atual. Na minha última e derradeira passagem pelo estúdio de mixagem da Som Livre, quando ele ainda estava no prédio de Botafogo, eu assisti os técnicos usarem fontes de sinal de fitas de 2″, para mixar um DVD. Essas mesmas fitas foram usadas para arquivamento, até mesmo de gravações digitais.

      A fita magnética sofreu ataques no passado, particularmente por aqueles que endossavam o corte direto de Lps, e a gente ficou influenciado por esta mística durante anos. Hoje, comparando uma coisa com outra nota-se que aquelas afirmações não tinham base alguma!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *