Evolução do áudio: com quantos decibéis se faz uma canoa?

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A gente raramente se dá conta do progresso da tecnologia. Na evolução do áudio todas as mudanças sempre foram dramáticas. Um bom ouvinte precisa ter a cabeça aberta para entender as causas.

 

Parafraseando o antigo ditado, até hoje eu me questiono constantemente sobre onde as coisas vão parar. Eu continuo fazendo isso porque, com o passar do tempo, a tecnologia avançou para situações técnicas inimagináveis décadas atrás!

No campo do áudio, que é um dos meus preferidos, os avanços chegam a ser dramáticos, sem exagero. Quando o áudio digital se tornou um assunto recorrente nas revistas americanas da década de 1970, e era um formato para lá de desconhecido, eu importei o livro “Principles of Digital Audio”, escrito pelo Professor Ken Pohlmann, profissional que depois se tornou Professor Emérito na Universidade de Miami, na área de Engenharia Musical.

Este livro, que soube estar ainda por aí à venda na sexta edição, me trouxe muita luz e esclarecimento, que se somaram ao que eu pude ouvir, quando o Compact Disc se tornou disponível.

O Compact Disc foi, ironicamente, não só para mim como para vários dos meus amigos, a primeira chance de ouvir matrizes analógicas na sua plenitude! Porque a maioria de nós sabíamos que o vinil era uma eterna fonte de problemas, e eu, por acaso, havia estudado corte de acetato anos antes, portanto consciente das limitações não só do elepê como dos meios de reprodução, como toca-discos, cápsulas, pré de fono, etc.

Lá na Polygram havia um técnico que era mestre em corte de acetato, que disse a um amigo que “brasileiro não tem cápsula para tocar discos bem cortados”.  Apesar de pensar assim, o seu trabalho era impecável, bem ao nível dos elepês importados. Obviamente, ele se referia ao mercado de massa, porque audiófilos, principalmente aqueles com mais recursos financeiros, não se detém em despesas para aprimorar seus equipamentos.

Mas o CD chegou em cena com os seus arraigados (o equivalente em inglês, “Die-Hards”) audiófilos falando mal dele. São críticos desses que até hoje não conseguiram descobrir nada além de vinil. Por isso, se nós e eu em particular, pensássemos assim, ficaríamos inevitavelmente para trás, no tempo e no espaço.

Vou mais além: se a gente tem cabeça para pensar (e notem que eu sempre fui muito lento nisso) porque não se instruir antes de fazer qualquer julgamento? No campo científico sempre foi rotina ler um monte de trabalhos sobre o mesmo assunto, de modo a saber a visão de cada um.

Pois bem: uma das coisas que eu aprendi com o livro do Professor Pohlmann foi que em ambiente digital não existe correlação entre frequência e amplitude, o que, na prática, faz com que sinais codificados ou remasterizados não tenham limitações de volume.

Só isso explicaria por que motivo as melhores formas de amplificação na reprodução de um CD deveriam ser respeitadas. Tudo aquilo que nós aprendemos antes sobre fonte de alimentação, slew rate, etc., passaram a ter um significativo peso na reprodução de qualquer mídia digital.

Vejam que, pela primeira vez, se pode ouvir uma master analógica sem qualquer tipo de restrição. Se a master for transcrita literalmente, tudo de bom ou ruim estaria perfeitamente audível. Por causa disso, também, quando eu leio nos créditos de um CD que o técnico de remasterização usou compressores ou limitadores (Argh…), eu já boto os meus dois pés para trás, e rezo para não ouvir um desastre.

Se uma fita master analógica tiver sido bem gravada, com boa dinâmica, seria um crime comprimir ou limitar. Quando bons selos para audiófilos se esforçam para preservar fitas originais antigas na sua integridade, os meus ouvidos agradecem, apesar da velhice!

Outra coisa importante que o ambiente digital demonstrou, e isso eu aprendi na prática, quando restaurei meus antigos elepês, foi que é possível equalizar o sinal da fonte sem nenhum risco de adulteração ou distorção.

