Claudia Jimenez, uma artista natural

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Soube hoje, dia 20/08/2022, do falecimento de uma amiga de infância, que venceu preconceitos, uma saúde debilitada, para se tornar uma artista completa, com uma inclinação para a comédia ao gosto do público, emprestada da sua maneira lúcida de ver a vida e as pessoas.

 

A perda de uma pessoa querida é sempre traumática, às vezes atenuada por uma ocasional distância entre nós. Foi assim com Claudia Jimenez, filha do Seu Eduardo e da Dona Mercedes, vizinhos que moravam no apartamento ao lado do nosso. Quando a Claudia nasceu, eu já tinha completado 11 anos de idade. Hoje de manhã cedo, dia 20/08/2022, soube da sua morte, que me pegou de surpresa.

Alguns jornais escrevem suas matérias dizendo que ela nasceu na Barra da Tijuca, Zona Oeste, mas eu nunca soube disso. Para mim, ela saiu da maternidade direto para a casa da família, na Tijuca. Claudia foi a última filha do casal de vizinhos, acompanhada pelas irmãs Regina, a mais velha, Leila, Cíntia e Sandra. Dessas irmãs, eu soube do falecimento da Leila, as outras nunca mais as vi.

Eu fiz questão de tirar uma foto de onde nós vivíamos. A família da Claudia morava no apartamento 102 deste prédio, que pertence até hoje à Irmandade de São Pedro:

 

Os jornais também dizem que o pai dela era um cantor e a mãe doceira, mas, até onde eu sei, nada disso é verdade. O Seu Eduardo acho que trabalhava no comércio e a mãe, Dona Mercedinha, de vez em quando fazia balas de coco, para ajudar nas despesas da casa.

A família vivia constantemente na penúria, mas, com exceção da Claudia, duas das irmãs se casaram bem e saíram de casa, ficando somente a Claudia e a Leila. E depois foi a Claudia que saiu de lá para traçar os rumos da vida dela. Leila, a última irmã que ficou, anos depois se mudou com a mãe e o companheiro, em definitivo, para outro local.

Quando eu voltei da Europa, na minha chegada em casa, a Claudia veio imediatamente ao meu encontro. Depois que a Claudia se mudou nós perdemos o contato de antes. Eu não via a Claudia há anos. O nosso último encontro aconteceu acidentalmente em um dia que eu fui ao Shopping da Gávea, e ela estava no mesmo restaurante almoçando.

Naquele dia, ela me conta as suas últimas desventuras: havia saído de um programa da Globo, onde se aborreceu muito, depois que um dos redatores a chamou de “supositório de baleia”. Aí, ela chutou o balde e se mandou. Em curto espaço de tempo a audiência do programa despencou, prova inegável do seu sucesso com o público!

Ela também me revela que havia começado a se relacionar com uma moça cujo nome eu prefiro não revelar, mas até então eu nunca soube que ela fosse lésbica, achei que aquilo era uma daquelas experiências atrasadas de adolescente. Na realidade, pelo pouco que eu percebia, a Claudia entrava e saía dos namoros sem nenhum ter dado certo. Vejo hoje nos jornais que ela acabou vivendo com outra mulher.

Uma artista natural

Eu vi a Claudia crescer, se tornar uma adolescente que venceu preconceitos, inclusive de dentro da família. Tornou-se uma moça determinada a vencer na vida. Havia abandonado os estudos, o que nunca lhe foi benéfico, mas em compensação deu vazão ao seu notável senso de observação, e eu até hoje atribuo a isso a principal razão do seu sucesso.

No início, a família achava graça quando ela se decidiu a ser artista. Se a memória não me trai, ela recorreu ao curso de teatro do Martins Pena, porque a família não tinha recursos. E foi à luta. Um belo dia, ela consegue um papel pequeno na peça Ópera do Malandro, e foi ali que o falecido Jô Soares a viu e a convidou para trabalhar na TV Globo.

Depois disso, a carreira dela deslanchou. Agora eu soube por ela em entrevista que o convite para o teste na Globo foi do produtor Maurício Sherman. Mas, a sua primeira aparição na TV foi com o Jô Soares, acho que num programa que se chamava Viva O Gordo.

Claudia sofreu ainda adolescente com um diabetes precoce. Na época em que seu câncer surgiu, um colega meu do Departamento de Patologia acompanhou o caso dela. O câncer foi considerado inoperável, assim ela foi tratada da maneira convencional, mas que lhe deixou sequelas para o resto da vida. Na época, ela achava que tinha sido a força mental e espiritual dela que tinha vencido o câncer. Mas, nos anos seguintes, já longe do meu convívio, ela mostrou sinais clínicos de doença cardiovascular, o que lhe prejudicou muito a saúde.

