Equipamentos de áudio antigos: Esperando a chegada do técnico…

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Equipamentos de áudio antigos frequentemente precisavam da presença do técnico em casa, para consertar alguma coisa. A evolução da eletrônica deixou tudo isso para trás.

 

O Brasil da década de 1950 iria desfrutar de uma época de otimismo e esperança de se tornar um país que iria se desenvolver em relativo curto espaço de tempo. A época do pós guerra nos trouxe um pouco menos de incertezas políticas, apesar do clima ainda favorável aos golpes de estado, que iriam se repetir na década seguinte.

O Rio de Janeiro, onde nasci, era o Distrito Federal, que era como se começava a escrever as datas dos trabalhos do colégio. Por aqui, a vida era calma e a beleza natural da cidade uma eterna festa para os olhos e sentimentos. A minha mãe me levava de bonde para o Alto da Boa Vista, subindo a montanha em um passeio lindíssimo, que iria terminar na praça em frente ao portão da Floresta da Tijuca.

O bairro era povoado de cinemas, entre eles o Metro-Tijuca, que oferecia às crianças o lendário Festival Tom e Jerry, todo primeiro domingo de cada mês.

E foi nesta época também que apareceu por aqui o que era chamado de “alta fidelidade”, isto é, discos com som de uma qualidade nunca antes ouvida. Empresas estrangeiras passaram a construir fábricas em todos os segmentos, as europeias para se distanciarem dos horrores da guerra, cuja memória ainda era muito recente. E entre elas, uma que já existia aqui, foi a AEG Telefunken, gigante alemã que se destacou anos a fio no campo da eletrônica.

Lá em casa, a gente ouvia música todo dia. Mamãe era uma daquelas pessoas que se encantava com som de boa qualidade. Mas, a “alta fidelidade” ainda era desconhecida. Assim, um belo dia, o meu pai resolveu se esforçar para dar uma vitrola de alta fidelidade para ela.

A nossa rua era pequena, apenas 4 prédios. O compadre do meu pai morava no prédio da frente, e sendo major do exército se prontificou a ajudar o papai, comprando para ele uma vitrola a preço de custo dado aos militares. Mas, quando ela chegou em casa, o meu irmão que estudava eletrônica nas horas vagas, disse ao meu pai que aquilo ali não era “alta fidelidade”.

E eu me lembro disso, porque o som era horrível. Claro que o meu pai ficou chateado e devolveu aquela porcaria. A relação de amizade entre ele e o compadre ficou estremecida, mas teve depois um final inusitado, porque quando o compadre foi lá em casa mudou de ideia e comprou uma vitrola nova.

Papai, sempre se virando para satisfazer a mamãe, lembrou-se que tinha um grande amigo que era dono de uma loja de rádios no centro da cidade. E este amigo encomendou para ele uma vitrola de “alta fidelidade” na Telefunken. Quando esta magnífica vitrola chegou foi uma festa. Havia um disco de demonstração, de 10 polegadas, feito pela Odeon, que narrava a estória da “alta fidelidade”, mostrando a diferença na qualidade do som, que era acachapante.

As vitrolas eram fabricadas com componentes importados. Essa Dominante era mono, mas tinha 5 alto-falantes no gabinete. No sonofletor de baixo, foram montados um woofer Peerless dinamarquês e um tweeter Isophon alemão. Na lateral eram montados dois alto-falantes para médios (“squawker”), não me lembro de que marca, e na parte superior do móvel ainda tinha um pequeno tweeter, de modo a facilitar o espalhamento do som na sala onde ela seria instalada.

A nossa vitrola foi montada por um técnico autorizado da Telefunken, e toda vez que a agulha de safira ficava gasta, o som distorcia, e o técnico voltava lá para trocar a agulha. O toca-discos da Dominante era um Webcor americano, com uma cápsula General Electric de relutância variável, a mais moderna da época.

A cápsula tinha 2 agulhas, uma delas para os discos de 78 r.p.m., que, aliás, alcançaram a alta fidelidade, Na parte superior do painel, havia um seletor para reproduzir este tipo de disco (na realidade acionando um filtro de corte), e assim remover o chiado elevado na reprodução.