Todos os tipos de filtros em restauração digital, se usados com critério, ajudam a recuperar antigos problemas oriundos de algum lugar, na maioria das vezes, dentro dos estúdios, nas sessões de gravação ou mixagens. E eu tenho visto resultados espetaculares nos discos ou downloads feitos de tempos para cá, que às vezes justificam recomprar a mídia.

Eu sempre percebi que audiófilos antigos tinham dificuldade de entender isso, não pela ausência de percepção auditiva, mas pela falta de informação do que é a essência tecnológica do sinal digital e como um computador trabalha com ele.

Tradicionalmente, sinais analógicos são suscetíveis de adulteração tonal ou introdução de distorção, quando manipulados no momento da gravação ou no pós-processamento da masterização. O bom engenheiro de gravação sabe disso e usa estes controles com cautela!

Desde tempos imemoriais, se sabe que o quê um computador faz de melhor são cálculos, e com altíssima precisão. Até um microcomputador de 8 bits tem precisão suficiente, e eu digo isso porque o usei por anos a fio, para cálculos estatísticos complexos.

No áudio digital, o ambiente propicia calcular, mudar, o que o usuário quiser ou souber fazer, com absoluta precisão e excelentes resultados. Ao longo dos anos, eu migrei para várias plataformas operacionais e montagens de hardware. Já faz tempo, que eu consigo processar qualquer sinal de áudio digital com rapidez e confiança.

A interação CPU-GPU-DRAM-SSD trouxe vantagens para todos os tipos de processamento, é claro que para áudio também. Não se admira, portanto, que estações de trabalho digitais passaram a ter prevalência no uso profissional.

A “evolução” do CD

O CD nunca mudou, porque, desde o seu estabelecimento, Philips e Sony elaboraram o chamado “Red Book”, com especificações que não podem ser mudadas, e isso foi feito de modo a impedir qualquer nível de incompatibilidade na cadeia de reprodução.

Entretanto, algumas coisas mudaram para melhor, sem infringir as normas previamente estabelecidas. Uma delas foi a aperfeiçoamento da masterização. Começou, se não me engano, com a proposta do HDCD (High Definition Compact Digital). O disco resultante é totalmente retrocompatível com players convencionais, e pode ser decodificado na reprodução com chipsets dedicados. Se vai soar bem ou melhor do que um CD convencional, só ouvindo para saber.

O HDCD durou pouco. A Microsoft incorporou a decodificação no Windows Media Player, depois de comprar a Microsonics, mas parece que o formato foi esquecido. Mas, se alguém tiver interesse em ouvir um disco desses é só procurar os antigos lançamentos da Reference Recordings. Lá aparece um tal Professor Johnson, super expert em gravações analógicas e digitais, vale a pena dar uma ouvida, apesar do marketing folclórico.

Em anos mais recentes, e paralelamente ao SACD, vários estúdios se lançaram em projetos de masterização bastante interessantes, e eu quero, à guisa de exemplo, citar dois deles aqui:

O XRCD é um disco masterizado por um processo criado pela JVC, a Companhia Victor Japonesa. Com larga experiência neste campo de atuação, a JVC percebeu que é perfeitamente possível masterizar áudio de alta qualidade com 44.1 kHz e 16 bits, desde que se tome cuidado na hora de masterizar. E é isso, em última análise, o que eles fazem, inclusive e principalmente com matrizes analógicas.

O nome de fantasia, XRCD, ou “Extended Resolution Compact Disc”, dá a entender que a mídia (CD) é superior, mas a extensão pretendida é realizada durante a conversão da fonte de sinal, e é obrigatoriamente “reduzida” para 16 bits, aparentemente sem perda de resolução. E não deve ter tido mesmo. Tecnicamente não há problema algum. De forma até amadora, a gente pode fazer em casa transcrição de sinal a 32 bits e depois passar para CD sem nenhum problema.

 

Bem, todos os XRCDs que eu tenho soam muito bem, comparados com os CDs antigos, portanto, seja como for, valeu a pena a troca.

Outro formato de masterização parecido, só que mais recente, é o da JVC chamado de K2 High Definition, mas pode ser visto como 20bit K2 Super Coding nos créditos dos discos:

 

A prática de masterizar áudio analógico primeiro a 20 bits de resolução não é exclusiva da JVC e vem sendo praticada há muito tempo por vários estúdios, geralmente com ótimos resultados.