Sua vida afetiva sempre foi muito confusa, e até onde eu saiba nunca se casou formalmente ou teve filhos. Acho que talvez a sua visão crítica do comportamento das pessoas pode perfeitamente tê-la tornado uma pessoa exigente e difícil de aceitar qualquer compromisso. No nosso último encontro lá no shopping ela tocou no assunto, mas naquela época ela não havia se decidido o que fazer da sua vida. Depois disso, as notícias que eu tive da vida íntima dela vieram somente pela mídia.

Em algumas poucas vezes que nós conversamos e trocamos opiniões sobre um monte de assuntos, eu sempre notei a maneira lúcida como a Claudia enxergava a vida, mas em um dado momento ela pisou feio na bola: foi quando filmaram Gabriela, Cravo e Canela, filme de 1983, o ator italiano Marcello Mastroianni a convidou para estudar na Europa, e ela inadvertidamente, declinou o convite. Eu disse a ela que uma oportunidade dessas não se recusa, mas ela se determinou a não ir, perdendo assim uma enorme chance de se aperfeiçoar na profissão.

Em conversas mais chegadas, Claudia me contou alguma coisa sobre a classe artística e dos meios onde ela circulou, nada muito saudável, diga-se de passagem. Mas, apesar disso, ela sempre fez amizades sólidas com colegas, que gostavam dela e a respeitavam profissionalmente, como, por exemplo, Miguel Falabella, com quem fez parceria no teatro. Vejo agora nos jornais que o ator faz homenagem a ela, merecidamente, e cita a Dona Mercedes, portanto já falecida. Chico Anysio foi outro que a deu um enorme suporte e apoio, quando ela se tratou do câncer.

Vida pessoal

Quando a minha filha mais velha nasceu, a Claudia a tratou como se fosse a filha dela, e nos pedia para leva-la para passear. Em um desses passeios, tirou foto no Tivoli Parque, que ficava ali na Lagoa. Eu tinha duas dessas fotos, mas elas sumiram, não sei onde foram parar. É uma pena, porque eu não tive tempo de digitaliza-las, como eu havia feito com a maioria das fotos antigas com cópia em papel. Às vezes, aparecia por lá na casa dela alguém da classe artística e a Claudia fazia questão de mostrar essa minha filha. Em uma dessas ocasiões que eu ainda lembro bem foi a Elba Ramalho quem pegou a minha filha no colo!

Um dia, eu estava saindo de casa, quando encontro a Claudia na calçada da frente, tendo ao seu lado a Leila Pinheiro. E ela me apresenta e diz que a Leila gostava muito de Bossa Nova. Então nós combinamos ouvir música lá em casa, mas isto nunca aconteceu.

No convívio dela comigo eu sempre a vi como uma pessoa reservada e muito afetiva. Para mim pessoalmente, eu nunca a achei engraçada como o público a via, mas na sua vida de palco o oposto se revelava, o que para mim foi uma surpresa, que confirmou o seu senso agudo de observação do comportamento das pessoas.

Existem amizades que se extinguem por uma série de razões, entre elas o afastamento físico entre os amigos. Eu perdi a amizade da Claudia depois que ela se mudou. Mas, quando me lembrava dela, ficava torcendo para que tudo desse certo, vencesse as doenças, e tivesse o reconhecimento que ela merecia.

Agora mesmo, com a notícia do seu falecimento, entrei em contato com um amigo de infância, cuja mãe era madrinha da Claudia. Aliás, esse meu amigo teve uma vida difícil, que ele superou com a mais ferrenha força de vontade, e muitas foram as vezes que, depois de se mudar do Rio de Janeiro, ele me falava da época em que nós éramos meninos. Foi nesse ambiente que todos nós nos conhecemos, um ambiente que raramente se vê hoje em dia. Os apartamentos não tinham grades nas janelas, portas de entrada trancafiadas, nem elevadores, e os vizinhos ficavam em constante convívio.

A ausência dos nossos pais nos marcou a todos que ainda estávamos naquele lugar. O nosso prédio se tornou o prédio das viúvas, e aos poucos todos os moradores foram embora. Não há, entretanto, o que se lamentar, porque tudo isso é uma fase da vida de qualquer um, que um dia se encerra. A da Claudia se encerrou hoje, dia 20 de agosto, e mais uma vez eu me sinto admirado de ainda ser um sobrevivente entre um monte dos meus conhecidos, que já se foram e tornaram a minha vida mais vazia e impossível de ser a mesma de novo! Outrolado_

. . .

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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