Para ouvir um disco 78 a gente trocava a agulha e ajustava o seletor. Virando o seletor no sentido horário se conseguia o modo de reprodução “Normal” e “Hi-Fi”. Um toca-discos Webcor igualzinho ao que a gente tinha é mostrado na figura abaixo, imagem de um colecionador:

 

O toca-discos era montado em uma base pesada de ferro, e em uma gaveta retrátil. Quando, no passar dos anos, os discos começaram a tocar com um ruído de fundo insuportável, e o som dos instrumentos todo tremido, eu levei o toca-discos na Telefunken, mas os técnicos da época não souberam consertar.

Chegando em casa, eu desmontei tudo e acabei descobrindo que o eixo do motor rodava em cima de um suporte que ressecou. Bastou desmontar o motor e lubrificar com óleo de máquina. Nunca mais nós ouvimos ruído algum!

O suporte técnico da Telefunken começou a definhar, que diferença dos antigos técnicos que iam lá em casa trocar as agulhas! E lá pelas tantas, um vizinho nosso que era da marinha mercante, comprou uma vitrola Grundig, que somente era consertada por um senhor alemão, ligado ao Consulado daquele país, que fazia este tipo de manutenção por lá. E ele então me apresentou a este senhor.

Ele era uma figura folclórica, um daqueles casos crônicos que depois da guerra foi embora para viver em paz em outro lugar. Aqui, casou-se com uma brasileira. Na guerra, ele trabalhou como técnico de rádio na marinha alemã. Eu notava que ele tinha um orgulho danado do que fazia. E devia ter mesmo, porque ele conhecia eletrônica como poucos.

Válvulas de saída da Dominante, no caso, um par de EL84 em push-pull, se desgastavam e som ia para o beleléu. Este senhor um dia me disse que válvulas podiam durar muito, mas somente se fossem usados “condensadores” (ele queria dizer “capacitores”) adequados. Então, em um desses episódios, ele levou o amplificador da vitrola para a oficina dele e trocou tudo. A partir daí, nunca mais eu troquei uma válvula, e o som ficou significativamente melhor.

O técnico do consulado era imprevisível, marcava uma visita e não aparecia, era angustiante! Uma vez, eu vi o meu filho parado em pé na varanda de casa, esperando alguém, que não chegava nunca, e eu então me lembrei dessa mesma época. Tal pai, tal filho, a genética explica, ou tenta explicar!

A Philips, como a Telefunken, era uma gigante na área da eletrônica. No Brasil, chegou a fabricar até projetores de cinema! Philips e Telefunken desenvolveram juntas o sistema PAL, adaptado no Brasil como PAL-M, na introdução das transmissões coloridas. Para áudio, as EL84 tinham o selo Miniwatt, nome de fantasia para este segmento de componentes.

Outros segmentos da fábrica tinham outros nomes, como Inbelsa (Indústria Brasileira de Eletricidade S.A.), para a fabricação de projetores. A Philips mantinha um centro de pesquisa próprio, que fez inclusive a adaptação de televisores PAL-M na década de 1970.

O clamor do passar do tempo

Durante muitos anos, o Brasil esteve a reboque do desenvolvimento científico e tecnológico de outros países. Os cursos de pós-graduação só chegaram aqui depois que professores desenvolveram suas teses de mestrado fora do Brasil. E na área tecnológica foi mais ou menos a mesma coisa.

O maior problema era, e acho que sempre foi, manter as instituições sem degradá-las. Muito do que se fazia antes acabou desaparecendo ou foi desativado. A Telefunken desceu de padrão e sumiu. Soube agora que ela voltou ao mercado como marca de fantasia de eletrodomésticos, nada muito ambicioso, por sinal, e nem sombra do que a fábrica produziu no passado.

A minha última Telefunken Dominante foi o último presente do meu pai, antes de falecer. Eu achei e mostro a seguir a imagem desta vitrola, peça de um colecionador. A montagem é ridiculamente errada, na insistência de válvulas com baixa potência, clipando constante o som na saída.

O toca-discos usa cápsula de cristal, ao invés de magnética. A vitrola veio, até hoje não sei por que motivo, com uma câmara de eco (reverberação) feita com molas, absolutamente inútil. Um único woofer, montado no sonofletor da esquerda, trabalhava com um filtro passa baixo. Na época, aquele técnico do consulado fez críticas contundentes a este tipo de montagem, ele achava que o woofer, se era único para os dois canais, tinha que ser montado no meio, e não na esquerda.