É sempre bom ter em mente alguns detalhes importantes, como, por exemplo, as inúmeras limitações de fitas analógicas muito antigas, que são recuperáveis, porém com entraves na gravação original que não podem ser alterados. Claro que nada disso invalida qualquer processo usado para aprimorar a gravação remasterizada, só que em certos casos aprimoramentos são muito difíceis de serem atingidos!

A evolução dos decodificadores e meios de transmissão de sinal

O desenvolvimento de processadores nunca se restringiu aos computadores. Na era do áudio digital foram inúmeros os benefícios desta evolução, e eu dei sorte de acompanhar algumas dessas etapas, a partir da década de 1990.

Se alguém quiser testar esta hipótese, basta instalar um CD player antigo, que tenha uma saída digital (se for possível por HDMI, por causa das restrições de banda) e ligar este player em um decodificador ou processador atual. Eu e um amigo fizemos isso várias vezes, inclusive com leitores sem saída digital, e nós ficávamos abismados em ver os resultados.

Parecia até que um CD player antigo soava bem e a gente não sabia. Mas, os resultados tem uma explicação convincente: players antigos se beneficiam do suporte de amplificação e/ou do pós processamento de sinal, instalados em sofisticados chipsets nos sistemas modernos.

Esse meu amigo e eu nunca acreditamos nas baboseiras ditas por audiófilos arraigados. Embora ele guardasse com muito carinho toda a sua coleção de elepês e tinha toca-discos analógicos excelentes, nunca deixou de estar aberto às mudanças. Quando a Sony lançou o primeiro CD player na década de 1980, ele mandou trazer um, e levou na casa dos amigos, mas me confessou ter ficado decepcionado quando estes amigos torceram o nariz.

É por isso que eu me atrevo a aconselhar quem me lê: faça o seu próprio juízo do que você, leitor, ouve! Não se deixe levar pelos discursos inflamatórios e discricionários dos arraigados, radicais defensores do disco de vinil. Essas pessoas são hoje punidas pelo alto preço cobrado em um elepê para audiófilos, portanto, esse problema é deles e não seu!

Discos de vinil, fitas cassete, VHS e trocentas outras tecnologias do passado não foram abandonadas sem um motivo. Eu entendo a curiosidade de alguns (vide YouTube) para saber o porquê deste abandono. Mas, daí a sair dizendo que estes tipos de tecnologia desapareceram de forma injusta, porque soam bem, é uma distância abismal no juízo do confrontamento com a realidade, ou seja, essas pessoas estão no borderline do delírio.

Cada um deve saber o que quer. No que me concerne, eu não canso de agradecer por estar ainda vivo entendendo e percebendo aprimoramentos nunca antes previstos. Voltar ao passado, só com motivos muito justos. Infelizmente, no áudio, eu quase não acho nenhum!

Antes de terminar

Eu fui surpreendido agora com o anúncio do lançamento de um CD player novo pela PS Audio, feito pelo nosso bom CEO Paul McGowan, dias atrás. Ele não dá previsão de lançamento, porque houve necessidade de estocar peças de reposição. Eu imagino que este segmento da indústria andou um tanto ou quanto parado!

 

 

Eu me vi surpreso com a notícia, por vários motivos. A maioria dos drives (transportes, se quiserem) usada nos Blu-Ray players são de excelente qualidade. Os primeiros DVD players não tocavam bem CDs, mas isso foi resolvido com o tempo. A reprodução de um CD por qualquer aparelho moderno tornaria, a meu ver, a busca por um transporte específico para CD praticamente inútil.

O Paul promete um player “estrelar”. Se em alguma área a OS Audio pode brilhar é no processamento do sinal digital, mas isso também já foi resolvido por outros fabricantes, resta saber o que seria acrescentado por eles.

Em última análise, tudo isso não deixa de ser uma boa notícia. Trata-se de uma empresa dedicada ao áudio de boa qualidade. Eu acho provável que eles lancem o aparelho com capacidade para reproduzir SACD, um formato que jamais poderia morrer!  Outrolado_

. . .

 

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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