Captura de áudio: uma odisseia estereofônica no espaço

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Múltiplas formas de captura do áudio podem dar bons resultados. A estereofonia tem objetivo de criar um ambiente que transmita a sensação de estar presente na sala de concerto.

 

A minha geração alcançou discos de 78 rpm, de 10 até 12 polegadas, este último mais aplicado à música clássica. A superfície era cheia de chiado, o som razoável, exceto naqueles discos com gravações do período acústico, posteriormente substituídos pelos discos feitos com “gravações elétricas”.

Para tocar um disco desses, era preciso uma agulha específica, com formato e durabilidade diferentes. O formato dos sulcos e o atrito da superfície ainda teriam que ser complementados por um filtro passa alto na reprodução.

O 78 rpm morreu, para dar lugar ao disco de 33 1/3 rpm, microssulco e de alta fidelidade, tanto de 10 como de 12 polegadas. Ainda houve uma guerra de formatos, quando a RCA introduziu o disco de 45 rpm de 4.75 polegadas (12 cm), mesmo tamanho adotado pelo CD, anos depois.

O disco de 45 rpm visava portabilidade e qualidade do som. Até hoje, discos elepês de 12 polegadas, cortados a 45 rpm são vendidos a preço de ouro para colecionadores, por causa da melhoria na reprodução do som.

Mas, em todos esses momentos, do 78 rpm moderno, passando pelo 45 rpm e pelo 33 1/3 rpm microssulco, o som era mono! E ficou assim, durante longo período de tempo. Por causa disso, as vitrolas da época continuavam a ser fabricadas com apenas 1 canal, inclusive com amplificação sofisticada.

O consumo de massa ficou restrito ao disco mono até meados do meio da década de 1960, portanto durou bastante. Muitos estúdios faziam discos com mixagem diferente, para som monaural e estéreo, de modo a atender ao mercado de massa.

A evolução para o som estereofônico

A ideia de aumentar o número de canais para definir um espaço de reprodução vem, segundo historiadores, do século 19, mas os trabalhos mais importantes nesta direção só foram acontecer após a década de 1930, com os trabalhos pioneiros de Alan Blumlein e dos laboratórios da Western Eletric.

Teria sido a Western a batizar o novo processo de captura como som estereofônico. O termo usado vem das palavras em grego “stereós”, que significa algo sólido, e “phōnḗ”, que dá ideia de som ou voz. No cinema, principalmente, “som estereofônico” teve enorme impacto a partir da década de 1950, com o Cinerama e com o CinemaScope, neste último com uma música de Cole Porter, chamada exatamente de “Stereophonic Sound”, feita para Meias de Seda (Silk Stockings), onde este impacto é mencionado:

 

 

O som estereofônico teve aplicações distintas no cinema e na indústria fonográfica. No primeiro, o conceito de estereofonia era de espalhar o som pela sala, inicialmente, no filme Fantasia, para o resultado de efeitos especiais, e na fase Cinerama-CinemaScope o som era direcional, particularmente os dos diálogos. Com o alargamento da tela, sentiu-se a necessidade de aumentar a largura da dispersão. Em princípio, não se notou nenhuma preocupação com o surround.

Já na indústria fonográfica, desde os trabalhos pioneiros de Alan Blumlein, a ideia era de construir um espaço de reprodução, de tal forma que o ouvinte pudesse ter a sensação de estar na frente de um palco onde a orquestra estaria posicionada.

No início do disco estereofônico destinado à gravação de música houve uma notória preocupação de vários estúdios de enfatizar a separação entre canais, a tal ponto que as mixagens desta época separavam instrumentos à esquerda e à direita (chamados tecnicamente de “hard left” e “hard right”, respectivamente), sem quase nenhum som no centro. Outro aspecto a ser enfatizado neste início foi o da reprodução de transientes, extraído da gravação de instrumentos de percussão, daí os títulos com a palavra “Percussion”, em vários discos.

Os problemas enfrentados pela indústria fonográfica

Embora o microssulco tenha dado um avanço na reprodução das gravações monaurais, foi preciso desenvolver o corte de acetato em “V”, ou seja, 45º/45º, para o disco estereofônico.

 

 

Um vídeo de um site sobre o assunto explica este processo de transformação com mais detalhes, caso o leitor tenha interesse:

 

https://youtu.be/YptuHmQ2YE8

 

Sem querer entrar demais na engenharia deste tipo de corte, deve-se mencionar que as dificuldades iniciais na produção de discos estereofônicos foi enorme. A interação entre cápsula e disco, com todos os ajustes necessários, é crucial para a reprodução do som com um mínimo de distorção.

No passado, alguns teóricos argumentaram que o antigo corte vertical proposto por Thomas Edison tinha melhor definição e menos distorção, em oposto ao corte lateral, e que a presença do corte vertical é o que garantiria a maior parte da qualidade do som obtido.

Mas, os problemas nunca pararam por aí, porque cada componente da cadeia de reprodução tem a sua influência na busca da qualidade do som. Agulhas tiveram que ter o seu formato modificado, de maneira a penetrar no sulco sem danificá-lo e sem perder a capacidade de trilhagem. Foi esta última especificação que diferenciou uma cápsula da outra. Aqueles discos com percussão serviram de base para se avaliar a reprodução de transientes, em função desta capacidade.

O ângulo da agulha de reprodução não pode ser igual ao ângulo da agulha de corte do acetato. Um dos principais ajustes da cápsula nos toca-discos é o da correção deste ângulo, Além disso, o usuário precisa ter certeza de que a cápsula utilizada foi fabricada de maneira a respeitar este ajuste. A correção de ângulo também carece do ajuste do braço que sustenta a cápsula. Em muitos toca-discos este ajuste não é possível!

Sulcos em “V” produzem o vazamento de áudio (“crosstalk”) entre os canais. Melhoramentos no processo de corte do acetato precisaram ser introduzidos, para diminuir ou até eliminar este vazamento.

O aumento de amplitude do som, traduzido no corte do acetato, tem tendência a empurrar a agulha para fora do sulco, por força da resultante de forças da modulação ali contida. Por causa disso, os fabricantes de cápsula investiram no design de estabilizadores que iriam manter a agulha dentro do sulco, mas respeitando a compliância desejada, necessária para a reprodução de transientes. Alguns fabricantes diziam que “era como andar na corda bamba”!

As cápsulas deveriam trilhar as paredes dos sulcos, e fazer isso com um mínimo de peso, para que estas paredes não fossem danificadas ao longo do tempo.

As demonstrações em disco

Eu perdi a conta do número de discos de teste que eu comprei ou ganhei de presente. Alguns desses discos se dirigiam para o lado técnico das gravações, e outros para testes ou demonstrações de cápsulas e agulhas novas.

Um disco da Micro-Acoustics foi lançado por ocasião da proposição de se usar uma cápsula de eletreto, modelo TT-2002, para aumentar a capacidade de trilhagem junto com a reprodução de transientes. Já a Shure fez mais de um lançamento do mesmo tipo, o primeiro chamado Audio Obstacle Course Era III, no lançamentos das cápsulas da série V15, copiadas aqui no Brasil pela Leson, com o nome de Axxis.

Eis aí alguns trechos, um deles já publicado:

 

 

No outro vídeo, uma série de testes de capacidade de trilhagem e reprodução de transientes servem, de acordo com o fabricante, para estabelecer a tolerância do peso da cápsula com os níveis (1 a 3) de amplitude contidos nos sulcos do disco:

 

 

Infelizmente, o YouTube não permite uma comparação clara desses 3 níveis. O elepê original foi remasterizado por mim, restaurado e normalizado para o melhor nível de amplitude possível.

Um odisseia estereofônica no espaço

Na busca de discos de demonstração que eu ouvia na adolescência, um deles, o mais fraco de todos, foi gravado na Inglaterra, e distribuído por vários selos, em vários países. O título do disco, super pomposo, fala em “A Sound Spectacular Stereo Space Odissey”, buscando buscar a atenção do ouvinte para a igualmente espetacular abertura do filme “2001, Uma Odisseia no Espaço”.

O disco pode ser ouvido hoje no Spotify, se alguém quiser saber como soa. Para mim continua não me agradando, porque, de demonstração mesmo, não tem quase nada, trata-se apenas de uma reunião de excertos de peças clássicas, relativas ao tema espaço.

Muitas das gravações em estúdio nos primórdios da estereofonia usavam, experimentalmente, dois tape-decks monaurais e o resultado da captura avaliado em um sistema apropriado. A introdução de decks com 2, 3 e 4 canais aperfeiçoaram a forma de captura para a finalização do disco estereofônico.

Gravações deste tipo, feitas na série Living Stereo da RCA podem ser integralmente ouvidas nos SACD lançados pela BMG anos atrás. Esses discos demonstram com clareza todo o processo evolutivo de produção de discos estereofônicos para o uso doméstico, na forma de elepês. A RCA usava arranjo triplo de microfones, um deles ao centro da orquestra, destinado à captura usada nos discos elepês monaurais.

Até hoje, uma gravação minimalista, destinada aos puristas por uma série de razões técnicas, são feitas, em ambiente analógico ou digital, em apenas dois canais. Este tipo de captura geralmente envolve um número mínimo de microfones, às vezes apenas 1 microfone estéreo, ou 2 microfones cruzados, no arranjo “Blumlein”, com resultados bastante interessantes.

Audiófilos ortodoxos sempre questionaram o emprego de mais de um microfone, bem como a existência de um canal central, já ventilado desde a década de 1950. Por causa disso, os discos estereofônicos de 2 canais se tornaram prevalentes.

Nas técnicas minimalistas de gravação o técnico posiciona microfones, se mais de um, e músicos até balancear a captura. Abaixo, se pode ver flagrantes do excelente disco “Tico! Tico!”, com o saxofonista Paquito D’Rivera, gravado de forma minimalista pela Chesky Records, em 1989. Na imagem se vê a maneira como os músicos estão dispostos no estúdio, próximos ao microfone.

 

Existem gravações com múltiplos microfones, que também são de excelente qualidade, e isso derruba alguns argumentos sobre as técnicas minimalistas.

Uma outra forma de captura, semi-minimalista, é a que usa 2 microfones para um único instrumento ou voz, e oferece ótimos resultados, como pode ser visto nas imagens da gravação do baixista Jim De Julio, para a Aix Records:

 

Múltiplas formas de captura do áudio podem dar bons resultados, e os pioneiros desta área já mostraram isso centenas de vezes. A estereofonia, seja de 2 ou de mais canais, deve ter sempre o mesmo objetivo, que é o de criar um ambiente onde quem ouve possa ter a sensação de estar presente na sala de concerto. Este é também o objetivo que justifica o zelo pela instalação dos equipamentos e do ambiente onde o som é reproduzido.

Quem gosta de música e se interessa por áudio, nada mais prazeroso do que se sentar para ouvir música em uma boa sala e com bom equipamento. Pode até ser um hábito anacrônico, nos moldes de hoje, mas até hoje, eu não vejo nada que o supere. Outrolado_

. . .

 

Walt Disney em Fantasia inaugurou o som estereofônico multicanal no cinema

 

O nascimento, vida e morte da fita cassete

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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