A influência e a evolução do processador de texto

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O processador de texto foi o programa que mais motivou usuários não iniciados em microinformática a adquirir um computador pessoal. Fui testemunha desta evolução, que acabou mudando a vida de muita gente.

 

Se existe um aplicativo que mais vendeu computadores na década de 1980 foi o processador de texto (no original em inglês “Word Processor”). Antes dele existiam as máquinas de escrever mais sofisticadas com um editor de textos embutido em ROM, depois colocado em placas dedicadas. Hoje em dia, pode-se reconhecer um editor de textos parecido em programas como o Notepad e similares, nos quais a formatação do texto é limitada.

Existe uma série de vídeos da década de 1980 que estão hoje disponíveis no YouTube, para quem tiver interesse nos primórdios da computação. Estes vídeos fazem parte de um programa da PBS (a TV pública americana), com o nome de The Computer Chronicles. Eu assisti um desses vídeos, falando sobre os processadores de texto, e ele me evocou muitas lembranças, não só da presença dos processadores na minha vida e na de outros, mas também da importância evolutiva que eles alcançaram.

 

O meu início na microinformática para valer aconteceu quando eu fiz um curso de programação em Basic, dado pelo Núcleo de Computação Eletrônica da UFRJ, em 1984. Este curso, na realidade, ensinava também CP/M e os primeiros passos no uso de um microcomputador, e era dedicado somente aos professores, na expectativa de que os mesmos abraçassem a microinformática, com aplicações na ciência e no ensino. Nunca me esqueço que entraram cerca de cinquenta docentes para fazer o curso, e na semana seguinte sobraram um pouco mais de vinte, tal a dificuldade em aprender que alguns colegas enfrentaram após a primeira aula!

Mas, para mim, o curso abriu as portas, inicialmente com muita dificuldade, para o uso de um computador pessoal. Como, para variar, eu andava sempre duro, eu só consegui comprar um micro no ano seguinte, após uma promoção da Gradiente, pagando aquilo em 10 suaves prestações. E mesmo assim, sem o monitor, porque a grana não dava…

E com o Expert MSX da Gradiente lá em casa, eu rapidamente descobri o processador de textos, pirateado, e vendido em fita cassete, com o nome de Tasword. Tempos depois, eu escrevi um texto sobre ele, publicado na MSX Micro, com o título “TASWORD: o coringa dos editores de texto. MSX Micro, 10: 31-36 (1987):

 

O Tasword era o nome original do processador MSX-WORD, licenciado pela Cibertron, empresa de São Paulo, de propriedade de Leonardo Senna (irmão do famoso corredor). O MSX-WORD chegou até a mim na versão 3.0, então eu e meu irmão publicamos um livro sobre ele: “Tudo sobre o MSX-WORD das versões 1.6 a 3.0”, publicação da Ciência Moderna Computação Ltda., Rio de Janeiro, 1989.

Para mim pessoalmente, o MSX-Word foi um grande avanço. Eu sempre digitei muito mal, erro muito e sempre reviso o que escrevo várias vezes. Com ele eu pude ter finalmente ter a liberdade de errar e fazer de novo, dar um acabamento aceitável no texto digitado e salvar o resultado para uso posterior. Tudo isso em um computador de 8 bits. Amigos meus, antes reticentes no uso de um computador pessoal, viram no MSX-Word um forte motivo para eles mesmos comprarem um MSX e se envolverem com o restante da microinformática, sem precisar programar qualquer coisa!

Este é, em última análise, o que os programadores e as software houses queriam: difundir o uso do computador pessoal, em casa e no trabalho, sem o usuário final precisar programar nada!

Programas rodando em CP/M no MSX

Se o leitor deste texto assistiu ao vídeo do The Computer Chronicles compartilhado acima, deve ter percebido a presença de Gary Kildall, cientista e programador brilhante, que criou o CP/M, depois amplamente usado até em computadores de 8 bits.

Aqui um detalhe curioso: quando Kildall e sua mulher estavam tentando acertar as bases para o uso do CP/M no IBM-PC, a transação foi prejudicada por ela e pelo advogado da Digital Research, o que propiciou de forma oportunista a Bill Gates oferecer e depois ser aceito o uso do MS-DOS pela IBM. Gates usou o programa de uma empresa que havia clonado o CP/M, e este programa foi então oferecido para a IBM. O MSX, por seu turno, era um computador rodando com softwares da Microsoft adaptados. Assim, quando o MSX-DOS entrou em cena, ele rodava sem problema tudo que tinha sido feito para o CP/M.

Um dos mais populares programas feitos para o CP/M foi justamente o WordStar, originalmente previsto para o IBM-PC. E ele rodava muito bem no MSX, e poderia ser customizado de acordo com a impressora em uso.

O problema crônico daquela época era o da incompatibilidade de processadores de texto com as impressoras disponíveis, ou seja, de nada adiantava digitar caracteres em português se eles não chegassem intactos na impressora. Os recursos para contornar isso foram vários, mas dependiam de programação, que quase sempre não estavam ao alcance de todos.

No caso específico do WordStar, eu havia feito uma pesquisa a este respeito, e conheci o Jorge Massa, um rapaz que naquela época trabalhava no Nutes/Clates, CCS, da UFRJ, que escreveu um software chamado ACENTUE.WS, e ele me permitiu fazer algumas modificações, o que fiz com a ajuda do brilhante programador, meu conhecido, o Julio Renato Soares Velloso, autor do versátil BKP-DISCO, um dos melhores utilitários feitos para o MSX.

O editor da MSX Micro se interessou pelo trabalho, e o publicou como matéria de capa na edição 20: O uso do WordStar no MSX. MSX Micro, 20: 23-26 (1989). O texto publicado foi extenso e detalhado, mas permitiria o uso do WordStar no MSX com o uso pleno do texto digitado e impresso em português.

 

Nesta época, vários outros programas rodaram em CP/M no MSX, e isto aumentou o escopo de trabalho em ambiente operacional com a ajuda de uma interface de disco.

A evolução e expansão dos processadores de textos

Não foi só o WordStar que fez sucesso entre os usuários do IBM-PC, na realidade a concorrência dele com seus congêneres se tornou feroz! Dentre eles, o Word versão 5.0, da Microsoft, ganhou grande destaque e foi o meu processador usado em ambiente MS-DOS até a chegada do Windows 3.0, tempos depois.

Os primeiros editores de texto, feitos com máquinas pré-montadas, se mostraram muito limitados com o correr do tempo. Os primeiros sistemas antes do PC/M foram construídos com programas gravados em ROM (memória operacional de leitura). Ao ligar um computador deste tipo, a partida incluía a leitura da ROM e informava ao usuário o programa disponível. Programas em ROM podiam inclusive ser rodados com o chip dentro de um cartucho, instalado em um slot de expansão externo.

O CP/M mudou tudo isso: o programa passa a ser armazenado em disco, e a mesma mídia usada para salvar o trabalho do usuário. Foi neste momento, aliás, que era recomendada a cópia dos arquivos de forma sistemática, o conhecido “back-up”, que dura até hoje!

A introdução do CP/M, e sistemas operacionais de disco similares, trouxe em si uma enorme vantagem para o usuário, porque não era mais necessário comprar um computador dedicado a algum tipo de programa em ROM externa ou interna, porque agora uma única máquina iria rodar programas em disco do jeito que o usuário quisesse.

Gary Kildall trabalhou também na multi-operacionalidade dos sistemas, permitindo assim rodar mais de um programa ao mesmo tempo. Este importante recurso ganhou, e ainda ganha, enorme versatilidade obtida com o aumento da memória RAM e da capacidade de trabalho das CPUs.

Vários processadores de texto passaram a ser escritos para tarefas específicas. Inicialmente, os processadores eram aplicativos para se digitar um texto e depois corrigi-lo e formata-lo. Em versões posteriormente disponíveis, foram implementados uma série de recursos de edição, como, por exemplo, correção ortográfica e revisão gramatical, numeração das páginas, criação de rodapés e cabeçalhos, sumários (lista de capítulos ou tópicos), índices, e vai por aí.

Uma vertente que em um dado momento auxiliou editoras e até escritores foi o programa chamado de “desktop publishing”, dedicado à montagem de um livro ou texto para publicação. Programas populares desta área foram o Ventura e o Page Maker.

Com a introdução do Windows, o Word for Windows foi projetado para aplicar todos os recursos desses programas, o que me obrigou a estudar o assunto por conta própria. Quando eu apresentei parte do manuscrito da minha tese de doutorado, um dos meus orientadores (que detestava computadores) me disse que aquilo parecia um livro. Mas, era mesmo! E a prática mostrou que elaboração de trabalhos científicos enviados para publicação foi enormemente facilitada pelos recursos da editoração eletrônica.

As regras usadas para os programas desktop publishing faziam muito sentido, coisas como escolha da fonte apropriada, tamanho da métrica, construção e formatação de parágrafos e margens, etc. Tanto assim que, depois de mim, vários colegas estudantes passaram a fazer o mesmo, e o departamento recomendou este formato nas teses.

Um dos mais notáveis recursos, que já existia desde o MS-DOS, era o de ordenar texto. Os trabalhos científicos, por exemplo, colocavam as referências bibliográficas em ordem alfabética. Com a ordenação do texto digitado, quem escrevia nem se preocupava com isso: bastava digitar tudo, selecionar o texto e mandar o processador colocar na ordem desejada. Na época da máquina de escrever, fazer isso era uma tarefa inglória: se um erro fosse cometido, a gente era obrigado a parar e digitar tudo de novo a partir do ponto onde era o texto precisava ser alterado ou uma nova referência adicionada!

A facilitação da edição de qualquer coisa

Quem escreve não tem mais desculpa para se sentir atingido pela falta de recursos na edição de textos, seja lá qual for o objetivo dos mesmos. O pacote Office da Microsoft continua caro, mas as alternativas gratuitas estão amplamente disponíveis on-line ou off-line para quem quiser trabalhar e ser criativo.

Até mesmo o Office tem versão gratuita, só que on-line, e pode ser usado pelo navegador. Eu sou um que até hoje ainda uso o Office tradicional, mas eu percebo que existem mais vantagens no Office 365, que é atualizado em recursos e as versões são substituídas automaticamente.

Ao contrário de antigamente, na falta da grana para comprar um Office, as opções gratuitas, como, por exemplo, o Libre Office e outros, funcionam muito bem, e leem e salvam arquivos Word.

A liberdade dos processadores de texto para mim não tem preço. Durante anos eu penei com máquina de escrever, sem ver uma luz no fim do túnel. Até mesmo o velho em bom MSX-Word me ajudou muito. E sem o Word for Windows o meu extenso trabalho de tese teria me deixado às voltas com todo o tipo de dificuldade operacional. Aconteceram vários momentos do meu manuscrito nos quais eu precisei integrar dados de outros aplicativos, inclusive aqueles ainda rodando em ambiente MS-DOS dentro do texto.

Gozado é que um dia, já de volta no Brasil, me chamaram para dar uma palestra no Instituto de Macromoléculas da UFRJ para relatar o que eu havia passado com a mudança de ambiente operacional, MS-DOS para Windows. E eu soube que um professor de informática havia afirmado em sala de aula que o Windows não era um sistema operacional, e por isso precisava do MS-DOS. O tal professor aparentemente não sabia que o Windows foi previsto para rodar em um IBM-PC junto com o MS-DOS, por isso a rotina de inicialização da máquina dispensava instalar o Windows no disco de partida. Em versões subsequentes do Windows a Microsoft preferiu deixar o MS-DOS como um apêndice, e isto funciona assim até hoje, até certo ponto.

A desinformação na microinformática sempre existiu, e nós que ralamos para aprender qualquer coisa, em uma época onde o computador ainda era visto como uma máquina somente para iniciados, lucramos com a experiência, vivência e a obtenção de resultados de anos de trabalho, pesquisa e leitura.

Quanto a programas de correção de texto, as ofertas gratuitas têm extrapolado o processador de textos. Eu uso corretores ortográficos e gramaticais no navegador e no cliente de e-mail, na forma de extensões, e não sou obrigado a aceitar correções. Melhor do que isso, como diz o vulgo, só dois disso!… Outrolado_

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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