 

Em curto espaço de tempo esta vitrola mostrou sinais de cansaço e no final eu acabei vendendo. Já era tempo, porque a montagem do som por módulos já havia começado a tomar espaço no mercado!

Dois botões nas laterais do painel, se pressionados simultaneamente, davam acesso ao hardware da vitrola. Ali se via, se a memória não me trai, conectores para a saída do áudio a um equipamento externo, no caso eu usava um gravador de rolo.

 

A saída para o gravador vinha direto da cápsula, e a minha sorte era que o meu gravador tinha uma entrada (DIN) específica para este tipo de sinal, caso contrário o som gravado ficava todo desbalanceado tonalmente e distorcido.

Tudo tem a sua época

Válvulas tiveram o seu grande momento, apesar da notória distorção harmônica. Mas, o som era aveludado e acabaram virando até hoje uma espécie de “cult” entre audiófilos. Eu tive a chance de ouvir um par de amplificadores monobloco Futterman, na casa de um audiófilo abastado, fazendo a alimentação de caixas eletrostáticas Quad magníficas.

O som era muito transparente, ótimo para quem ouvia elepês. Mas, ficava por aí. Caixas eletrostáticas eram particularmente problemáticas, um grave deficiente, impossíveis de casar com subwoofers. O painel queimava com facilidade. Mas, o timbre tonal era esplêndido, dava prazer ouvir a transparência do som que se conseguia.

Os Futterman era amplificadores caríssimos, feios, o acabamento era tosco, as válvulas expostas ao ar livre, uma tristeza, e nos meus ouvidos, não eram nada de excepcional. Este meu conhecido gostava deles, viajava muito e os comprou em Nova York, onde eram vendidos.

Eu acho que nós ficamos tempo demais à mercê da obsolescência. A minha mãe ficava chateada quando comprava um disco, chegava em casa, colocava na vitrola e descobria que a prensagem era uma droga, cheio de estalos e ruído, e o som ruim. Algumas lojas trocavam, mas outras colocavam todo o tipo de empecilho, o que era um transtorno.

Um dia, a mamãe desabafou comigo e me perguntou se algum dia ainda nós iriamos ouvir música sem agulha, que desgastava ou quebrava e era outro transtorno insuportável. Quando o CD saiu, eu levei um deles na casa dela, mostrei o disco e perguntei a ela se por acaso ela se lembrava daquela pergunta. A mamãe ficou impressionada. Eu tive que explicar em palavras leigas o que era um raio laser e porque o disco não tinha estalido e durava muito.

Quando o CD foi lançado, a Philips se dirigiu aos ouvintes de música clássica, anunciando que a reprodução de música não iria ter mais ruído. Aliás, o CD foi desenvolvido para este tipo de público! A praticidade conseguida na reprodução foi, sem dúvida alguma, um dos mais importantes fatores do seu imediato sucesso.

O ouvinte agora dispunha de um disco pequeno, com 74 minutos de capacidade de música, sem agulha e sem desgaste na superfície pela ausência de interação mecânica, e com a possibilidade de se achar faixas ou segmentos com facilidade.

As gravações analógicas chegaram a um nível elevado com a introdução daqueles fabulosos decks multicanal da Studer. A Philips contemplou a possibilidade de se manter no ambiente analógico, durante o design do CD, mas, para sorte nossa, abdicou deste projeto.

Um sistema analógico de excelente qualidade chegaria, otimistamente, entre 65 a 75 dB de dinâmica. O CD chegou passou dos 100! Sem precisar de redução de ruído, chegou na mesma marca na relação sinal/ruído, com wow e flutter, oscilações de velocidade, zero, impossíveis de medir!

Quem passou pela “alta fidelidade”, em casa e nos cinemas, soube o que era qualidade do som reproduzido. A mudança foi, de fato, reveladora. Mas, todos os melhoramentos conseguidos ficaram perdidos na extinção da memória, e são hoje desconhecidos pelo público jovem. É uma pena, porque a preservação da memória sempre terá um lugar importante na evolução da sociedade! Outrolado_

 

. . .

Suplícios de uma saudade (dos discos de vinil)

 

O aperfeiçoamento da reprodução do áudio digital

 

LFE, o canal de graves, este ainda ilustre desconhecido

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Mais lidas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *